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Ano: 2006  Vol. 10   Num. 4  - Out/Dez Print:
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Breve História da Tonsilectomia
A Brief History of Tonsillectomy
Author(s):
João Flávio Nogueira Júnior1, Diego Rodrigo Hermann1, Ronaldo dos Reis Américo1, Raquel Garcia Stamm2, Cleonice Watashi Hirata3
Palavras-chave:
História. Otorrinolaringologia. Tonsilectomia.
Resumo:

Introdução: As tonsilas palatinas são órgãos linfóides localizados estrategicamente na porta de entrada dos sistemas digestório e respiratório. A remoção cirúrgica das tonsilas palatinas tem sido praticada há três mil anos, conforme citação na literatura hindu. Objetivo: Rever a história da tonsilectomia, o estudo anatômico, as técnicas utilizadas e os desenvolvimentos tecnológicos. Conclusões: O médico romano Cornélio Celsus, no século I antes de Cristo, foi o primeiro a descrever uma tonsilectomia realizando o procedimento cirúrgico com o próprio dedo para dissecção e remoção das estruturas. Versalius em 1543 foi o primeiro a descrever detalhadamente as tonsilas, inclusive sua irrigação sangüínea. Duverney, em 1761, fez a primeira descrição exata da região faríngea, mas estudos anatômicos e histológicos mais detalhados somente foram realizados no século XIX por Wilhelm Von Waldeyer. Physick em 1828 introduziu instrumentos para a realização rápida da tonsilectomia. No Brasil, a primeira cirurgia foi realizada na década de 1920 por um cirurgião na Santa Casa de São Paulo, Schmidt Sarmento. Atualmente a tonsilectomia é o procedimento cirúrgico mais realizado em crianças no mundo. Novos métodos, incluindo laseres e eletrocirurgia, estão continuamente sendo desenvolvidos e estudados para melhorar a técnica cirúrgica e diminuir a dor e desconforto associado a este procedimento.

INTRODUÇÃO

As amígdalas ou tonsilas palatinas são órgãos linfóides localizados estrategicamente na porta de entrada dos sistemas digestório e respiratório. A remoção cirúrgica das amígdalas palatinas tem sido praticada há três mil anos, conforme citação na literatura hindu. Os termos anatômicos por nós utilizados para descrever estas estruturas derivam do Latim "tonsa", que significa remo e do Grego "amygdala", que significa amêndoa. Versalius em 1543 foi o primeiro a descrever detalhadamente as tonsilas, inclusive sua irrigação sanguinea e Duverney, em 1761, fez a primeira descrição exata da região faríngea (1,2). Entretanto estudos anatômicos e histológicos mais detalhados somente foram realizados no século XIX, com especial destaque ao anatomista alemão Wilhelm Von Waldeyer que descreveu o conjunto de tecidos linfáticos localizados na faringe (1,2). O objetivo deste trabalho foi rever a história da amigdalectomia, o estudo anatômico, as técnicas utilizadas e os desenvolvi¬mentos tecnológicos.


