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Ano: 1998  Vol. 2   Num. 1  - Jan/Mar Print:
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Traqueotomia Técnica Cirúrgica
Author(s):
1Roberto Campos Meirelles
Palavras-chave:
INTRODUÇÃO

O vocábulo traqueotomia origina-se do grego e significa a abertura cirúrgica da traquéia, feita com o intuito de melhorar a insuficiência respiratória do paciente. É um dos métodos de acesso à via respiratória. Os outros são a intubação traqueal e a laringotomia. Traqueostomia acrescenta o sufixo os, referindo-se à existência de uma boca ou abertura para o exterior. Traqueostoma caracteriza a fixação da traquéia à pele, como nas laringectomias. Na literatura, os termos traqueotomia e traqueostomia são usados indistintamente.

Existem diversos tipos de traqueotomia que variam com a idade, situação de urgência, emergência ou eletiva, sob anestesia local ou geral, com o diagnóstico da doença ou situação básica e com a dificuldade técnica anatômica individual, de acordo com o pescoço1.

TIPOS DE TRAQUEOTOMIA (TQT)

TQT PERCUTÂNEA OU MINI-TQT

Há confusão nesta designação como TQT, porque muitas vezes é somente laringotomia ou cricotirotomia, podendo ser feita nas membranas cricotiroidea ou na cricotraqueal.

A mini-TQT foi efetivada em 1984 para profilaxia e terapia da retenção de secreções2, sendo realizada há mais de dez anos em doentes de unidades intensivas3.

É método simples, eficaz, seguro e rápido para pacientes intubados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Pode ser realizada por qualquer médico e tende a tornar-se, no futuro, a técnica de escolha substituindo a TQT eletiva em outros grupos de indicações4.

A mini-TQT consiste em introduzir pequena cânula na traquéia, o que permite acesso à luz traqueal e é usado para limpeza de secreções. Geralmente, é realizada através da membrana cricotiroidea5.

Vários tipos de tubos ou cânulas são usados, destacando-se os de Ciaglia, Combitube, Rapitrac e Seldinger6.

Van Heurn et al.5 ressaltam que as complicações oscilam em torno de 11%. A complicação pós-operatória foi de 8% e a mais freqüente foi a secreção no estoma. Tiveram três casos de estenose traqueal e concluem que a TQT percutânea é comparável com a TQT convencional e pode ser realizada em pacientes acamados. Simma et al.7 tiveram 7,4% de pacientes que desenvolveram pneumotórax no pós-operatório, 19% com obstrução da cânula, sendo que nestes, 4% tiveram parada cardiorrespiratória. A mobilização ou deslocamento da cânula ocorreu em 6%. Cole 8 verificou danos à parede posterior, enfisema subcutâneo e hemorragia transoperatória em 6% dos casos, optando, então, pela passagem do fibroscópio para iluminar a via aérea e clarear o procedimento. Hawkins et al.9, realizando-a em doentes com trauma severo, em que não foi possível a intubação, verificou três complicações mais freqüentes que foram: laceração da cartilagem tiróide, hemorragia e falha em obter a via aérea.

TQT PEDIÁTRICA

A TQT pediátrica está associada com elevado índice de complicações, em torno de 9% no ato operatório e 18% no pós-operatório. A maioria está relacionada com a escolha errada do tubo10. Schlessel et al.11, em série de TQT realizadas em crianças prematuras, no primeiro ano de vida, constatou mortalidade em 11%. As complicações na cirurgia foram de 31% e, após uma semana, de 64%.

TQT ELETIVA

É realizada tendo-se o controle da via aérea do paciente, geralmente intubados, sem pressa e com todos os cuidados possíveis.

TQT DE EMERGÊNCIA OU DE URGÊNCIA

A TQT de emergência difere da eletiva porque é realizada rapidamente e com o material e condições disponíveis. Caso contrário, o doente entra em apnéia e morre. Existem situações intermediárias em que fazemos a TQT rapidamente, mas há tempo para obter-se o mínimo possível de condições cirúrgicas. Os pacientes não estão intubados e é sempre mais difícil achar a traquéia.

