INTRODUÇÃOA população brasileira, nos últimos anos, sofreu, de forma veloz, profunda transformação, devido ao aumento da expectativa de vida e à diminuição das taxas de natalidade, o que ocasionou o aumento no número de idosos (1,2). Se até a década de 60, do século XX, houve estabilidade populacional, a partir deste período aconteceram mudanças. As pesquisas demonstram que, a cada ano, 650 mil pessoas ingressam na faixa etária dos idosos, representando aumento de 600%, neste segmento populacional, em menos de 50 anos (3). Tal crescimento fará com que, em 2025, o Brasil ocupe o sexto lugar entre os países com maior número de idosos, ultrapassando a marca de 30 milhões de indivíduos (1).
Este aumento se refletirá em maior demanda de políticas públicas de saúde, especialmente em relação ao diagnóstico e ao tratamento, situação intensificada pelo fato de que muitas pessoas nunca tiveram nem têm acesso a programas preventivos e sofrem atualmente as conseqüências das agressões à saúde.
Dentre as alterações que acometem a maior parte dos idosos, está a presbiacusia, que é a perda auditiva decorrente do envelhecimento. Estudos evidenciam que a deficiência auditiva inicia por volta dos 30 anos de idade, aumentando progressivamente com o passar dos anos. Apesar de haver semelhança na configuração audiométrica (perda auditiva neurossensorial, bilateral, simétrica e com curvas descendentes, na maior parte dos casos), os homens são afetados mais precocemente e de forma mais intensa do que as mulheres (4,5,6). Juntamente com a deficiência auditiva é encontrada distorção do sinal de fala, zumbido e vertigem (6).
Considerado um problema de saúde pública, devido à sua alta prevalência, a presbiacusia é o terceiro acometimento mais comum em indivíduos idosos (7,8). Estudos internacionais referem que 25% a 83% dos idosos são afetados (8,9,10). As pesquisas nacionais destacam prevalências de 63% (11), 81,2% (12) e 89,23% (13). O aumento da idade determina o incremento no número de pessoas afetadas (10,14).
No que se refere ao grau de deficiência auditiva, os idosos podem apresentar comprometimento de leve a profundo, com piora acentuada nas freqüências altas. São mais comuns as deficiências de grau leve (11,12); leve a moderado (13) ou moderado (15,16).
A deterioração do sistema auditivo origina déficits na compreensão de fala (17), acarretando uma série de problemas sociais, dentre eles: afastamento das atividades sociais e familiares; baixa auto-estima; isolamento; solidão; depressão; irritabilidade (8,14). Todos estes problemas afetam de forma determinante a qualidade de vida dos indivíduos (7,18), uma vez que, entre outros fatores, ela abrange sua socialização e sua participação no grupo no qual está inserido. Para que a integração ocorra de forma efetiva, é necessária uma adequada capacidade de comunicação (19).
Muitas vezes, porém, a deficiência auditiva tem seus efeitos subestimados(20), especialmente por profissionais não ligados à área audiológica. Assim, os encaminhamentos para avaliação não são realizados e o idoso, que muitas vezes não aceita o problema ou considera a deficiência auditiva como algo inerente ao envelhecimento, não tem acesso à reabilitação, o que afeta ainda mais sua qualidade de vida (19).
O termo qualidade de vida envolve significados diversos, de origem cultural, social, econômica, histórica (21). Neste artigo é considerada a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), ou seja, "a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores em que vive e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações" (22).
