INTRODUÇÃOAngiofibroma nasofaríngeo é descrito como uma doença rara e benigna, diagnosticada normalmente em adolescentes do sexo masculino. É um tumor altamente vascularizado de crescimento lento, mas localmente invasivo e destrutivo. Originado na margem do forame esfenopalatino estende-se para fossa pterigopalatina, seios paranasais e cavidade nasal, acarretando sintomas como dor, obstrução nasal unilateral e epistaxe. Com a evolução, o tumor leva à deformidade facial, podendo atingir a órbita e a região intracraniana, ocasionando sintomas como proptose, alteração da acuidade visual e paralisias de nervos cranianos. Não há consenso na literatura quanto à melhor forma de tratamento dos angiofibromas. Diversas abordagens cirúrgicas têm sido descritas para tumores de grande extensão como a via transpalatal, a rinotomia lateral e o degloving médiofacial. Associado a qualquer destas técnicas, a embolização tumoral pré-operatória tem sido recomendada na literatura para a diminuição do sangramento intra-operatório.
O objetivo deste trabalho é relatar o caso de um paciente com angiofibroma nasofaríngeo, associado a uma revisão de literatura com ênfase nos acessos cirúrgicos utilizados, nos resultados obtidos dentre os diferentes estágios, na utilidade da embolização pré-operatória e nas taxas de recidivas tumorais.
REVISÃO DE LITERATURARealizou-se revisão da literatura com ênfase nas técnicas cirúrgicas empregadas, nos resultados observados dentre os diversos estadiamentos, na utilização ou não de embolização pré-operatória e nas taxas de recidiva do tumor.
Vários acessos são utilizados, de acordo com a localização do tumor: transpalatal, transmaxilar, rinotomia lateral, degloving médiofacial e osteotomia Le Fort tipo I. A revisão de 35 casos da literatura japonesa, entre 1990 e 2003, demonstrou que os acessos cirúrgicos empregados nos diferentes estágios foram: transpalatal (11 casos; 31.4%), transmaxilar (9 casos; 25.7%), transnasal (6 casos; 17.1%) e outros acessos (25.7%). A taxa de recidiva foi: 5% no estágio I, 38% no estágio II e 33% no estágio III. O acesso transpalatal teve a mais alta taxa de recidiva nos estágios II ou em estágios mais avançados (1).
A remoção endoscópica do angiofibroma nasofaríngeo é efetiva e segura; este acesso parece não afetar a recorrência (2).
Técnicas cirúrgicas endonasais e o uso do microscópio cirúrgico em degloving médio-facial levam à extirpação bem sucedida de tumores extra e intracranianos. Estes autores contra-indicam o acesso endonasal nos estágios IV e em alguns casos de estágios III com maior extensão para a fossa craniana média (3). Invasões intracranianas estão presentes em 10 a 20% dos pacientes (4).
O estudo retrospectivo de 32 pacientes tratados por angiofibroma nasofaríngeo, num período de mais de 14 anos, demonstrou após a análise estatística dos dados coletados, que a média de idade era 16 anos e mais de 90% dos pacientes apresentavam estágios III e IV da doença. A embolização pré-operatória foi realizada em 19 pacientes (59,37%). Os acessos utilizados foram: maxilectomia média, fossa infratemporal, transpalatal, e craniofacial. Estes autores relataram que: as taxas de recidiva, ressecção completa e cura foram respectivamente 12,5%, 41% e 63% (5).
A via transpalatal é limitada a tumores da nasofaringe, cavidade nasal e seio esfenóide, não sendo possível a exposição completa de extensões laterais do tumor. A via de Denker com maxilectomia parcial permite ressecar dentro da cavidade nasal, da nasofaringe e do seio paranasal. Tumores com extensão para a fossa infra-temporal e para o seio cavernoso podem ser abordados por uma combinação de Denker e via paranasal. Nessas condições o acesso médio-facial também pode ser considerado. A rinotomia lateral é efetiva para expor a nasofaringe, os seios paranasais, a fossa pterigopalatina, a porção medial da fossa infra-temporal e o seio cavernoso. O acesso cirúrgico deve ser selecionado de acordo com a eficácia da embolização e a experiência do cirurgião (4).