REVISÃO DA LITERATURA

O médico romano Cornélio Celsus, no século I antes de Cristo, foi o primeiro a descrever uma tonsilectomia. Ele relatou a realização do procedimento com o próprio dedo para dissecção e remoção das estruturas. Celsus aplicava uma mistura de vinagre e leite no sítio cirúrgico para a hemostasia e descrevia uma verdadeira batalha entre ele e os pacientes por conta da falta de anestesia adequada (1,2).
A tonsilectomia entretanto era o último recurso para o tratamento das tonsilites à época. Aetius de Amida recomendava ungüentos, óleos e fórmulas corrosivas com gordura de sapo para o tratamento de infecções. Algumas indicações para a remoção das tonsilas nesta época incluíam enurese noturna, convulsões, estridor laríngeo, rouquidão, bronquite e asma crônicas (2).
Outras técnicas para a retirada das tonsilas surgiram na idade média, como a utilização de fios de algodão para ligar firmemente a base. Estes fios eram apertados diariamente para a agonia dos doentes até que as tonsilas caíssem (2).
O procedimento para remoção das tonsilas palatinas foi praticamente abandonado até o século XVI quando instrumentos foram adaptados para a realização das amigdalectomias.
O francês Paré em 1564 e o alemão Scultetus em 1655 criaram equipamentos que permitiram colocar uma fôrma oval em torno da úvula, cortando-a por estrangulamento. Hildanus, em 1646 e Heister em 1763 apresentaram aparelhos em forma de guilhotina para uvulectomia. Estes instrumentos foram modificados por Physick, que em 1828 criou o tonsilótomo utilizado com sucesso em tonsilectomias nos Estados Unidos (1,2).
Entretanto, mesmo com a consagração de Physick, parece ser do cirurgião francês Pierre Desault a primazia da utilização de um instrumento para a realização de tonsilectomia. Desault utilizou em 1770 um aparelho metálico desenvolvido para quebrar cálculos na bexiga. Este instrumento em forma de meia-lua tinha em sua extremidade uma pequena faca que se encaixava perfeitamente às tonsilas. Como não comunicou formalmente a utilização deste aparelho, Desault acabou esquecido (1,2).
Novos instrumentos foram criados utilizando como protótipo o modelo do tonsilótomo de Physick. Fahnestock, nos Estados Unidos em 1832, Mackenzie em Londres em 1880, Brunings em 1908 e Sluder em 1911 nos Estados Unidos foram alguns que desenvolveram equipamentos similares. Greenfield Sluder, otorrinolaringologista, em Saint Louis não foi o primeiro a utilizar a guilhotina para amigdalectomia, mas publicou um trabalho, em 1912, no qual afirmava ter alcançado 99.6% de sucesso em suas cirurgias através dessa técnica (1,2). Todos eles visavam a realização da cirurgia o mais rápido possível, especialmente em crianças, por conta da precariedade das técnicas anestésicas.
A cirurgia das tonsilas palatinas era inicialmente realizada por cirurgiões gerais, mas no final do século XIX tornou-se domínio dos otorrinolaringologistas, por conta tão somente das melhores técnicas de iluminação que estes dominavam. Importantes passos no progresso da tonsilectomia foram dados com os abridores de boca e abaixadores de língua, além do posicionamento do paciente com a cabeça reclinada e suspensa. Esta posição foi primeiro descrita por Killian em 1920, mas somente adotada após melhoramentos nas técnicas anestésicas (1,2).