Devido à multiplicidade de visões, conceitos e definições, a avaliação da qualidade de vida é algo extremamente complexo. Entre os diversos instrumentos desenvolvidos para este tipo de avaliação, um dos que se destacam é o World Health Organization Quality of Life (WHOQOL), criado a partir da definição de qualidade de vida da OMS, sob enfoque transcultural (23). Existem várias versões do instrumento, muitas delas já traduzidas e validadas para a Língua Portuguesa. Entre tais versões, está o WHOQOL-bref, versão abreviada do instrumento original, composto por 26 questões, sendo duas gerais e 24 referentes à facetas que avaliam 4 domínios: físico, psicológico, relações social e meio ambiente (22). Devido à fidedignidade, confiabilidade, extensão e praticidade de aplicação (instrumento auto-aplicável), ele é uma das escalas genéricas de avaliação de qualidade de vida mais utilizadas.
Apesar de haver destaques sobre a influência da deficiência auditiva na qualidade de vida e alguns estudos sobre a importância da reabilitação auditiva para a melhora da qualidade de vida (15,19,24), não se obteve, especialmente na literatura nacional, estudos de base populacional que relacionassem estes temas.
Considerando-se o impacto da deficiência auditiva na vida dos indivíduos afetados e o aumento no número de idosos na população brasileira, optou-se por realizar este estudo, que teve como objetivo verificar a existência de relação entre a deficiência auditiva e a qualidade de vida de idosos residentes em um bairro da cidade de Canoas, RS. Objetivou-se também verificar a influência das variáveis idade e gênero nos aspectos estudados.
CASUÍSTICA E MÉTODOEste estudo foi desenvolvido no bairro São Luís, na cidade de Canoas, RS. A escolha foi feita por conveniência, em função da proximidade com a Universidade e a possibilidade de deslocamento dos idosos até ela, caso fossem encaminhados para outras avaliações.
Esta pesquisa é de corte transversal, de caráter interdisciplinar e envolveu profissionais e alunos dos cursos de Fonoaudiologia, Educação Física e Enfermagem. O grupo foi formado a partir do interesse comum na área da gerontologia. Foram realizadas reuniões para a elaboração do projeto de pesquisa, o qual tinha como objetivos identificar as características demográficas dos idosos residentes no bairro e coletar dados sobre audição, qualidade de vida, sono, dor, força e equilíbrio. O projeto foi aprovado no comitê de ética em pesquisa da Universidade (protocolo 2006 035H).
O bairro São Luís, com população de aproximadamente 4500 habitantes, situa-se às margens da BR 116, em Canoas / RS. No início do estudo, foram identificados os limites geográficos do bairro e número de ruas existentes. A seguir, foram realizadas visitas aos domicílios, buscando detectar em quais residiam idosos, a fim de convidá-los para participarem voluntariamente da pesquisa. Aqueles que aceitaram assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram submetidos às avaliações. Foi considerado idoso o indivíduo com idade igual ou superior a 60 anos (25).
Devido ao número de avaliações a serem realizadas, tornou-se necessária, em muitos casos, a segunda visita ao domicílio, para finalização da aplicação dos protocolos.
A amostra foi constituída, inicialmente, por 72 idosos, de ambos os sexos. Desta amostra inicial, 21 idosos foram excluídos por não concordarem em realizar o procedimento ou não serem encontrados em suas residências no momento em que a avaliação auditiva seria realizada, mesmo após a tentativa de agendamento, por telefone, da data e do horário. O reduzido número de idosos encontrados no bairro pode ser explicado pela proximidade entre o bairro e a universidade, o que faz com que as residências sejam predominantemente habitadas por jovens.