A via transpalatina pode ser utilizada rotineiramente nos tumores confinados à rinofaringe. A via transpalatina é complementada pela via sublabial transantral, em tumores que se estendem para a cavidade nasal e/ou esfenóide ou naqueles que ocupam as seguintes cavidades: maxilar, seio etmoidal, fossa pterigomaxilar,órbita ou bochecha. Vias paralátero-nasal e paralátero médio labial, permitem boa exposição do tumor, porém apresentam desvantagens de ordem estéticas quando comparadas com a via sublabial (6,7).
A abordagem endoscópica transnasal é melhor indicada para tumores pequenos, limitados a nasofaringe, cavidade nasal, seios etmoidais e esfenoidal, podendo ser empregada para tumores com extensão até a fossa pterigopalatina ou ser usada conjuntamente com outras abordagens para avaliar a extensão do tumor e a suficiência da ressecção (9).
A correlação do estadiamento préoperatório, através de CT e RM com os achados cirúrgicos, foi estudada, estando de acordo em 92% dos casos. Em 17% a TC e a RM mostrou recorrência após a cirurgia. A CT permite o estadiamento correto do tumor e demonstra a presença e extensão de recidiva (8). A RM é ideal para a avaliação da lesão e para a obtenção de informação da relação desta massa com as estruturas adjacentes (órbita, dura, carótida interna e seio cavernoso) (10).
O principal suprimento arterial destes tumores é a artéria maxilar ipsilateral, embora possam haver ramos da artéria carótida interna ipsilateral ou do sistema carotídeo externo contralateral. O acesso cirúrgico deve ser determinado pela embolização efetiva e pelo tamanho e localização do tumor (11).
A embolização arterial seletiva leva a uma diminuição da perda sangüinea durante a cirurgia e facilita a remoção do tumor. A maior complicação desse procedimento seria o escape de êmbolos para a circulação intracraniana, porém é uma ocorrência tida como rara. Outras complicações associadas à embolização são: reação sistêmica ao contraste, infecção no local da punção, hematoma e trombose femoral. A embolização arterial, embora reduza o sangramento intraoperatório, pode aumentar o risco de recidiva, sobretudo se houver invasão profunda do esfenóide, pois torna a remoção total mais difícil. Portanto, pacientes que mostram essa invasão ao exame tomográfico pré-operatório estão sob alto risco de recorrência e a embolização é contra-indicada (9).
Em 14 casos relatados, a angiografia revelou que o principal suprimento do tumor era da artéria maxilar, mas em quatro casos também havia participação da artéria faringea ascendente (4).
Os diagnósticos diferenciais que devem ser lembrados são: pólipos inflamatórios; pólipo angiomatoso e cisto nasofaríngeo; fibrossarcomas e fibromas de nasofaringe; estesioneuroblastoma de fossa nasal; neoplasias malignas do maxilar superior; tumores malignos de nasofaringe e hipertrofia de adenóides (facilmente diferenciada pela sua apresentação clínica e aspecto endoscópico) (6,9).
APRESENTAÇÃO DO CASOPaciente de 14 anos, sexo masculino, pardo, com história de nove meses de aumento da hemiface direita com obstrução nasal ipsilateral, sem sangramento nasal. Ao exame físico observou-se deformidade facial à direita, sem alterações oculares ou visuais (Figura 1). À rinoscopia anterior evidenciou-se tumoração ocupando toda fossa nasal direita e septo nasal deslocado para o lado esquerdo. À orofaringoscopia observou-se palato mole abaulado. O exame tomográfico demonstrou massa heterogênea em toda fossa nasal direita, nasofaringe, fossa ptérigopalatina, região infratemporal e seio esfenóide (Figura 2). A ressonância magnética não evidenciou extensão tumoral na órbita, no seio cavernoso e nem intracraniana. Foi realizada embolização seletiva das artérias maxilar, meníngea acessória e faríngea ascendente (Figura 3), 96 horas antes do procedimento, contribuindo para a abordagem cirúrgica, com excisão tumoral via transpalatina associada a degloving médiofacial (Figuras 4 e 5).