TÉCNICA CIRÚRGICA

O LOCAL

A TQT deve ser feita em centro cirúrgico, com condições ótimas de higiene e assepsia. Na sala de cirurgia, deve-se ter sempre oxigênio, aspiração e boa iluminação. Adiciona-se a vantagem de enfermeira especializada, eletrocoagulação e técnicos treinados.

Em condições extremas de urgência, a traqueotomia pode ser realizada no leito do paciente ou até em ambiente extra-hospitalar, como ambulância ou via pública, com o material disponível na ocasião.

Futran et al.12, em estudos de TQT realizadas em pacientes de UTI, verificaram que a incidência de hemorragia per-operatória foi de 2,3% na UTI, 2,1% na sala cirúrgica e 2,0% no centro cirúrgico, associada a outros procedimentos. A incidência de infecção local foi de 1,8%, 2,1% e 1,5%, respectivamente. O deslocamento do tubo nos três grupos foi igual. Ressalta que o movimento do doente crítico com dependência de vários fatores e aparelhos é tecnicamente complicado e potencialmente perigoso, aconselhando a TQT no leito para estes pacientes.

A EQUIPE

A equipe básica inclui o cirurgião, primeiro auxiliar, instrumentador e anestesista. Enfermagem e técnicos treinados e acostumados às TQT, principalmente as de urgência, são peças fundamentais e, sem eles, podemos ter problemas e trazer sérias conseqüências para o paciente.

Achamos conveniente a presença do anestesista na sala, mesmo que a traqueotomia seja feita com anestesia local. Fica encarregado da medicação, monitorização e de eventual parada cardíaca e/ou respiratória, quando há necessidade de ressuscitação cárdio-pulmonar. Naturalmente, não se deve esperar o anestesista chegar para iniciar a TQT de urgência.

O cirurgião fica postado ao lado direito do paciente, na altura do pescoço; no lado oposto, fica o primeiro assistente; o instrumentador localiza-se entre os dois operadores na cabeceira da mesa, com os instrumentos sobre a mesa de Mayo. O anestesista e seus aparelhos e instrumentos, após iniciada a cirurgia, ficarão afastados, com a respiração do paciente sendo assistida através de conectores especiais.

O INSTRUMENTAL

O equipamento básico para traqueotomia inclui: - 2 cabos e lâminas de bisturi nos 11 e 15; - 2 pinças tipo "dente de rato"; - 1 pinça de dissecção; - 2 afastadores de Farabeuf; - 1 ponta de aspiração; - 1 tesoura curva para dissecção; - 1 tesoura reta; - 1 dilatador traqueal de Trousseau; - 1 porta agulha; - 1 gancho traqueal; - 1 pinça Allis; - 2 pinças hemostáticas curvas, grandes; - 2 pinças hemostáticas curvas, pequenas; - 2 pinças hemostáticas retas; - 2 seringas de 10 cc; - fios catgut cromado 3/0, mononylon 5/0 e algodão 4/0 e agulhas e jogos de cânulas para TQT.

O jogo correto de cânulas para TQT contém duas cânulas externas, duas cânulas internas e um mandril ou guia. A cânula externa é a que fica colocada no paciente. A interna localiza-se no interior da externa. Normalmente, fazemos o revezamento: enquanto uma cânula interna está sendo lavada, colocamos a outra no paciente, que em momento algum pode ficar sem cânula interna. Finalmente, o mandril, que serve para a introdução ou troca da cânula externa. Na maioria das lojas comerciais são vendidos jogos com apenas uma cânula externa e uma interna.

Durante a traqueotomia, vários jogos estarão disponíveis para o cirurgião escolher o que melhor se adapte à traquéia do paciente.

As cânulas de traqueotomia variam em tipo de material, diâmetro, comprimento, angulação, presença ou não de cânula interna, de balonete e de mandril.