O primeiro passo da pesquisa consistia em medir o ruído ambiental dos vários cômodos do domicílio (decibelímetro MSL-1351C - MINIPA), visando identificar qual deles tinha o menor nível de ruído. Após a seleção do local de realização, os idosos eram orientados sobre o procedimento que seria feito e passavam por meatoscopia (otoscópio Welch Allyn®). A pesquisa de limiares auditivos para tom puro foram realizadas com utilização de um audiômetro portátil modelo AS-208 (Interacoustics®), método descendente e tom puro modulado (warble). Os idosos foram posicionados de costas para o examinador e orientados a levantar a mão correspondente ao lado em que estivessem escutando o som. O exame sempre iniciava pela orelha em que o indivíduo referia escutar melhor. Caso ele não percebesse diferença, o exame era iniciado pelo lado direito. Para o cálculo do grau de deficiência auditiva, foi utilizada a classificação da OMS (26), ou seja, considerou-se a média das freqüências de 500Hz, 1000Hz, 2000Hz e 4000Hz:
0-25 decibel nível de audição (dBNA) - limiares auditivos normais;
26 - 40 dBNA - deficiência auditiva leve;
41 - 60 dBNA - deficiência auditiva moderada;
61 - 80 dBNA - deficiência auditiva severa;
+ 80 dBNA - deficiência auditiva profunda.
Para a análise dos dados, foram considerados somente os resultados da melhor orelha (26).
A avaliação da qualidade de vida foi realizada, utilizando-se a avaliação da qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde, o WHOQOL-bref. Optou-se pela versão abreviada, por sua praticidade e confiabilidade, uma vez que os idosos teriam de responder a uma série de outros questionários (demográfico, sono, dor) e a versão completa, neste caso, ficaria extremamente longa (100 itens).
A aplicação do WHOQOL-bref foi feita de acordo com as instruções dos tradutores, ou seja, era solicitado que o indivíduo pensasse em sua vida nas duas últimas semanas e assinalasse a coluna que contivesse a resposta mais adequada ao seu caso. O instrumento é auto-aplicável, ou seja, o indivíduo lê a questão e assinala a resposta. Caso não entenda a questão, tenha dificuldades de leitura ou analfabetismo, o examinador lê a questão como está escrita, evitando explicá-la para não influenciar a resposta. Além disso, deve ser respondido em somente um encontro (22).
Foi utilizada a versão ampliada do instrumento, uma vez que, pela idade dos indivíduos avaliados, a letra em tamanho normal (fonte 12) poderia acarretar dificuldades de leitura(27).
Após ler cada uma das 26 questões, o sujeito deveria assinalar o número cuja resposta mais se adequasse a sua situação (1 a 5). Nem sempre o número maior corresponde a uma melhor qualidade de vida. Por exemplo, na pergunta "Com que freqüência você tem sentimentos negativos tais como mau humor, desespero, ansiedade, depressão?", se o indivíduo assinalasse o número 1 afirmaria nunca tem tais sentimentos. O número 5, ao contrário, indica que ele sempre tem os sentimentos citados. Já na pergunta "O quanto você consegue se concentrar?", ao assinalar o número 5 o indivíduo declara consegue concentrar-se extremamente, o que não ocorre se assinalar o número 1 (dificuldade extrema de concentração).
O questionário foi elaborado com quatro tipos de escalas de resposta: intensidade, capacidade, avaliação e freqüência, e as sendo que em cada uma delas existem duas palavras âncora e três palavras intermediárias para resposta. Por exemplo, na escala de avaliação da freqüência ("com que freqüência você..."), as palavras âncora são nunca e sempre. As palavras intermediárias são raramente, às vezes e repetidamente (27).
Após ter o questionário preenchido, devem ser calculados os valores gerais e por domínio (físico, psicológico, meio ambiente e relações sociais), permitindo a avaliação da qualidade de vida do indivíduo. Esta análise deve ser feita segundo a sintaxe descrita pelos tradutores, com auxílio do software Statistical Package for Social Science (SPSS) 10.0 for Windows, sendo desaconselhada a realização de contagem e análise manual pela maior probabilidade de erros (27).
O WHOQOL-bref pode ser obtido no site do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (27).
Para a análise dos resultados, a comparação entre os grupos foi realizada por meio dos testes de Mann-Whitney (variáveis quantitativas sem distribuição normal), exato de Fisher (variáveis qualitativas) e de Kruskal-Wallis. Para verificar a existência de correlação, foram utilizados os coeficientes de Spearman.
