INTRODUÇÃO A localização do sítio de obstrução da via aérea superior (VAS) em pacientes portadores da Síndrome da Apnéia-Hipopnéia Obstrutiva do Sono (SAHOS) tem sido avaliado através de diferentes métodos. Dentre eles destacase o exame físico geral e otorrinolaringológico (ORL), a endoscopia com Manobra de Muller (MM) e exames de imagem como a cefalometria e a ressonância magnética nuclear (RMN) (1, 2). Entretanto, o exame físico e a endoscopia da VAS em vigília não são considerados como medidas objetivas durante o sono e seus valores preditivos permanecem ainda controversos em definir o nível ou os níveis de colapsibilidade e de geração do ronco durante o sono (3, 4).
CROFT e PRINGLE, em 1991, descreveram uma nova técnica diagnóstica em pacientes portadores da SAHOS baseada na avaliação direta e dinâmica, sob visão endoscópica, da VAS durante o sono induzido (5). Através deste método conhecido como Somnoendoscopia ou Nasoendoscopia sob sedação, o examinador pode observar a aérea anatômica responsável pela produção do ruído e o(s) sítio(s) de estreitamento e obstrução da VAS em condições que mimetizam o sono fisiológico (5, 6). Desde sua introdução, os autores supracitados desenvolveram um esquema de classificação, de acordo com os achados da nasoendoscopia sob sedação, na seleção dos pacientes para a indicação de Uvulopalatofaringoplastia (7, 8).
Muitos cirurgiões, particularmente na Inglaterra, recomendam esta técnica e a consideram como "o melhor método atualmente disponível para avaliação direta da faringe durante o sono induzido" (6).
Diferentes agentes sedativos e diferentes técnicas de infusão têm sido utilizados na Somnoendoscopia. A escolha da droga, dose e, principalmente, a técnica de infusão do agente hipnótico constituem elementos cruciais para a obtenção de um plano de sedação ideal que permita um relaxamento muscular adequado para reproduzir o ronco, sem que haja depressão respiratória (1, 9).
Com o presente trabalho temos o objetivo de desenvolver e introduzir esta metodologia no Brasil e apresentar de modo objetivo os sítios de obstrução na fisiopatologia da SAHOS.
CASUÍSTICA E MÉTODOSO presente estudo obteve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário São Camilo pelo Protocolo de Pesquisa nº 185/04 conforme os requisitos da Resolução CNS-MS 196/96.
Dois grupos de pacientes foram submetidos a somonoendoscopia. O primeiro grupo, constituído por 10 pacientes (6 homens e 4 mulheres) com a idade variando de 18 a 52 (idade média de 33.6 anos), foi submetido ao exame em ambiente cirúrgico, previamente a anestesia geral, para a realização de cirurgia otorrinolaringológica não relacionada com a patologia SAHOS. Estes pacientes não apresentavam sintomas clínicos relacionados com o ronco e apnéia do sono, fato este confirmado pelos seus parceiros.
O segundo grupo foi composto por 30 pacientes, sendo 21(70%) do sexo masculino e 9 (30%) do sexo feminino, com a idade variando de 24 a 59 (idade média de 34.5 anos). Este grupo foi selecionado para o estudo por apresentar o diagnóstico clínico de SAHOS. Estes pacientes foram submetidos a uma história clínica criteriosa e um questionário sobre o sono, exame físico geral e otorrinolaringológico, que incluiu o cálculo do índice de massa corporal (IMC) e medida do perímetro cervical, e o exame endoscópico da VAS em vigília com MM. Em seguida, foi solicitado a polissonografia. A somnoendoscopia foi realizada no laboratório do sono do Hospital e Maternidade São Camilo - Pompéia e do Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo, previamente a realização da polissonografia noturna.
O paciente é colocado em decúbito dorsal horizontal (Figura 1). Faz-se a anestesia tópica da fossa nasal com Neututocaína a 2%, antes da indução hipnótica. O agente utilizado é o Propofol a 1%, através de infusão manual lenta e gradativa. A dosagem média do agente até foi de 2 mg/kg (variando de 1.5 a 2.5 mg/kg). Utilizou-se na realização do procedimento: os aparelhos de videoendoscopia, um nasofibroscópico de 2.7mm de diâmetro, e os materiais de suporte ventilatório do paciente, como oxímetro de pulso, sistema de oxigênio em rede, máscara com Ambu, cânulas do tipo Guedel, sondas de intubação orotraqueal, um aspirador de secreções e um aparelho de cardioversão (Figura 2).
Figura 1. Exame de Somnoendoscopia.
Figura 2. Sala do procedimento.
O exame é iniciado quando o paciente começa a roncar e/ou quando o examinador detecta a sua hiporresponsividade a estímulos verbais e estímulos tácteis com o aparelho no vestíbulo nasal.