As cânulas metálicas são fáceis de esterilizar em autoclave. Existem as de prata e as de ligas metálicas à base de cobre, zinco e níquel. Normalmente, vêm com cânula interna, que pode ser retirada e limpa separadamente. Os tipos principais são13: -1) cânula de Jackson, que são as mais empregadas; têm angulação constante, sendo as mais obtusas; variam em comprimento, a saber: curta, média e longa. A cânula interna pode ser presa à externa por rotação ou através de pino giratório. Existem nos tamanhos 00 a 12; -2) cânula de Luer, que é mais curta e mais curva que a anterior. Serve para pacientes que não toleram cânulas mais longas. Fixa a cânula interna por pino giratório. Existem nos tamanhos de 00 a 10; - 3) cânula de Tucker, que apresenta angulação de 90º; têm duas cânulas internas: uma convencional e outra com válvula interna, que é usada durante o dia, permitindo ao paciente falar e tossir. A convencional é colocada à noite. Comercializada nos tamanhos de 4 a 10. A cânula valvulada pode ser adaptada à cânula de Jackson; - 4) cânula de Holinger, com angulação de 65º: fixa-se por rotação. Inicialmente projetada para crianças nos tamanhos 00, 0 e 1. Atualmente, já existe até o tamanho 8 e 5) cânula de Langenbuck ou Krishaber em que a cânula interna é simultaneamente o mandril. Existem nos tamanhos de 1 a 7.

As cânulas plásticas ou de borracha são usadas para pacientes que não aceitam as metálicas, durante cirurgias ou para aqueles que estão sendo submetidos a radioterapia. Apresentam dificuldades na esterilização. Existem com ou sem cânula interna e com ou sem balonete. A cânula com balonete, cuja indicação deve ser para pacientes inconscientes, em risco de aspiração, vômitos ou hemorragia digestiva alta, ou então quando submetidos à ventilação assistida com pressão positiva intermitente.

O risco do balonete é que, se ficar insuflado por tempo excessivo, pode causar ulceração da mucosa traqueal, infecção, granulação, necrose, perda da rigidez cartilaginosa e estenose traqueal. O balonete deve ser esvaziado durante 10 minutos a cada hora. Mantém-se o paciente deitado e em vigilância para prevenir a aspiração. O balonete deve ter enchimento uniforme para manter a ponta da cânula de TQT no centro da traquéia e exercer pressão igual nas paredes. As cânulas com dois balonetes permitem o rodízio entre eles. Existem balonetes próprios para serem adaptados às cânulas metálicas.

As principais cânulas plásticas são14 as de duralite (nylon), com cânula interna e curvatura igual à cânula de Jackson, nos tamanhos 3 a 9; as de silastic, de portex; de teflon e de polivinil, com ou sem balonete.

A POSIÇÃO DO PACIENTE

O paciente deve ficar em decúbito dorsal, com hiperextensão da cabeça. Para isto, coloca-se coxim sob os ombros e tomba-se discretamente o apoio da cabeça na mesa operatória. Esta manobra aproxima o complexo laringotraqueal em direção à pele. Deve-se ter cuidado em crianças pequenas, onde a hiperextensão demasiada da cabeça traz a porção torácica da traquéia para o pescoço.

Fratura de vértebra cervical, artrose, cifose, cirurgia cervical recente, pescoço curto, seqüela de radioterapia ou outra condição qualquer que impeça a extensão da cabeça faz com que realizemos a TQT com a cabeça do paciente na posição possível.

Em pacientes internados em UTI, monitorizados e com sondas e cateteres, nos quais o transporte ao centro cirúrgico é praticamente impossível, deve-se realizar a TQT no leito. As condições adversas, sem extensão da cabeça, com pouca visão do campo operatório, iluminação inadequada e com o corpo do cirurgião curvado para alcançar o pescoço do paciente, em razão da largura do leito, levam rapidamente à fadiga e à exaustão. Por estas razões, Gerson15 idealizou método simples que permite a TQT no próprio leito, em boa condição de postura para o cirurgião. Um suporte de material rígido, plano e mais estreito que o leito é colocado metade sob o colchão do paciente e a outra metade estando para fora, para permitir a elevação do paciente sem o colchão, que apoiará a cabeça neste suporte. Assim, com a cabeça em hiperextensão, pode-se fazer a TQT ficando o cirurgião e o auxiliar, um de cada lado do paciente, em posição nitidamente mais cômoda.

