HISTÓRICO
A cirurgia endoscópica dos seios paranasais teve início há duas décadas com os trabalhos de Messerklinger1,2 e, posteriormente, Wigand3.
Messerklinger estudou a fisiologia nasal com ênfase ao movimento mucociliar em modelos normais e com sinusopatias4. Com isto, ele demonstrou que a maioria das sinusites crônicas decorre de obstrução das células etmoidais anteriores.
Baseado nestes estudos, Messerklinger concluiu que a desobstrução destas células etmoidais anteriores permitiria a drenagem de todos seios anteriores e, conseqüentemente, a mucosa dos seios afetados retornaria ao normal.
Na mesma época dos trabalhos de Messerklinger e Wigand, surgiram dois avanços tecnológicos importantes: o endoscópio com óptica Hopkins, que permite excelente visualização do nariz e dos seios paranasais, e a tomografia computadorizada, que revolucionou o estudo da arquitetura óssea da cavidade nasal.
ANATOMIA CIRÚRGICA
O conhecimento profundo da anatomia da região nasal é fundamental na cirurgia endoscópica, sem o qual aumenta-se consideravelmente o risco de complicações intra e pós -operatórias. Abaixo estão relacionados alguns aspectos importantes da anatomia cirúrgica(Figura 1):
Figura 1 - Corte coronal, mostrando a parede lateral esquerda de uma peça anatômica. 1: concha superior 2: concha média 3: concha inferior 4: bulla etmoidal 5: processo uncinado 6: hiato semilunar inferior 7: agger nasi sf: seio frontal fp: fontanela nasal posterior ssph: seio esfenoidal
A. Lamelas do Labirinto Etmoidal
1. primeira lamela: processo uncinado
A inserção normalmente é na lamina papirácea, mas pode ser também na base do crânio ou corneto médio.
2. segunda lamela: bulla
A inserção é na base do crânio. Ela separa o recesso frontal da porção posterior do etmóide anterior. Se houver pneumatização da bulla, forma-se a bulla etmoidal (bulla ethmoidalis).
3. terceira lamela: lamela do corneto médio
Corresponde à inserção do corneto médio na base do crânio e na parede lateral da fossa nasal. É dividida em três porções:
- anterior (vertical)
- média (diagonal)
- posterior (horizontal)
Esta lamela separa o etmóide anterior do posterior. A pneumatização desta lamela forma a concha bullosa, descrita por Grünwald como células intralamelares.
4. quarta lamela:lamela do corneto superior
5. quinta lamela:lamela do corneto supremo
B. Espaços
1. Hiato semilunar inferior
Formação bidimensional descrita por Zuckerlandl5. Corresponde à área entre a margem posterior do processo uncinado e a margem anterior da bulla etmoidal.
Portanto, o hiato semilunar é a "porta" entre o processo uncinado e a bulla etmoidal, através da qual alcançamos o infundíbulo etmoidal.
2. Infundíbulo etmoidal
Espaco tridimensional pertencente ao etmóide anterior. Limites:
- ântero-medial - processo uncinado
- póstero-lateral - lamina papirácea
3. Hiato semilunar superior
Formação bidimensional que corresponde à área entre a margem posterior da bulla etmoidal e a face anterior da terceira lamela basal, sendo a "porta" através da qual alcançamos a recesso retrobullar.
4. Recesso retrobullar (seio lateral)
Espaço tridimensional que pode ser virtual em alguns pacientes:
- anterior - bulla etmoidal
- posterior - face anterior da terceira lamela basal
Obs.: óstio maxilar acessório: normalmente na fontanela posterior - decorrente de infecção crônica do seio maxilar.
TÉCNICA CIRÚRGICA
As indicações para o uso de técnicas endoscópicas têm aumentado muito nos últimos anos6,7,8. Além das indicações tradicionais (sinusites, pólipos), existem outras, como fechamento de fístulas liquóricas, descompressão orbitária, biópsia e/ou exérese de alguns tumores, dacrocistostomia, descompressão de nervo óptico e outras. Pode auxiliar também nas septoplastias e turbinectomias.