Mesmo com a consagração e utilização do tonsilótomo de Phisick e instrumentos similares no final do século XIX, outro aparelho começou a atrair os olhares dos otorrinolaringologistas. Joseph Beck foi o primeiro a descrever a utilização de um aparelho com fio cortante dentro de um anel rígido que ficou conhecido como anel de Beck-Mueller. Um instrumento que também ganhou notoriedade neste período foi a guilhotina de Sluder. No início do século XX a utilização de fórceps e escalpos ganhou força pois se constatou que o uso destes equipamentos resultava em menos sangramentos (1,2).
A partir de 1909, a cirurgia das tonsilas tornou-se uma prática mais comum e segura, quando Cohen adotou a ligadura dos vasos sangrantes para controlar a hemorragia peri-operatória. O tonsilótomo de Sluder começou a ser empregado rotineiramente nos Estados Unidos em 1909, na Áustria em 1910, na Bélgica em 1912 (1,2).
No Brasil, a primeira tonsilectomia foi realizada na década de 1920 por um cirurgião da Santa Casa de São Paulo, Schmidt Sarmento (3).
Estima-se que nos Estados Unidos tenham sido realizadas 1.400.000 cirurgias das tonsilas em 1959, cerca de 500.000 em 1979 e aproximadamente 250.000 por ano na última década (1,2).
Os dados demonstram que nas décadas de 40 e 50 muitas doenças das quais não se conheciam as etiologias ou fisiopatologias, eram atribuídas às tonsilas como possíveis focos infecciosos, dando início a um modismo que resultou em milhares de cirurgias. As tonsilas eram, então, removidas e, em muitos casos, quando não havia melhora dos sintomas, os dentes também eram retirados (1,2,5).
Com o passar do tempo, devido à falta de resultados convincentes e em virtude do excesso de indicações, este procedimento foi perdendo prestígio, chegando a não ser indicado mesmo em casos onde a sua realização seria oportuna e correta.
O avanço terapêutico da medicina, principalmente com os antibióticos e a melhora nas condições de trabalho nos serviços públicos de saúde e de medicina de grupo também contribuíram para uma diminuição nas cirurgias de retirada das amigdalas.
O modismo, embora superado, deixou um estigma para a tonsilectomia, vista com reticência por alguns pacientes e até mesmo médicos de outras especialidades. Como decorrência da cirurgia pode haver uma demora maior para aquisição da imunidade contra o vírus da poliomielite e maior incidência da doença em crianças não vacinadas. Entretanto, não altera a ocorrência de febre reumática, pode diminuir os surtos de hematúria e proteinúria em nefropatias e trazer melhora nos quadros de bronquite asmática e rinite alérgica.
Atualmente, o melhor conhecimento da fisiologia e da fisiopatologia das tonsilas e adenóides tende a equilibrar a correta indicação da cirurgia. Inclusive, as novas técnicas de dissecção praticamente substituiram a técnica de Sluder e o termo "amígdalas", por "tonsilas".
Embora as indicações integrem um processo dinâmico que se modifica com o evoluir do conhecimento das doenças tonsilares e suas repercussões loco-regionais e sistêmicas, a cirurgia, quando bem indicada, traz benefícios potenciais como a redução da obstrução respiratória severa; redução na freqüência, duração e gravidade de doença da orelha, nariz e garganta; redução das perdas auditivas, além de melhora das doenças sistêmicas e do crescimento.