Além do exame nasal, faz-se a inspeção direta de toda a faringe. Inicia-se pelo espaço retropalatal, em seguida o espaço retrolingual e finalmente a supraglote. Avaliamos o grau de colapsabilidade da faringe em seus diferentes níveis, o tipo de fechamento das paredes faríngeas (circular, lateral ou antero-posterior), o(s) sítio(s) de vibração e geração do ronco, o posicionamento do palato mole e da úvula em relação às paredes da orofaringe, a posição da base da língua, das paredes laterais da faringe, da epiglote e ligamentos ariepiglóticos em relação ao vestíbulo laríngeo, saturações média e mínima de oxigênio e também a intensidade e a tonalidade do ronco.
Ao longo do procedimento, deve-se ter sempre atenção aos movimentos tóraco-abdominais do paciente para comprovarmos a não ocorrência de apnéia central. Ao mesmo tempo, o anestesiologista controla os níveis de saturação do oxigênio através de sinais clínicos e da oxímetria de pulso. Durante a avaliação da supraglote, é possível também observar o discreto movimento das cartilagens aritenóides que acompanham os movimentos respiratórios, demonstrando a não ocorrência de depressão respiratória.
Os resultados de colapsabilidade da faringe obtidos em ambos os grupos foram finalmente comparados. Vale ressaltar que a primeira fase do estudo envolvendo o grupo 1 representou o primeiro contato da nossa equipe com a nova técnica. A colapsibilidade da faringe superior ou retropalatal e da faringe inferior ou retrolingual avaliada em ambos os exames foi classificada em cinco graus: grau zero - ausência de fechamento; grau 1 - até 25% do lúmen faríngeo; grau 2 - até 50%; grau 3 - até 75% e grau 4 - maior que 75%. Somente um paciente do grupo1 apresentou obstruçao em nível da supraglote (ver resultados).
RESULTADOSOs pacientes submetidos ao estudo foram divididos em dois grupos.
O grupo 1 composto por 10 pacientes (6 homens e 4 mulheres com idade variando de 18 a 52 anos, média de 33,6 anos) foi submetido ao exame em ambiente cirúrgico, previamente a anestesia geral, para a realização de cirurgia otorrinolaringológica não-relacionada a SAHOS. Este primeiro grupo permitiu aos examinadores, em conjunto com a equipe de anestesiologia, o primeiro contato com a nova técnica e o seu conhecimento, particularmente quanto ao plano de sedação a ser alcançado, sem que houvesse depressão respiratória, além dos riscos, efeitos colaterais e principais cuidados a serem tomados durante a realização do exame. Foi através deste grupo inicial que procurou-se padronizar a técnica de infusão manual do propofol - dose e velocidade de infusão. A Tabela 1 mostra os principais resultados obtidos nesta fase do estudo (Tabela 1). Somente um paciente apresentou colapso grau 3 em nível da supraglote. Em relação a ocorrência de ronco e depressão respiratória (hiponéia/apnéia) definida clinicamente pela ausência de movimentos toraco-abdominais e/ou queda da saturação da oxi-hemoglobina, 5 pacientes apresentaram ronco (50%) e 3 pacientes apresentaram sinais clínicos de apnéia/hipopnéia (30%).
O grupo 2 foi composto por 30 pacientes, sendo 21 pacientes (70%) do sexo masculino e 9 pacientes (30%) do sexo feminino, com a idade variando de 24 a 59 anos (média de 34.5). Este pacientes foram selecionados para a segunda fase do estudo por apresentarem diagnóstico clínico de SAHOS. A tabela 2 mostra os principais resultados obtidos do grupo 2 (Tabela 2). Quanto a ocorrência de ronco e apnéia/ hipopnéia durante o exame, 24 pacientes (80%) apresentaram ronco e 6 pacientes (20%) não apresentaram ronco. Nove pacientes (30%) apresentaram apnéia ou hipopnéia durante o exame. Um paciente do grupo 2 não relacionado em nossa casuística apresentou uma depressão respiratória importante e dessaturação da oxi-hemoglobina durante o procedimento, necessitando de suporte ventilatório através de máscara de oxigênio com Ambu. Não houve necessidade de intubação orotraqueal.
DISCUSSÃOA localização e o tipo de obstrução da VAS em pacientes portadores de SAHOS representa um dos elementos principais na avaliação diagnóstica destes pacientes, além de se definir a gravidade da doença e suas co-morbidades (3).
Antes da introdução da Somnoendoscopia por CROFT e PRINGLE (1991), diferentes métodos diagnósticos como a endoscopia com MM, a manometria da VAS e exames radiológicos têm sido utilizados na tentativa de predizer o(s) sítio(s) de obstrução parcial ou completa da VAS, porém nenhum deles é capaz de proporcionar medidas objetivas durante o sono (1, 4, 9). A Somnoendoscopia, por sua vez, proporciona uma inspeção direta e dinâmica, sob visão endoscópica, da faringe, permitindo a identificação do sítio de obstrução e geração do ronco durante o sono fisiológico. O fato de tratar-se de uma avaliação dinâmica da faringe, não-invasiva, de baixo custo e em condições que mimetizam o sono, fazem deste método um grande atrativo na investigação diagnóstica dos pacientes com ronco e apnéia do sono (4, 5).
