INTRODUÇÃOA surdez súbita (SS) é definida como perda auditiva (PA) neuro-sensorial, igual ou maior que 30 decibel (dB), em 3 ou mais freqüências consecutivas, instalada num período de até 3 dias (1). Na maioria das vezes é severa, não flutuante, unilateral e idiopática (1, 2). Em cerca de um terço dos casos podem ocorrer queixas associadas como zumbido, vertigem ou tontura e plenitude aural (2,3). Sua incidência é de 5 a 20 casos por 100.000 habitantes/ano nos Estados Unidos e 15000 novos casos/ano no mundo, o que representa aproximadamente 1% de todos os casos de PA neuro-sensorial (1,4).
Desde que foi descrita pela primeira vez, há 62 anos atrás (5), inúmeras etiologias têm sido aventadas: infecciosa (6), traumática, neoplásica, imunológica, ototóxica, vascular ou isquêmica, neurológica, dentre outras. Dentre os fatores associados temos os distúrbios metabólicos que são mais freqüentes entre cocleo-vestibulopatas do que na população geral (7). Contudo, em apenas 10 a 15% dos casos a causa pode ser determinada (1).
O tratamento é controverso e pode incluir, entre outros, antiinflamatórios (esteróides), vasodilatadores, antivirais, expansores volumétricos ou hemodiluidores, diuréticos, antagonistas dos canais de cálcio, câmara hiperbárica, carbogênio, anti-coagulantes e recentemente corticosteróide intra-timpânico (8-13).
Aproximadamente um terço dos pacientes apresenta melhora espontânea, a maioria deles nas primeiras duas semanas de evolução da doença (1, 3). Os fatores de risco associados a um pior prognóstico incluem: tempo de evolução (demora para início do tratamento), extremos de idade, grau da PA inicial (perdas severas), presença de sintomas vestibulares associados, tipo da curva audiométrica tonal (descendente) (1,4,14).
O objetivo deste trabalho é observar a evolução da SS em pacientes incluídos em diferentes grupos de tratamento, de acordo com o tempo de evolução da doença e com as contra-indicações para uso das medicações.
CASUÍSTICA E MÉTODOO desenho do estudo configura uma coorte retrospectiva da análise de prontuários de pacientes atendidos no Ambulatório de Surdez Súbita e incluídos em protocolo de tratamento padronizado de janeiro de 1996 a janeiro de 2006. Foram seguidas todas as normas éticas vigentes na Instituição, segundo determinação do Comitê de Ética e Pesquisa.
Nossa amostra foi constituída por 139 pacientes, com idade média de 45,4 + 15,8 anos (mínimo = 13 anos; máximo = 82 anos), sendo 73 (52,5%) do sexo feminino e 66 (47,5%) do sexo masculino.
Para inclusão no estudo, o indivíduo deveria apresentar PA neuro-sensorial igual ou maior que 30 dB, em pelo menos três freqüências consecutivas, com instalação súbita ou no máximo em 72 horas.
Os pacientes foram incluídos em cinco grupos de tratamento, de acordo com o tempo de início da SS e as condições clínicas que o habilitassem, ou não, a receber as medicações propostas. Foram usados os critérios determinados a seguir.
Grupo I: pacientes com história de surdez súbita (SS) instalada há no máximo 5 dias. Foram submetidos à internação hospitalar e receberam expansor plasmático (Dextran
® 40000 UI, EV, 12/12 h, até 10 dias), dexametasona (8 mg, VO, 1 vez ao dia, 10 dias, com esquema de retirada progressiva a seguir), aciclovir (200 mg, VO, 8/8 h, 15 dias), ácido nicotínico e cloridrato de papaverina (30 mg e 100 mg, VO, 12/12 h, 30 dias), vitamina A (50000 UI, VO, 12/12 h, 30 dias).
Grupo II: pacientes com história de SS instalada de 0 a 15 dias. Foram incluídos neste grupo aqueles que possuíam contra-indicação clínica ao uso do expansor plasmático (hipertensão arterial sistêmica, cardiopatia, distúrbio da coagulação e insuficiência renal). Foi prescrito o esquema terapêutico do grupo I ou III, na dependência do tempo de início da SS, porém sem o expansor plasmático.
