INTRODUÇÃOA adenotonsilectomia permanece sendo atualmente o procedimento cirúrgico mais freqüente dentro da otorrinolaringologia. A cirurgia vem sofrendo modificações diversas na tentativa de simplificá-la e minimizar as complicações (1). Entre elas destaca-se a hemorragia, dor, febre, vômitos, náuseas, otalgia, tosse, cefaléia, odinofagia, entre outras (2). A ocorrência de infecção cervical no pós-operatório (PO) é extremamente rara e sua descrição e discussão na literatura é escassa.
O objetivo deste trabalho é apresentar dois casos de pacientes que evoluíram no PO de adenotonsilectomia com infecção cervical e dificuldade respiratória.
RELATO DE CASO
Caso 1E.H.C.C., 6 anos, masculino, foi submetido a adenotonsilectmia. No 1º PO iniciou com cervicalgia anterior, febre, dispnéia e disfagia. No 2º PO desenvolveu edema cervical importante à direita, acompanhado de sinais flogísticos (Figura 1A).
Figura 1. Caso 1: fotografia (A) demonstrando edema cervical à direita, acompanhado de sinais flogísticos e tomografia computadorizada (B) evidenciando acentuado edema nas partes moles cervicais à direita, desviando as vias aéreas para a esquerda; Caso 2: fotografias (C) demonstrando abaulamento em região submandibular esquerda e hiperemia local e (D) após drenagem de pequena quantidade de secreção purulenta local.
Apresentava hemograma infeccioso. Radiografia cervical demonstrou aumento difuso de partes moles na região cervical, traquéia com calibre relativamente reduzido e espaço retrofaríngeo aumentado. Tomografia computadorizada (TC) evidenciou acentuado edema das partes moles cérvico-faciais à direita, desde região parotídea até supra-clavicular, desviando as vias aéreas para a esquerda (Figura 1B). Foram realizadas várias punções em região cervical direita, sem haver saída de secreção. Iniciado tratamento com ampicilina/sulbactam, evoluindo com melhora clínica e laboratorial. Recebeu alta no 6º PO assintomático.
Caso 2G.A.S., 2 anos, masculino, em 9º PO adenotonsilectomia, evoluiu com febre, abaulamento em região submandibular esquerda, dor e hiperemia local (Figura 1C). Foi reinternado e iniciado tratamento clínico com ampicilina/sulbactam. No 3º dia de internação, como o paciente não apresentava melhora do quadro, foi submetido a exploração cirúrgica cervical, tendo sido drenada pequena quantidade de secreção purulenta (Figura 1D). Optou-se pela substituição da antibioticoterapia por ceftriaxona e clindamicina. Recebeu alta no 13º dia de internação, afebril, com melhora do quadro e em uso de amoxicilina-clavulanato.
DISCUSSÃOA notória freqüência da cirurgia de adenotonsilectomia no cotidiano do otorrinolaringologista faz com que o conhecimento de suas possíveis intercorrências e complicações seja de extrema importância, para que também se possa tratá-las da maneira correta e segura.
Complicações que ameaçam a vida incluem obstrução de vias aéreas, desidratação e hemorragias. As hemorragias são complicações de destaque por serem as mais comuns, com incidência de 1,1% a 7% (3).
Atualmente, as tonsilites permanecem como a etiologia mais comum das infecções dos espaços profundos, seguidas pelas de origem odontogênica. No entanto, cerca de 20% a 50% das infecções profundas do pescoço não têm uma causa identificada (1).
Diferentes microrganismos podem estar presentes em culturas de superfície e loja tonsilares. Num estudo foi verificado 25% de bacteremia em amostras sanguíneas de pacientes no PO imediato de tonsilectomia (4). Em relação à febre que ocorre nas primeiras 24 horas após a tonsilectomia, a sua etiologia é obscura, mas parece não ser causada por infecção (5).
O tratamento da infecção profunda do pescoço abrange o uso de corticosteróides e antibióticos intravenosos, como a clindamicina, ampicilina/sulbactam e cefuroxima. Há controvérsias em relação à associação do tratamento cirúrgico ao clínico, ou permanência apenas do tratamento clínico. Alguns reservam a terapia cirúrgica para aqueles casos em que não houve resposta com 48 horas. Pode-se realizar incisão e drenagem (na presença de secreção) ou aspiração, havendo eficientes resultados pós-operatórios (6).
CONCLUSÃORessalta-se a importância de um exame pré-operatório minucioso na cirurgia de adenotonsilectomia, incluindo história de infecção de vias aéreas superiores, presença de infecção ativa, febre e idade, devido à correlação de infecções e risco de comprometimento respiratório. Durante o ato operatório, observar a quantidade de sangramento, pois pode ser um sinal de possível complicação. Uma vez detectada a infecção cervical pós-operatória, recomenda-se iniciar o mais rápido possível o tratamento adequado, favorecendo uma boa evolução do quadro clínico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Johnson LB; Elluru RG; Myer CM. Complications of adenotonsillectomy. Laryngoscope 2002; 112(8Pt2) Supl.suppl 100 pags. 35-6.
2. Salomen A; Kokki H; Nuutinen J. Recovery after tonsillectomy in adults: a three-week follow-up study. Laryngoscope 2002; 112(1) pags 94-8.
3. Roithmann R, Kruse LS. Hemorragia pós-amigdalectomia. In: Patrocínio JA, Patrocínio LG. Manual de urgências em otorrinolaringologia. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. p. 189-98.
4. Kaygusuz I, Gok U, Yalcin S, Keles E, Kizirgil A, Demirbag E: Bacteremia during tonsillectomy. Int J Pediatr Otorhinolaryngol 2001 Apr 6;58(1):69-73.
5. Anand VT, Phillipps JJ, Allen D, Joynson DH, Fielder HM: A study of postoperative fever following paediatric tonsillectomy. : Clin Otolaryngol 1999 Aug;24(4):360-4.
6. Maniglia JJ, Maniglia R, Maniglia S, Maniglia F. Infecções dos espaços profundos do pescoço. In: Patrocínio JA, Patrocínio LG. Manual de urgências em otorrinolaringologia. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. p. 214-33.
1. Médico (Residente do Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia).
2. Otorrinolaringologista (Médico do Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia).
3. Médico (Residente do Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia).
4. Mestre (Professor Adjunto do Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia).
5. Professor Titular (Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia).
Instituição: Serviço de Otorrinolaringologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil.
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 25/10/2006 e aprovado em 14/11/2006 03:20:14.