Entretanto, a Somnoendoscopia tem sido criticada por não reproduzir um sono considerado fisiológico, devido à técnica de sedação envolvida. Diferentes agentes sedativos em diferentes doses, administrados através de infusão em bolus, têm sido descritos (2, 6, 9, 10). A infusão em bolus, apesar de ser comumente utilizada, determina flutuação dos níveis séricos e tissulares da droga. Além disso, o fato de diferentes anestesiologistas realizarem o exame pode também determinar efeitos sedativos distintos, independente da técnica a ser utilizada (6). A droga de escolha tem sido o Propofol a 1% por apresentar início de efeito e metabolização extremamente rápidos, baixa incidência de efeitos colaterais como náusaes, vômitos e cefaléia e ausência de ressaca (4, 11).
No presente estudo, adotamos a técnica de infusão manual lenta e gradativa, e não a infusão em bollus. Devemos ressaltar que a fase inicial do estudo envolvendo o grupo 1 representou o nosso conhecimento e desenvolvimento da técnica, permitindo um aprimoramento do exame e principalmente segurança e menor risco aos futuros pacientes a serem submetidos ao procedimento fora do ambiente cirúrgico. A equipe de anestesiologia foi composta por 4 profissionais, fato este que não permitiu uma padronização da técnica de administração da droga.
Os resultados de colapsabilidade, ao compararmos ambos os grupos, demonstram existir uma provável especificidade do exame em predizer a ocorrência de obstrução da faringe em pacientes portadores de distúrbios respiratórios sono-dependente. Em relação ao nível de obstrução da faringe e o seu grau de colapsabilidade, nada podemos afirmar no momento, pois devemos aprimorar a técnica de infusão para alcançarmos um plano de sedação ideal que reproduza um sono mais fisiológico possível. A ocorrência de ronco e principalmente de apnéia/hipopnéia em pacientes do grupo 1 demonstra a não reprodutibilidade do sono fisiológico. Em relação ao grupo 2, podemos observar que na grande maioria dos pacientes o colapso da VAS ocorre em mais de um nível (faringe superior e faringe inferior) com um grau de colapsabilidade de no mínimo 50% (grau 2). Tal achado pode representar um diagnóstico topográfico mais apurado da doença e assim permitir que estes pacientes não sejam subtratados.
O nível correto de sedação na Somnoendoscopia é de extrema importância na obtenção de um relaxamento muscular suficiente para recriar o ronco e o colapso parcial e/ou completo da VAS, sem que haja apnéia ou depressão respiratória (4, 6). Desta forma, os estudos mais recentes têm demonstrado a preocupação em desenvolver novas técnicas de sedação, procurando padronizar a atuação do anestesiologista e assim, anular as variáveis que possam comprometer a reprodutibilidade do sono fisiológico (4, 11).
ROBLIN e cols (2001) desenvolveram um sistema de infusão controlada conhecido como "Target-Controlled Infusion" que, baseadas nas características farmacocinéticas e farmacodinâmicas do propofol, mantém um determinado nível sérico da droga, previamente definido, permitindo um controle da profundidade da sedação, através de uma infusão lenta e contínua programada pelo aparelho (11).
CONCLUSÃOA Somnoendoscopia representa um grande avanço na abordagem diagnóstica dos pacientes portadores de SAHOS, pois permite uma avaliação direta e dinâmica, sob visão endoscópica, da VAS durante o sono induzido. Em nossa primeira experiência, mostrou ser um procedimento seguro, desde que se tenha treinamento e equipamentos de suporte necessários. A técnica de infusão manual, mesmo que lenta e gradual, não reproduz um plano de sedação ideal que permita um relaxamento muscular adequado, sem que haja depressão respiratória. Entretanto, a padronização da atuação do anestesiologista e a evolução da técnica de sedação com a utilização de bombas de infusão controlada permitirão a reprodução de um sono fisiológico. Desta forma, poderemos definir com precisão, através de uma avaliação objetiva, a localização e o tipo de obstrução da faringe, além do sítio de geração do ronco, permitindo, com mais propriedade, indicarmos o tratamento mais adequado ao paciente, e sendo este cirúrgico, aumentarmos os nossos índices de sucesso.
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1. Presidente da Sociedade Brasileira de Laringologia e Voz (2001-2003). Diretor do Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo.
2. Otorrinolaringologista. Médico Assistente do Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo e do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital e Maternidade São Camilo - Pompéia - São Paulo.
3. Otorrinolaringologista. Médico (a) Otorrinolaringologista.
4. Médica. Residente do Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo
Instituição: Nucleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo.
Endereço para correspondência: José Antonio Pinto
Al. dos Nhambiquaras, 159 - São Paulo / SP - CEP 04090-010
Telefax: (11) 5573-1970 - E-mail: japorl@uol.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 16 de maio de 2007. Cod. 252. Artigo aceito em 12 de junho de 2007.