Grupo III: pacientes com história de SS instalada de 6 a 15 dias. Recebeu o esquema terapêutico do grupo I, porém sem o aciclovir.
Grupo IV: pacientes com história de SS instalada de 16 a 30 dias. Recebeu o esquema terapêutico do grupo I, porém sem expansor plasmático e aciclovir.
Grupo V: pacientes com história de SS instalada há mais de 30 dias. Recebeu ácido nicotínico e cloridrato de papaverina (30 mg e 100 mg, VO, 12/12 h, 30 dias) e vitamina A (50000 UI, VO, 12/12 h, 30 dias).
Foram realizados exames audiométricos seriados em todos os pacientes, antes (inicial) e após o início da terapia (30, 90, 120 e 180 dias).
Foram internados os pacientes dos grupos I e III, conforme protocolo acima descrito, a fim de receberem expansor plasmático por via endovenosa. Nestes casos, a audiometria tonal limiar foi realizada em dias alternados,sendo programada a suspensão da medicação e alta hospitalar na ausência de melhora dos limiares auditivos após três dias. Foi considerado critério de melhora audiométrica a recuperação de pelo menos 10dB em 3 freqüências consecutivas ou de 15dB em duas freqüências consecutivas ou 3 20dB em uma freqüência isolada na audiometria tonal ou ainda 3 15% no percentual de reconhecimento de fala (PRF). Nos casos de melhora audiométrica, o esquema terapêutico foi mantido por até 10 dias.
Para documentação da variação audiométrica foi utilizado o PTA, pure tone average ou limiar tonal puro. O PTA para freqüências graves foi determinado pela média dos limiares tonais das freqüências de 250, 500 e 1000 Hertz (Hz) e o PTA para freqüências agudas a partir da média das freqüências de 2000, 4000 e 8000 Hz. A evolução ou resposta audiométrica dos pacientes entre os diversos grupos de tratamento foi determinada subtraindo-se o PTA inicial (primeiro dia de avaliação médica) do final (após 180 dias).
Para análise estatística dos resultados, foram utilizados o teste t de Student e a análise de variância (ANOVA). O nível de significância considerado foi de p < 0,05 em testes bicaudais.
RESULTADOSEm 129 (92,8%) pacientes a surdez súbita (SS) era unilateral e em apenas 10 (7,2%) era bilateral. Quanto à etnia 77 (55,4%) eram brancos, 35 (25,2%) eram negros e 4 (2,9%) eram da raça amarela. Em 23 (16,5%) casos este dado não estava computado nos prontuários. O tempo de evolução da SS até o primeiro atendimento foi em média 17,2 + 24,6 dias (mínimo = 0 dia; máximo = 120 dias).
Os grupos de tratamento mostraram-se semelhantes quanto às médias do PTA inicial, tanto para freqüências graves quanto para agudas (Tabela 1). Considerando todos os casos atendidos, observou-se uma redução significante na média do PTA após o tratamento quando comparada aos valores iniciais, tanto para freqüências graves quanto para agudas (Tabela 2).
Com relação à comparação entre os grupos quanto à evolução ou resposta audiométrica ao tratamento, determinada pela diferença entre PTA inicial e PTA final, tanto para freqüências graves quanto para agudas, não houve significância estatística (Tabela 3).
Observamos que existe uma correlação linear inversa significante entre o tempo decorrido até o primeiro atendimento e a evolução ou resposta audiométrica (PTA inicial - PTA final) do paciente ao tratamento. Portanto, quanto maior o tempo até o início do tratamento menor a melhora audiométrica. Assim, para as freqüências graves observamos um coeficiente de correlação de Spearman r = - 0,45 (p < 0,001; IC 95% = - 0,58 a - 0,29) (Gráfico 1) e para as freqüências agudas r = - 0,42 (p < 0,001; IC 95% = - 0,55 a - 0,25) (Gráfico 2).
Gráfico 1. Correlação entre o tempo de início do tratamento e a evolução nas freqüências graves.
Gráfico 2. Correlação entre o tempo de início do tratamento e a evolução nas freqüências agudas.