Em alguns casos de urgência, o paciente com dispnéia agrava seu quadro quando deitado, entrando em cianose. O mais conveniente será então realizar a TQT com o paciente sentado, com a cabeça parcialmente estendida.

A ANESTESIA

Sempre que possível, deve-se fazer a traqueotomia sob anestesia geral, o que permite controle da respiração através do tubo endotraqueal.

A intubação traqueal transforma a cirurgia de urgência ou emergência em eletiva. O tubo traqueal, ou o broncoscópio, tornam a traquéia mais facilmente identificável pela palpação no ato operatório. Os broncoscópios modernos possuem conexão especial, que permite acoplar a ventilação através do próprio tubo. Em recém nascidos e crianças pequenas, a anestesia geral com intubação pelo broncoscópio propicia as melhores condições para a cirurgia. Além destas, o broncoscópio tem a vantagem de transiluminar a traquéia, sendo importantíssimo em prematuros e recém-nascidos, onde o reconhecimento das estruturas anatômicas do pescoço requer vasto conhecimento e experiência.

Shugar16 preconiza o uso do broncofibroscópio de 4mm, como auxiliar na traqueotomia de pacientes, nos quais foi impossível a intubação ou a broncoscopia convencional. Utiliza-se ponta angulada de 90 graus. A introdução do aparelho é feita após afastamento do plano muscular e a retirada logo após a abertura traqueal, evitando a permanência prolongada e a hipoxia conseqüente. Johnson também preconiza este método para doentes traumatizados e com problemas de coluna cervical.

Utilizamos a anestesia local quando existe contra-indicação à anestesia geral, ou quando não é possível a intubação traqueal, por dificuldade anatômica ou por lesão faringolaríngea obstrutiva. O bom senso e o entrosamento com o anestesista são os principais fatores na escolha do tipo de anestesia.

A anestesia local é feita com infiltração intradérmica e subcutânea de lidocaína ou xilocaína a 2%, com vasoconstrictor, na linha mediana, desde o osso hióide até a fúrcula esternal, estendendo-se depois em profundidade. Não é necessária a anestesia das partes laterais, pois não se disseca para os lados. Aspiramos o êmbolo da seringa sempre antes de infiltrar, para evitar a injeção intravascular de anestésico. Certa vez, ao realizarmos uma traqueotomia, deparamos com ramo anômalo da artéria carótida comum passando sobre a musculatura infraioidea, o que criou dificuldades não só na anestesia, mas também na técnica cirúrgica.

Antes da incisão traqueal, deve-se puncionar a traquéia e injetar 2cc de anestésico. Evita-se assim a tosse e o incômodo da permanência da cânula nos primeiros momentos.

A anestesia local é empregada com freqüência nas lesões traumáticas do complexo cartilaginoso laringotraqueal, onde a obstrução respiratória e o sangramento impedem a intubação traqueal.

Existem controvérsias sobre o tipo de TQT a ser realizada em pacientes com tumores malignos da boca e faringe. Apesar da cirurgia ser realizada sob anestesia geral, é melhor fazer a traqueotomia prévia sob anestesia local, para evitar a implantação de células tumorais, carreadas pelo tubo, nas mucosas traqueal e brônquica17.

A TÉCNICA

Na dissecção cirúrgica, sempre devemos agir dentro dos limites do triângulo de segurança. Um triângulo isósceles, de base superior e vértice inferior, limitado acima pela borda inferior da cartilagem cricóide, nos lados pelas bordas anteromediais dos músculos esternocleidomastoideos e abaixo pela fúrcula esternal: foi proposto por Jackson, para delimitar a área de interesse do cirurgião (Fig. 1). Com isto, queria evitar lesão de grandes vasos sangüíneos e de estruturas nobres. Caso, em sua dissecção, o cirurgião saia destes limites, corre o risco de lesões vasculares.



