INTRODUÇÃOA Preponderância Direcional (PD) foi definida por JONGKEES (1) como uma tendência à maior intensidade de nistagmo para uma determinada direção em comparação à outra. O significado clínico da PD tem sido fonte de controvérsias e debatido ao longo de 50 anos (2). Segundo pesquisas, a PD é mais freqüentemente observada em pacientes que apresentam nistagmo espontâneo na mesma direção deste (3,4). Assim, pacientes demonstram repostas calóricas com resultado de nistagmo na mesma direção do nistagmo espontâneo. Por outro lado, apresentam baixas respostas na direção oposta ao nistagmo espontâneo. O consenso internacional é de que a PD estaria associada ao processo de compensação vestibular (4,6). Mesmo após a compensação vestibular ocorrer, alguns pacientes apresentam nistagmo latente, que pode permanecer na direção contrária a do lado comprometido (7).
Outros autores acreditam que a PD poderia ser uma evidência de patologia em ambos os sistemas vestibulares periférico e central. De fato, a PD tem sido observada em desordens restritas ao final do aparelho vestibular, nas ramificações do VIII nervo craniano, tronco cerebral e córtex (4,5,8,9).
É importante considerarmos também que a PD tem sido observada em sujeitos normais, sem qualquer evidência de patologia do sistema vestibular (3,4,6).
No Brasil, a presença de PD com valores acima de 33% tem sido associada predominantemente à labirintopatia ou síndrome irritativa (10), porém, não foi encontrado na literatura um conceito estabelecido sobre o significado de síndrome irritativa.
O objetivo deste estudo é descrever o caso de um paciente com labirintopatia deficitária que foi avaliado por meio de vectoeletronistagmografias seriadas até um ano após a crise aguda. Será discutido a evolução da compensação vestibular na perda unilateral da função do labirinto e o conceito de preponderância direcional associada a labirintopatia periférica irritativa.
RELATO DE CASO Paciente do sexo masculino, 46 anos, foi avaliado devido à queixa de vertigem súbita, com mais de 24 horas de duração, sem queixas auditivas. No exame clínico, observou-se nistagmo horizontal espontâneo para a direita e Romberg com queda para a esquerda.
Avaliação audiológica estava normal. A propedêutica de imagem e laboratorial estabeleceram o diagnóstico de neuronite vestibular esquerda (Figura 1)
Figura 1. Ressonância Magnética referente ao nervo vestibular direito e esquerdo.
Um mês após o diagnóstico foi realizado o primeiro teste vestibular. O exame foi repetido aos 6 meses e 1 ano após a crise.
A vectoeletronistagmografia foi o método utilizado para registrar os movimentos oculares. O equipamento utilizado foi da marca Contronic do Brasil versão 5.1, Copyright 1993-2000, da Contronic Sistemas Automáticos da Universidade Católica de Pelotas. Previamente à realização da vectoeletronistagmografia, procedeu-se à limpeza da pele para a colocação dos eletrodos. Utilizou-se a disposição triangular de eletrodos, preconizada por Pansini e Padovan (1969) (11). A avaliação vestibular constou das seguintes etapas: calibração dos movimentos oculares, pesquisa do nistagmo espontâneo de olhos abertos, pesquisa do nistagmo espontâneo de olhos fechados, pesquisa do nistagmo semiespontâneo, rastreio pendular, pesquisa do nistagmo optocinético e pesquisa do nistagmo pós-calórico (prova calórica à água nas temperaturas de 44°C e 33°C). Utilizaram-se os métodos de JACOBSON et al para a realização e interpretação da vectoeletronistagmografia, considerando-se, em relação à predominância labiríntica e à predominância direcional do nistagmo, como normais os valores até 20% e 27% respectivamente (2).
Na avaliação dos movimentos oculomotores, observou-se sacade com latência e velocidade normais, rastreio tipo II e nistagmo optocinético simétrico.
Em relação à prova calórica, os resultados foram:
Um mês após a crise aguda: arreflexia esquerda e hiperreflexia direita, com valores acima de 70°/seg em 30°C e 44°C.
Seis meses após: OE44°C=06°/seg, OE30°C=25°/ seg, OD44°C=24º/seg, OD30°C=58º/seg, com PL para a direita de 45% e PD para a direita de 47%.
Um ano após: OE44°C=06°/seg, OE30°C=10º/seg, OD44°C=16°/seg, OD30°C=22°/seg, com PL para direita de 41% e PD para esquerda de 4%.
A evolução do paciente pode ser observada na Figura 2 que representa os valores obtidos em cada estimulação calórica e na Figura 3 os valores de PL e PD obtidos.
Figura 2. Prova calórica seriada.
Figura 3. Valores referentes ao predomínio labiríntico e preponderância direcional.
DISCUSSÃOFITZGERALD e HALLPIKE (12) apresentaram o fenômeno da PD em seu artigo histórico que descreve a prova calórica bitérmica e binaural alternada. A fórmula a seguir permite o cálculo da Predominância Direcional:
PD = (OE 44°C + OD 30°C) (OD 44°C + OE 30°C) x 100 OE 44°C + OE 30°C+ OD 44°C + OD 30°C
Os valores de uma PD significante variam de serviço para serviço, dependendo de normalizações internas, sendo considerada quando existe uma diferença maior que 26% a 33% (2,10,13) entre a intensidade máxima da Velocidade Angular da Componente Lenta (VACL) dos nistagmos para a direita (OE 44°C + OD 30°C) em relação aos nistagmos para a esquerda (OD 44°C+ OE 30°C) na prova calórica e vice-versa.