DISCUSSÃOA literatura mostra que a idade média dos pacientes com surdez súbita (SS) varia de 43 a 53 anos, que a distribuição por sexo é equivalente e que o acometimento em mais 95% dos casos é unilateral, semelhante ao que observamos neste levantamento (2, 4, 13, 15, 16). O único levantamento epidemiológico de SS publicado até o momento foi feito no Japão em três anos distintos, em diferentes décadas e mostra que o tempo entre o início da SS e o primeiro atendimento variou de 11,6 ± 12,1 dias em 1974, 9,1 ± 9,8 dias em 1987 a 8,1 ± 9,1 dias em 1993 (15). Não podemos comparar diretamente nossa casuística com a de NAKASHIMA et al (15), pelo tipo de desenho e por serem populações diferentes, porém observamos retardo até o primeiro atendimento o que pode ser atribuído em parte a descaso dos pacientes em relação ao sintoma ou à dificuldade de acesso ao médico.
Partindo de grupos homogêneos quanto às médias iniciais do PTA e considerando-se todos os casos atendidos, houve redução significante na média do PTA. Esta média de melhora (PTA inicial - final) foi de 21,6dB para freqüências graves e de 16,7dB para as agudas. Apesar de não haver grupo controle para comparação, a literatura mostra que a melhora espontânea (sem tratamento) ocorre em 32% dos casos de SS e é em média de 15dB de PTA (3, 8), portanto menor do que a observada neste estudo. A recuperação audiométrica estimada com o tratamento é de aproximadamente 25dB de PTA (3), semelhante a que observamos para freqüências graves.
Quanto à evolução dos pacientes (PTA inicial - PTA final) nos cinco grupos de tratamento, a diferença observada não se mostrou significante, tanto para freqüências graves como para agudas. Embora não tenhamos observado significância estatística, a melhora do PTA foi menor nos pacientes dos grupos IV e V, que iniciaram o tratamento após 15 dias do início da SS. Os grupos I, II e III iniciaram o tratamento nos primeiros 15 dias de SS, porém o melhor PTA foi observado no grupo II, o único a não receber expansor plasmático por contra-indicação clínica. Embora algumas doenças de base sejam capazes de interferir na microcirculação da orelha interna dificultando a melhora clínica da SS, as comorbidades apresentadas pelos pacientes do grupo II, aparentemente não significaram fatores de pior prognóstico. Em nosso levantamento, o expansor plasmático não contribuiu para potencializar os efeitos do corticosteróide e do aciclovir no tratamento da SS, uma vez que o grupo que melhor respondeu à terapia não o utilizou.
Observamos uma correlação linear inversa significante entre o tempo decorrido até o início do tratamento e a resposta audiométrica apresentada pelo paciente, tanto para freqüências graves quanto para agudas. Concordamos, portanto, com relatos de outros autores que mostram que o prognóstico é melhor quanto mais precocemente o tratamento é iniciado (1, 4, 17).
CONCLUSÕES Após nosso levantamento podemos inferir que:
- o expansor plasmático não melhorou a eficácia da associação entre o corticóide e o aciclovir no tratamento da surdez súbita;
- o início precoce do tratamento determina a melhor evolução da doença.
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1. Doutora em Medicina. Assistente Doutor do Setor de Otoneurologia do Departamento de Otorrinolaringologia da FMUSP.
2. Médico Otorrinolaringologista. Otorrinolaringologista do Ambulatório de Surdez Súbita do HCFMUSP.
3. Médica Otorrinolaringologista. Pós-graduanda (nível doutorado) do Departamento de Otorrinolaringologia da FMUSP.
4. Doutora em Otorrinolaringologia pela FMUSP. Médica Colaboradora do Departamento de Otorrinolaringologia do HCFMUSP.
5. Livre Docente em Otorrinolaringologia. Professor Associado da Faculdade de Medicina da USP.
Instituição: Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
Endereço para correspondência: Roseli Saraiva Moreira Bittar
Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 6º andar / sala 6167
CEP: 05403-000 - São Paulo/SP - Brasil
Telefone/Fax: (11) 3727-2873 - E-mail: otoneuro@hcnet.usp.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 20 de junho de 2007 às 17:59:02 - Artigo aceito em 08 de agosto de 2007 às 18:42:52.