A anti-sepsia é feita com solução de álcool iodado, Fisohex®, Povidine®, ou similar, estendendo-se superiormente do lábio inferior até, inferiormente, uma linha imaginária que passe pelos mamilos. Lateralmente, de uma axila a outra.
A colocação dos campos operatórios compreende campo maior, inferiormente cobrindo até a fúrcula esternal e dois campos menores, laterais, passando medianamente na clavícula. Evitamos o campo superior porque prejudica a respiração em pacientes sob anestesia local e dificulta o manuseio do tubo pelo anestesista, durante a anestesia geral. Nesse momento, fazemos anestesia local infiltrativa.

A incisão cutânea deve ser vertical. A sua única desvantagem é o resultado estético ruim. O tempo de permanência da cânula influi no resultado estético da cicatriz, sendo pior quanto mais tempo permanecer a cânula18,19.

As principais vantagens da incisão cutânea vertical são18,19,20: - não permitir a dissecção lateral inadvertida, com risco de lesão de grandes vasos e hemorragia profusa; - permite os movimentos de elevação e de descida da laringe e traquéia durante a respiração e a deglutição; - em pescoços curtos, é mais fácil a exposição da laringe e da traquéia do que na incisão horizontal; - não forma bolsa de acúmulo de secreções e infecção, como ocorre no retalho inferior da incisão horizontal; - em TQT sob anestesia local, a dose total de anestésico infiltrado é menor, porque não infiltramos lateralmente e, finalmente, a incisão horizontal favorece complicações relacionadas ao posicionamento da cânula, com atrito e granulações na mucosa traqueal.

Só utilizamos a incisão horizontal em cirurgias combinadas, como na laringectomia total, onde o retalho é único, ou em procedimentos eletivos em pacientes cujo resultado estético poderá trazer prejuízos futuros.

Caso a TQT tenha que ser feita através de tecidos queimados, realiza-se a excisão local de restos tissulares e faz-se auto-enxerto imediato, para não haver drenagem de material purulento e necrótico para o interior da luz traqueal20.

Após a incisão a bisturi do tecido subcutâneo e do platisma, separa-se, na linha mediana, com o auxílio de tesoura curva de Metzenbaum, a musculatura infraioidea e, a seguir, o auxiliar a mantém com afastadores de Farabeuf (Fig. 2). Muitas vezes, é necessário ligar e cortar pequenos ramos das veias jugulares anteriores.



No adulto, principalmente, deparamo-nos com o istmo tireoideo. Em crianças, ele tem posição mais elevada e não precisa ser ligado. Corta-se o ligamento suspensório acima do istmo e com tesoura curva, ou pinça hemostática curva, faz-se a dissecção de cima para baixo, separando a glândula tireóide, em sua porção central, da fáscia traqueal. Com pinças hemostáticas curvas e grandes, pinçamos de cada lado do istmo e o seccionamos (Fig. 3). O istmo afastado e não seccionado pode dificultar a troca da cânula, levando à obstrução respiratória. Em pescoços curtos, só é possível ligar parcialmente o istmo. A seguir, faz-se a sutura das duas partes seccionadas do istmo, com chuleio simples, fio catgut cromado 3/0. Evita-se, dessa forma, a hemorragia, pois o tecido tireoideo sangra fácil e abundantemente com o manuseio. Calhoun et al.21, em estudo comparativo da secção do istmo tireoideo por eletrocauterização e da incisão convencional e sutura, concluíram que a técnica de cauterização é mais rápida, propicia menor perda sangüínea e não leva a complicações posteriores. Não fez referência se ocorreram ou não hemorragias pós-operatórias.



Com o auxiliar afastando as partes já seccionadas do istmo, inicia-se a dissecção da fáscia traqueal para a exposição dos anéias traqueais. É mais do que suficiente a exposição dos quatro primeiros anéis. Tomamos precaução, evitando descolamentos laterais extensos, para não lesar o nervo laríngeo inferior ou recorrente.