A cirurgia pode ser feita sob anestesia local ou geral. Na maior parte do ato cirúrgico, utiliza-se o endoscópio de 0 graus, 4mm. A vasoconstrição é obtida com o uso de pequenos algodões embebidos em solução de adrenalina 1:2000 e colocados na região do meato médio. Após a vasoconstrição, inspeciona-se toda a cavidade nasal novamente. O próximo passo, seguindo a técnica de Messerklinger, será incisão na base do processo uncinado, de superior para inferior. Com um "forceps" (Takahashi ou Blakesley), retira-se o processo uncinado, expondo o infundíbulo e a bulla etmoidal. Com o mesmo "forceps" retira-se a seguir toda a bulla etmoidal, expondo o recesso retrobullar (seio lateral) e toda porção diagonal da terceira lamela basal. Neste ponto da cirurgia, a lâmina papirácea está localizada lateralmente e a concha média medialmente. A seguir, se necessário, perfura-se a porção diagonal da terceira lamela basal e assim penetra-se nas células etmoidais posteriores. Uma vez aberto o etmóide posterior, o acesso ao esfenóide deve ser feito medial e inferiormente, para evitar lesão ao nervo óptico que localiza-se látero-superiormente.
O óstio do seio maxilar localiza-se logo atrás (posteriormente) do processo uncinado e na mesma altura da porção inferior da concha média. Se houver dificuldade para identificá-lo, mesmo após a retirada do processo uncinado, pode-se usar aspirador curvo de seio maxilar para localizá-lo. A ampliação do óstio deve ser feita até meio centímetro anteriormente, para evitar lesão ao ducto nasolacrimal, e póstero-inferiormente. Se houver um óstio acessório, este deverá ser unido ao óstio principal.
O último passo é a identificação do recesso do frontal. Para tanto, deve-se usar endoscópio de 30 ou 70º. O acesso ao recesso do frontal é feito logo atrás e superiormente à inserção anterior (vertical) da concha média. Muitas vezes, existem restos do processo uncinado, que devem ser retirados. Nesta região, deve-se ter muito cuidado para não lesar a placa cribiforme (medialmente) e levar à formação de fístula liquórica.
No teto do etmóide anterior, cruza a artéria etmoidal anterior que, em muitos casos, está deiscente. A lesão desta artéria leva a sangramento intenso e em alguns casos pode retrair-se para dentro da órbita, levando a hematoma intraorbitário importante. Nesta situação, deve-se descomprimir a órbita, com retirada da lâmina papirácea para evitar lesão ao nervo óptico7.
PÓS-OPERATÓRIO
Os cuidados pós-operatórios são particularmente importantes nestes pacientes. Aspiração do meato médio deve ser feita com freqüência para permitir cicatrização adequada e evitar a formação de sinéquias. O uso de antibiótico sistêmico e corticóide tópico também fazem parte da rotina pós-operatória.
COMPLICAÇÕES
As complicações com a cirurgia endoscópica devem ser poucas e sem gravidade. O cirurgião precisa ter conhecimento profundo da anatomia desta região e conhecer suas limitações para evitar complicações maiores.
Entre as complicações, estão as sinéquias, hematoma de órbita e sangramento pós-operatório. Das complicações mais graves, a principal é a rinoliquorréia, normalmente devida à lesão da placa cribiforme. Outras complicações sérias incluem: sangramento intraorbitário, meningite, diplopia e/ou cegueira e estenose do ducto lacrimal.
BIBLIOGRAFIA
1. Messerklinger W.: Technik und Möglichkeiten der Nasenendoskopie. HNO 1972; 20:133-135
2. Messerklinger W.: Endoscopy of the nose. Baltimore: Urban & Schwarzenberg, 1978
3. Wigand ME, Steiner W, Jaumann MP. Endonasal sinus surgery with endoscopical control: from radical operation to rehabilitation of the mucosa. Endoscopy 1978; 10:255-260
4. Messerklinger W. Über die Drainage der menschlichen Nebenhöhlen unter normalen und pathologishen Bedingungen. Monatsschr Ohrenheilkd Laryngol Rhinol 1966; 101:56-68.
5. Zuckerkandl E. Normale und Pathologishe Anatomie der Nasenhöhle und ihrer pneumatischen Anhänge. II. Wien: Wilheim Braumüller.
6. Stammberger H. Endoscopic endonasal surgery - new concepts in treatment of recurring sinusitis. Part 1. Anatomical and pathophysiological considerations. Otolaryngol Head and Neck Surg 1985; 94:143-147
7. Stammberger H. Functional Endoscopic Sinus Surgery - Philadelphia: B.C. Decker, 1991
Kennedy DW, Zinreich SJ, Johns ME. Functional Endoscopic Sinus Surgery. In: Goldman J, Ed. The principles and practice of Rhinology. New York: Wiley & Sons, 1987, 879-902.