O anatomopatológico demonstrou achados compatíveis com a hipótese.
Foi possível a retirada completa do tumor através destes acessos cirúrgicos.
Não ocorreram sangramentos no pós-operatório e observamos redução satisfatória da assimetria facial na segunda semana após a remoção do tumor. Adotamos placa acrílica para proteção da sutura da mucosa do palato e para a introdução precoce da alimentação oral. O seguimento está sendo feito com avaliação clínica e exame endoscópico nasal e de rinofaringe. Para controle de recidiva será realizado TC, pois são elevadas as taxas de recorrência nos estadiamentos III de FISCH. A recidiva é uma preocupação constante nesses pacientes, sendo citada na literatura uma incidência de 6% a 24% (8) e de 33% no estágio III (1).
DISCUSSÃOO tratamento do Angiofibroma Nasofaríngeo Juvenil é controvertido. Alguns autores preconizam uma conduta expectante, outros, a radioterapia, a hormonioterapia ou a cirurgia. A cirurgia é o tratamento preferencial, mas encontra dificuldades na sua realização, pelo componente vascular do tumor e pela extensão e exposição da lesão.
A via de acesso pode ser transpalatina, endonasal, transfaríngea, Rouge-Denker e transmaxilar.
Não há um consenso na literatura sobre a melhor opção cirúrgica, deve-se considerar a extensão da lesão, a adequada exposição e a erradicação completa do tumor. O emprego de técnicas endoscópicas é uma opção no tratamento de lesões mais limitadas; desenvolveu-se bastante, mas ainda é reservada para tumor estadio I para II da classificação de Fisch.
A via de acesso cirúrgico mais usada é a transmaxilar e secundariamente a transpalatina. Na via transmaxilar faz-se a incisão pela rinotomia lateral, que pode ser estendida para a região médio-labial superior ou pela incisão sublabial. O acesso transpalatal é útil no Angiofibroma Nasofaríngeo Juvenil limitado à nasofaringe com mínima extensão para seios ou fossa pterigopalatina; oferece excelente exposição a esta região, com mínima morbidade e excelente resultado cosmético (6,7).
Pela possibilidade de hemorragia grave durante o procedimento cirúrgico, utiliza-se atualmente a embolização arterial seletiva, que além de diminuir a perda sanguínea durante a cirurgia também facilita a remoção do tumor.
A CT permite o estadiamento preoperatório e a detecção das recidivas. Os altos índices de recidiva nos estágios tumorais avançados justificam o cuidadoso seguimento pós-operatório.
A radioterapia tem seu lugar em casos onde há grandes massas tumorais e/ou invasão intracraniana, sobretudo com invasão de duramáter, seio cavernoso e fossa pituitária, onde a ressecção cirúrgica completa é difícil e arriscada, ou ainda em casos de recidiva (9). A radioterapia e a hormonioterapia podem ser indicadas nos casos de tumores volumosos em que a exérese cirúrgica foi parcial ou nas recidivas.
No estadio III de Fisch há necessidade de melhor exposição do tumor e foi adotado neste caso o degloving médiofacial associado à técnica transpalatina, que permitiu a completa remoção da lesão (11).
COMENTÁRIOS FINAISNota-se após a revisão da literatura, que a maioria dos autores preconiza a cirurgia radical como o tratamento mais eficaz.
A abordagem cirúrgica depende da extensão da doença, da experiência do cirurgião e sempre que possível deve-se realizar embolização arterial seletiva pré-operatória. O seguimento pós-operatório deve objetivar a detecção da presença e da extensão de recidiva.
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Figura 1. Deformidade facial à direita, observada ao exame físico.
Figura 2. T.C. (coronal): massa heretogênea em toda a fossa nasal direita, nasofaringe, fossa ptérigo-palatina, região infra-temporal e seio esfenóide.
Figura 3. Embolização pré-operatória.
Figura 4. Abordagem cirúrgica: via transpalatina associada à degloving médio-facial
Figura 5. Abordagem cirúrgica: via transpalatina associada à degloving médio-facial.