Antes da abertura traqueal, punciona-se a traquéia, entre o segundo e terceiro anel, certificando-se de que estamos na via aérea, e implanta-se a anestesia. Toma-se precaução em não furar o balonete inflado. Esta manobra permite não fazermos incisão em estrutura não traqueal, principalmente em crianças onde não houve o completo desenvolvimento das cartilagens traqueais e sua identificação é difícil, sendo por vezes confundidas com vasos calibrosos do pescoço. Faz-se, então, a hemostasia cuidadosa, enquanto espera-se a ação do anestésico na mucosa traqueal.

A escolha da cânula a ser usada é feita neste momento, sendo ideal aquela que ocupe ¾ da luz traqueal. Cânulas de plástico com balonete devem ser testadas antes para verificar a distensão uniforme do balonete e para ver se há ou não escape de ar.

O objetivo, então, é abrir a traquéia. A enorme variedade de formas de incisão traqueal parece não ter importância. A única exceção, importantíssima, é que nas crianças, a incisão é vertical, atingindo do segundo ao quarto anel, sem ressecar a cartilagem. Qualquer outro tipo de incisão, ou ressecção cartilaginosa na criança, pode levar a complicações sérias e dificuldades na descanulização. Nas pessoas idosas, deparamos com anéis calcificados, exigindo maior firmeza e força na incisão, tomando-se o cuidado para não fazer ferida perfurante com o bisturi e lesar a parede traqueal posterior e o esôfago. No adulto, vários tipos de incisões são utilizadas: - abertura simples de orifício traqueal (Fig. 4); - em forma de "H" vertical; - "H" horizontal; - "T" ; - "U" ; - "U" invertido; - transversa simples; - ressecção de um anel e outras menos freqüentes. Em traqueotomia definitiva, é mais prático ressecarmos um segmento de cartilagem traqueal. Dessa forma, facilita-se a introdução da cânula traqueal. Para Smith et al22, a incisão traqueal vertical é mais efetiva na cicatrização do que a horizontal, sem causar outros contratempos na via aérea.



Com o gancho traqueal fixando o primeiro anel, procede-se à incisão traqueal com o bisturi. A aspiração com sonda de nelaton é feita pelo auxiliar, evitando sangue na via respiratória. Com o auxílio de pinça de Allis, traciona-se o retalho traqueal e introduz-se a cânula externa com mandril, previamente lubrificada. Em nossa opinião, o dilatador de Trousseau, utilizado neste tempo para manter a abertura traqueal ampla, é dispensável. Via de regra, não existe dificuldade na introdução, quando a cânula é bem escolhida antes, e a incisão é suficientemente larga e ampla para a cânula.

Pode-se fazer um ponto em cada lado da incisão traqueal, visando facilitar a introdução da cânula e sua reintrodução, em caso de descanulização acidental. Deixa-se um fio inabsorvível longo que será tracionado, expondo a traquéia, em caso de necessidade. Normalmente, não utilizamos este método, principalmente em crianças, que, por sua curiosidade, podem puxar e fazer outras brincadeiras com o fio.

O cadarço deve ser passado pela cânula antes de sua colocação e amarrado com nó cego, posteriormente, na nuca, com a cabeça fletida. Convém segurar a cânula com o dedo antes de sua fixação, pois a tosse pode levar à descanulização. Não fixamos a cânula à pele com pontos de fio inabsorvível, porque achamos que isto causa atrito traqueal durante o movimento de respiração, levando a complicações e, também, retarda a retirada da cânula quando há obstrução por tampão mucoso. Segue-se colocando gaze entre a pele e a cânula.

Evitamos a sutura firme da ferida operatória, que pode causar enfisema subcutâneo. Apenas em casos de incisão longa, diminuímos a abertura com pontos frouxos na pele.

Durante cirurgias realizadas em pacientes traqueotomizados, usamos a cânula plástica que se adapta ao sistema de ventilação e oxigenação. Tão cedo quanto possível, deve ser substituída pela cânula metálica.