DISCUSSÃO

Tonsilectomia e doenças sistêmicas
A infecção crônica das amígdalas e suas repercussões sistêmicas vêm afetado os seres humanos desde tempos remotos. Um dos casos mais famosos é o do primeiro presidente dos Estados Unidos, George Washington, que faleceu em 1799 em conseqüência de um abcesso periamigdaliano (4).
Em dezembro de 1799, o presidente americano George Washington estava em sua cama na cidade de Mount Vernon, Virginia, sofrendo por conta de um abscesso periamigdaliano, apresentando dispnéia. O mais novo dos três médicos que o estavam acompanhando, Elisha C. Dick, recomendou uma traqueostomia para melhora da respiração do presidente. Ele foi vencido pelos outros dois médicos, que preferiram métodos tradicionais à época para o tratamento, como sangrias. O presidente faleceu naquela noite, 14 de dezembro de 1799.
Em 1900, William Hunt comprovou a conexão entre sepse oral e doença sistêmica. Nesta época já se acreditava que infecções amigdalianas poderiam provocar toxemia crônica e infecções localizadas nas articulações, coração ou rins. Estudos foram realizados com tonsilectomias parciais e totais com relação à recorrência das infecções (1,2).
No início do século XX, muitos autores indicavam e executavam a amigdalectomia parcial, mas a partir da terceira década desse mesmo século, a amigdalectomia total passou a ser o procedimento preferencial. Em 1950 as indicações de amigdalectomia eram: infecções recorrentes, surdez na infância, difteria, halitose e outras mais controversas como reumatismo, rouquidão, asma, desnutrição e febres de origem obscura (1,2).
Práticas e Instrumentos
Em 1827 Philip Physick, da Filadélfia, anunciou um melhoramento no método da alça com fio de algodão. Entretanto este método causava 12 horas de dor e desconforto aos pacientes. Physick então procurou outro meio mais rápido para realização da tonsilectomia. Ele realizou pesquisas com instrumentos cirúrgicos antigos e encontrou um aparelho denominado uvulótomo, que tinha sido criado originalmente no século XVI (1,2).
O uvulótomo era utilizado para a remoção da úvula. Um importante aspecto do uvulótomo era um orifício circular em que a úvula era introduzida. Uma vez posicionada, a úvula era cortada por uma lâmina retrátil. Para aplicar o desenho do uvulótomo nas tonsilectomias, Physick fez duas modificações em 1828. Primeiro, ele aumentou o diâmetro do orifício circular. Segundo, um pedaço de fio de linho embebido em óleo foi posicionado na porção posterior do orifício para dar suporte à tonsila e conseguir um corte limpo. Este novo instrumento foi denominado tonsilótomo, que ao longo do tempo também sofreu algumas modificações.
William Fahnestock incorporou um pequeno gancho para segurar a amígdala. Mesmo significativamente aumentando a velocidade das tonsilectomias, o tonsilótomo não impediu que outros otorrinolaringologistas desenvolvessem novos equipamentos e técnicas para a realização do procedimento cirúrgico.
Gregg Dillinger acreditava que o tonsilótomo causava muita hemorragia e desenvolveu um método denominado diatermia. Diatermia era o uso de corrente elétrica de alta freqüência para elevar a temperatura do tecido. Nesta técnica uma agulha-gancho metálica era conectada à uma fonte elétrica e inserida na tonsila. A corrente elétrica queimava o tecido adjacente e este caía em seguida. O procedimento requeria algumas sessões para o completo tratamento, mas causava pouco sangramento e menos infecções (1,2).
Mesmo com o surgimento desta técnica o tonsilótomo ainda persistiu e continuou sendo utilizado ao invés da diatermia. Novas técnicas com pastas ácidas e ligaduras também surgiram. Entretanto todas foram se tornando obsoletas quando novas tecnologias foram se desenvolvendo.
A partir de 1913, a radioterapia com raio X em amigdalites crônicas ou hipertróficas começou a ser indicada em lugar da cirurgia por um determinado tempo, principalmente na Europa.
O laser de dióxido de carbono, introduzido na medicina em 1960, provou diminuir e controlar melhor os sangramentos que o laser de rubi, lançado logo após a II Guerra Mundial. O primeiro relato de uso do laser de dióxido de carbono em tonsilectomias foi em 1973. O avanço na tecnologia de controle da intensidade e freqüência do laser permitiu que este fosse utilizado tanto quanto bisturi como coagulador (1,2,5).
A Otorrinolaringologia foi a primeira especialidade cirúrgica em que as características do lasers de dióxido de carbono foram reconhecidas e aplicadas com sucesso em situações clínicas em larga escala (5).
Geza Jako foi um dos nomes importantes no desenvolvimento e aplicação do laser de dióxido de carbono na cirurgia laríngea. Seus experimentos realizados com sucesso em cobaias com o laser incentivaram o Dr. Polanyi, que trabalhava para a American Optical Company, a desenvolver equipamentos para cirurgias laríngeas. Um dos primeiros laseres, o AO-300, de Polanyi, Wallace e Jako tornou-se o primeiro laser de dióxido de carbono comercial em 1972 e foi utilizado em vários procedimentos otorrinolaringológicos, incluindo remoção endoscópica de pequenos cânceres em laringe, papilomas da laringe e árvore traqueobrônquica, bem como tonsilectomias (1,2,5).


CONCLUSÃO

As indicações continuam a ser um processo dinâmico; e, com o melhor conhecimento das implicações das doenças adeno-amidalinos, estas indicações se alteram. Atualmente as principais indicações são: hipertrofia obstrutiva na infância, infecções recorrentes rebeldes ao tratamento clínico; abcesso periamigdaliano em amidalites recorrentes, pois sempre haverá o risco de formação de novo abscesso com grande sofrimento para o paciente; adeno-amigdalite com otites de repetição; amigdalites correlacionadas com doenças sistêmicas; halitose por amigdalite crônica caseosa; neoplasia.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Young J.R, Bennett J. History of Tonsillectomy. ENT News. 2004; 13:34-35
2. Feldmann H., 200 year history of tonsillectomy. Images from the history of otorhinolaryngology, highlighted by instruments from the collection of the German Medical History Museum in Ingolstadt. Laryngorhinootologie. 1997;76(12):751-60.
3. Lasmar A, Seligman J: História (e histórias) da Otologia no Brasil. Revinter. 2004
4. Balbani APS. Personagens da História da Otorrinolaringologia. Arq. Int. Otorrinolaringol. 1998; 2(2): 54
5. Weir N. History of Medicine: Otorhinolaryngology. Postgrad. Med. J. 2000;76:65-69
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