O relato descreve uma clássica compensação central em paciente que teve neuronite vestibular. A arreflexia esquerda um mês após a crise, confirmou o diagnóstico. Nesse momento, a hiperreflexia à direita, mimetizando uma síndrome irritativa, estava relacionada, na verdade, à liberação da resposta de tronco cerebral do labirinto saudável, que ocorre nas fases iniciais de compensação vestibular (14). O exame realizado após seis meses apresenta a evolução da compensação central.
A PL e PD para a direita indicaram que o labirinto esquerdo estava com função deficitária em relação ao direito e que a compensação central ainda não havia se estabelecido, pois permanecia uma PD para direita. O exame realizado um ano após a crise apresenta um paciente compensado (PD normal), com uma assimetria de função do labirinto, devido a neuronite vestibular, que levou a perda parcial, porém irreversível, da função do labirinto esquerdo.
Assim, verificamos que a PD à direita após um mês, no valor de 81%, refere-se à liberação do núcleo vestibular contralateral. Com o tempo, observamos uma diminuição deste valor, devido a uma compensação vestibular parcial que se completa após um ano da crise labiríntica, permanecendo a PL para a direita, indicando uma lesão definitiva do labirinto esquerdo com diminuição da função deste lado.
CONCLUSÃOA Predominância Direcional (PD) não define se a labirintopatia periférica é irritativa ou deficitária. Para isso, deve-se considerar a história clínica e o acompanhamento do paciente.
A PD pode ser observada em lesões vestibulares periféricas, centrais ou mesmo em indivíduos normais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Jongkees LB: Caloric test, general considerations. Acta Otorhinolaryngol Belg. 1950; 4(24):376-82.
2.Jacobson GP, Newman CW: Interpretation of caloric testing. In: Jacobson GP, Newman CW, Kartush JM. Handbook of balance function testing. Singular Publishing Group. San Diego. London. 1997.
3. Jongkess LBW: Value of caloric test of the labyrinth. Arch Otolaryngol 1948; 48:402-417.
4. Halmagyi GM; Cremer PD; Anderson J; Murofushi T; Curthoys IS: Isolated directional preponderance of caloric nystagmus: I. Clinical significance. Am J Otol 2000;21(4):559-67.
5 Halmagyi GM; Cremer PD; Anderson J; Murofushi T; Curthoys IS: Isolated directional preponderance of caloric nystagmus: II. A neural network model. Am J Otol. 2000;21(4):568-72.
6. Kazmierczak H: Directional preponderance of caloric nystagmus in vestibular neuronitis. Otolaryngol Pol. 1989;43(2):128-34
7. Okinaka Y, Sekitani T, Okazaki H, Miura M, Tahara T: Progress of caloric response of vestibular neuronitis. Acta Otolaryngol Suppl.1993;503:18-22.
8. Kazmierczak H: Study of directional preponderance in central disorders of the vestibular system Otolaryngol Pol. 1989;43(3):195-200.
9. Proctor LR: Results of serial vestibular testing in unilateral Ménières disease. Am J Otol 2000; 21(4):552-8.
10. Mor R, Fragoso M, Taguchi CK, Figueiredo JFFR: Vestibulometria e fonoaudiologia: como realizar e interpretar. Lovise. São Paulo. 2000.
11. Pansini M, Padovan I: Three derivations in electronystagmography. Acta OtoLaryng. Stockh., 1969; 67:303-309.
12. Fitzgerald G, Hallpike CS: Studies in human vestibular function I: Observations on the directional preponderance ("nystagmusbereitschaft") of caloric nystagmus resulting from cerebral lesions. Brain 1942; 62(part 2):115-137.
13. Ganança MM, Caovilla HH, Munhoz MSL, et al: Nistagmo póscalórico. In: Caovilla HH, Ganança MM, Munhoz MSL, Silva MLG. Equilibriometria Clínica. Atheneu. São Paulo, 1999. 75.
14. Imate Y, Sekitani T: Vestibular compensation in vestibular neuronitis. Long-term follow-up evaluation. Acta Otolaryngol. 1993;113(4):463-5
1. Aluna do Mestrado em Ciências da Saúde: Infectologia e Medicina Tropical pela UFMG (Fonoaudióloga do Hospital das Clínicas da UFMG).
2. Mestrado em Estudos Lingüísticos pela UFMG (Fonoaudióloga, Professora Assistente do Curso de Fonoaudiologia da UFMG).
3. Doutorado em Ciências da Saúde: Infectologia e Medicina Tropical (Professora Adjunto do Depto de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG).
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Medicina Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde: Infectologia e Medicina Tropical.
Endereço para correspondência: Lilian Felipe
Rua Marte, 83 - Bairro Ana Lúcia - Sabará / MG
Telefone/Fax: (31) 3485-5110 - E-mail: lilianfelipe@hotmail.com
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 10/8/2006 e aprovado em 3/10/2006 12:39:04.