Em nossas traqueotomias, as dificuldades técnicas ocorreram por algumas causas, a saber:- pós-radioterapia no pescoço, onde ocorreu fibrose intensa, sangramento abundante e dificuldade no reconhecimento das estruturas anatômicas.

- as TQT realizadas no leito, pela dificuldade na colocação do paciente em boa posição.

- em tumores cervicais volumosos ou localizados no trajeto da TQT. Tucker aconselha para estes casos a broncoscopia e a introdução de agulha fina e longa através da massa, até que esta alcance a luz traqueal e a sua extremidade seja vista na ponta do broncoscópio. Cria-se, assim, um plano cirúrgico.

- em TQT de urgência absoluta, onde adotamos o esquema da técnica utilizada por Jackson23, que compreende oito itens: 1) Palpar, fixar e colocar em evidência a traquéia. 2) Incisar através da pele e tecido subcutâneo. 3) Identificar a traquéia na ferida operatória com o dedo indicador da mão esquerda e afastar a cartilagem cricóide para cima. 4) Incisar a traquéia. 5) Afastar as bordas da incisão e colocar a cânula. 6) Restabelecer a respiração. 7) Fazer a hemostasia e 8) Suturar.

CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS

São formalmente contra-indicados opiáceos e atropina. De rotina, são feitas ausculta pulmonar e radiografia do tórax, de frente e perfil, para verificar o posicionamento da cânula e a eventual presença de complicações. Os cuidados com a cânula incluem a troca da cânula externa uma vez por semana e da cânula interna sempre que necessário.

Se a TQT foi de urgência explicamos ao doente o que foi feito e como será sua comunicação, deixando na cabeceira do leito bloco de papel e caneta.

A umidificação é feita com nebulizadores. Deve-se evitar ar condicionado muito frio, para não ressecar demais a mucosa traqueobrônquica. Pode-se instilar água destilada ou solução de Ringer lactato, 3 a 4 gotas, várias vezes ao dia. Outro modo, consiste em usar excelente mucolítico que é a acetil-cisteína, na dose de 1 cc de solução a 10%. Exige-se cuidado em pacientes com bronquite e asma, pelo risco de broncoespasmo. Outra medida simples é forçar a ingestão oral de líquidos.

O aquecimento é conseguido por aparelhos comerciais que mantém a temperatura próxima de 34º C.

Para a aspiração, devemos sempre retirar a cânula interna antes do procedimento. Utiliza-se sonda de nelaton estéril, com dois furos na extremidade distal, evitando a apreensão e o colabamento da mucosa. Deve ser intermitente, principalmente em doentes enfisematosos, para não causar hipoxia. O diâmetro do catéter será igual à metade da cânula. As indicações de aspiração são: - secreção obstrutiva; - quando solicitada pelo paciente; - quando houver ausculta pulmonar com secreção; - antes e após mudarmos a posição do paciente e antes de desinflar o balonete. Secreções espessas exigem pinças para sua retirada, instilação de solução de bicarbonato de sódio a 0,5% ou de soro fisiológico.

Pneumonia e infecção respiratória são comuns em pacientes traqueotomizados. Devemos prescrever antibióticos profiláticos. Para Shaker et al.24, a aspiração durante a deglutição, em pacientes traqueotomizados, é atribuída à diminuição do movimento laríngeo, perda do reflexo laríngeo e ao fechamento glótico incoordenado. Verificaram, por eletromiografia, que o fechamento das pregas vocais, durante a deglutição, é mais curto do que em pacientes normais e é modificado por ingestão de bolo alimentar líquido.

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1- Professor Adjunto e Coordenador da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutorando da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Membro do GEPORJ - Grupo de Estudo e Pesquisa em Otorrinolaringologia do Rio de Janeiro.

Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Av. 28 de Setembro, 77 - Vila Isabel - Rio de Janeiro - RJ
Endereço para correspondência: Av. Pasteur, 72 - Botafogo - Rio de Janeiro - RJ - Brasil - CEP 2290 / 240 - Tel. (021) 543-1909; (021) 2554373. Fax (021) 543-1095
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