1) Teste de Mann-Whitney: foi utilizado para testar a homogeneidade das variáveis idade e do WHOQOL-bref - nos aspectos físico, psicológico, social, e do meio - entre os gêneros.
2) Teste Exato de Fisher: foi utilizado para testar a relação entre gênero e limiares auditivos normais ou alterados.
3) Teste de Kruskal-Wallis: foi utilizado para testar a homogeneidade dos limiares auditivos quanto ao escore do WHOQOL-bref nos aspectos físico, psicológico, social e do meio, bem como quanto à idade.
4) Coeficiente de correlação de Spearman: foi utilizado para o estudo das correlações entre duas variáveis contínuas, quando elas, ou uma delas, não apresentam distribuição normal. Foi utilizado para verificar a existência de correlação entre o escore do WHOQOL-bref - nos aspectos físico, psicológico, social e do meio - com a idade e com os limiares auditivos.
A análise descritiva da idade foi realizada por meio da observação do cálculo de médias e desvio padrão. Para o escore do WHOQOL-bref foi utilizada mediana acompanhada do intervalo interquartil. Para as demais variáveis qualitativas foi calculada a freqüência absoluta.
A análise estatística foi executada no SPSS 10.0 for Windows. Todos os testes foram realizados na forma bi-caudal, admitindo-se como estatisticamente significativos os valores de p menores que 0,05.
RESULTADOSForam avaliados 51 sujeitos, de ambos os sexos, residentes em bairro da cidade de Canoas, RS. A média de idade foi de 69,73 ± 7,00 anos. Dos 51 idosos, 36 (70,6%) eram do gênero feminino e 15 (29,4%) do gênero masculino. Os dados relativos à audição encontram-se na Tabela 1. Verificou-se que 64,3% dos idosos avaliados apresentava deficiência auditiva, de grau leve a profundo. A maior parte apresentou perda auditiva de grau leve (29,4%) e moderado (19,6%).
Os resultados da avaliação da qualidade de vida (WHOQOL-bref) encontram-se na Tabela 2. Os valores obtidos demonstram que os menores escores foram obtidos no domínio psicológico e os melhores no domínio relações sociais.
Na Tabela 3, são apresentados os dados estratificados por gênero, sendo comparadas as variáveis idade, grau de deficiência auditiva e escore do WHOQOL-bref nos aspectos físico, psicológico, social e do meio ambiente. Nenhuma das variáveis analisadas apresentou diferença estatistica¬mente significante.
Quando foram comparadas as alterações audiométricas (com ou sem alteração), entre os gêneros, através do teste exato de Fischer, não foi encontrada diferença estatisticamente significante (p=0,527).
A amostra também foi estratificada quanto às alterações audiométricas (com ou sem alteração), sendo comparadas as variáveis à idade e ao escore do WHOQOL-bref nos aspectos físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente (Tabela 4). Apesar da qualidade de vida estar inferior nos indivíduos com alteração auditiva, excetuando-se o domínio físico, as diferenças obtidas não foram estatisticamente significantes. A única diferença significante foi constatada na variável idade dos idosos com e sem alteração auditiva.
A amostra também foi comparada pela presença e grau de deficiência auditiva (limiares auditivos normais, deficiências auditivas leve, moderada, severa e profunda). Apenas as variáveis idade (p=0,007) e o escore do WHOQOL-bref, no aspecto físico (p=0,029), apresentaram diferença estatisticamente significante. As demais variáveis não apresentaram diferença estatisticamente significante: domínio psicológico (p=0,103), domínio relações sociais (p=0,090) e domínio meio ambiente (p=0,065).
Foi testada, ainda, a correlação entre os escores do WHOQOL-bref - nos domínios físico, psicológico, relações sociais e do meio ambiente - e a idade e os resultados da audiometria. Foi encontrada correlação moderada e inversa entre a idade e o WHOQOL-bref no aspecto social. As demais variáveis não mostraram correlação (Tabela 5).
DISCUSSÃOOs dados referentes à caracterização geral da amostra evidenciam que houve predomínio de idosos do gênero feminino. Isto pode ser explicado pelo fenômeno da feminização do envelhimento, pois as mulheres apresentam maior expectativa de vida e são mais longevas do que os homens (28).
No que se refere à deficiência auditiva, a prevalência obtida (64,7%) foi inferior à descrita na maior parte dos estudos consultados na literatura nacional e internacional (8,9,10,12,13) e semelhante a um estudo nacional (11). Sabe-se que os estudos de prevalência são muito influenciados pela seleção dos sujeitos que compõem a amostra. A variabilidade apresentada pelos diversos estudos pode ser explicada pelas características dos idosos avaliados em cada um deles. A exposição a diferentes fatores de risco para a deficiência auditiva (medicações, exposição a ruído, infecções otológicas, doenças), por exemplo, pode determinar maior ou menor prevalência de indivíduos afetados. Além disso, valores de de 70% a 80% são encontrados em indivíduos com idades superiores a 70 anos (8) e a média de idade da amostra deste estudo foi de 69,73 anos.
Esperava-se, contudo, maior concordância com os dados obtidos em um estudo de base populacional realizado na mesma cidade em que esta pesquisa foi desenvolvida (12), o que não foi constatado. Talvez isto possa ser explicado pelo fato de que, no estudo citado, foram verificados os limiares audiométricos de idosos de vários bairros da cidade, sendo apontada a média da prevalência de deficiência auditiva.
Ressalta-se também a perda de 21 idosos, os quais não foram encontrados para a realização da audiometria ou não quiseram realizar o exame. A literatura evidencia que muitos indivíduos negam-se a assumir o problema, mesmo quando existe sua percepção por familiares e amigos. Isto ocorre por terem eles medo de dependência ou por acreditarem que a deficiência auditiva é uma conseqüência natural da idade. Para alguns indivíduos, assumir que tem este problema pode levá-los a se perceberem como idosos, o que nem sempre é bem aceito, em função das características negativas associadas a esta faixa etária. Por tais motivos, muitos se negam a realizar as avaliações necessárias, preferindo conviver com todas as dificuldades que a deficiência auditiva acarreta (19).
Quanto ao grau, a maior parte dos idosos apresentou deficiência auditiva leve ou moderada, o que concorda com os estudos nacionais realizados (11,12,13). Ainda com relação à avaliação geral da amostra, o WHOQOL-bref evidenciou escores semelhantes entre os domínios avaliados, sendo os melhores escores no domínio relações sociais. Este dado surpreendeu os pesquisadores, uma vez que o envelhecimento é uma fase de afastamento da vida social (29) e que a maior parte dos idosos apresentava deficiência auditiva.
Os menores escores foram obtidos no domínio físico. As questões referem-se a sono, dor, atividades de vida diária, dependência de medicamentos e/ou tratamentos e capacidade de trabalho (22) e já se esperava que os valores fossem inferiores, pois os idosos freqüentemente têm sua saúde afetada, o que provoca a auto-avaliação negativa.
Quando considerados os dados por gênero, verificou-se que não houve diferença estatisticamente significante entre os sexos, em nenhum dos itens avaliados (idade, grau de deficiência auditiva e resultados do WHOQOL-bref).
Apesar da semelhança na média de idade, acreditava-se que os resultados audiométrico nos homens seriam inferiores, principalmente em função dos resultados descritos na literatura especializada, cujos autores revelam que a deficiência auditiva ocorre mais cedo e de forma duas vezes mais acentuada nos indivíduos do sexo masculino (4,5,6).
No que se refere à qualidade de vida e ao gênero, os escores obtidos nos quatro domínios do WHOQOL-bref também foram semelhantes, diferindo do relatado em outros estudos (28,30).
As pesquisas sobre gênero e qualidade de vida são controversas, devido à reduzida literatura comparativa sobre o tema e aos instrumentos utilizados para a avaliação. Em alguns casos, porém, o que se percebe é que a maior parte das mulheres tem pior qualidade de vida percebida, especialmente no que se refere à questão saúde e vida social, devido ao alto índice de morbidade e isolamento, talvez por serem mais longevas (30).
Considerando-se idade, escores do WHOQOL-bref e resultados normais ou alterados na audiometria, novamente não houve diferença estatisticamente significante no que se refere à avaliação da qualidade de vida, contrariando o descrito na literatura especializada (7,8,14,18,19).
Verificou-se, contudo, diferença significante entre a média de idade dos indivíduos com audição normal e com alteração na audiometria. A piora dos limiares audiométricos com o aumento da idade já foi descrita por outros autores (11,12), corroborando os achados desta pesquisa.
Quando comparados os escores do WHOQOL-bref em cada um dos domínios e com a presença e o grau de deficiência auditiva, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes, o que também é contrário ao esperado pelos pesquisadores e descrito na literatura consultada (7,8,14,18,19). Este achado provavelmente tenha ocorrido porque, conforme descrito anteriormente, muitos idosos avaliados (29,4%) apresentavam deficiências auditivas de grau leve. De acordo com a OMS (26), este grau de deficiência auditiva não é considerado incapacitante, ou seja, não impede que o indivíduo afetado tenha problemas no desempenho de suas atividades. Nos indivíduos que apresentavam deficiência auditiva moderada (19,6%), constatou-se que a média dos limiares ficava, muitas vezes, no limite entre leve/moderada. Provavelmente por isto, os avaliados, apesar de apresentarem deficiência auditiva incapacitante (a partir de deficiência auditiva moderada), ainda não estavam experimentando os efeitos negativos do handicap auditivo.
Novamente foram observadas diferenças estatisticamente significantes somente quando se comparou a idade com o domínio físico. Sabe-se que a idade é determinante da capacidade funcional do indivíduo, uma vez que a proporção de pessoas com problemas físicos que requerem auxílio parcial ou total para desempenhar suas atividades de vida diária é maior em grupos etários mais velhos (29).
Constatou-se, ainda, que não houve correlação entre os resultados dos escores do WHOQOL-bref, a idade e os resultados da audiometria. A única correlação existente, inversa e de magnitude moderada, foi observada entre a idade e as relações sociais, ou seja, quanto maior a idade, menor a participação dos idosos em atividades sociais e menores os suportes sociais e os relacionamentos pessoais que eles apresentam. Isto também é referido na literatura especializada (29). As relações humanas estão dentro de um conceito mais amplo - o desempenho social - que abrange a interação da pessoa com as demais e com o meio. Idosos precisariam de uma rede social ampla, tanto em função da manutenção de suas atividades sociais como da criação de sistemas de suporte, com redes de apoio que pudessem permanecer na comunidade. Ocorre, porém, que neste período da vida, o grupo social começa a diminuir, em função da morte de parentes e amigos e da fase de vida adulta em que estão os filhos, os quais, muitas vezes, não proporcionam ao idoso o suporte social que deveria ter e que permitiria sua integração na comunidade, aumentando a capacidade de recuperação de doenças e diminuindo os riscos de morbi/mortalidade (29).
CONCLUSÃOO presente estudo permitiu verificar que, no grupo estudado, não foram constatadas relações entre qualidade de vida e deficiência auditiva. A variável idade influenciou a presença ou ausência da deficiência auditiva e os aspectos físico e social da qualidade de vida. Não foi constatada influência do gênero na audição e na qualidade de vida dos indivíduos avaliados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Carvalho JAM, Garcia RA. O envelhecimento da população brasileira: um enfoque demográfico. Cad Saúde Publica. 2003, 19(3): 725-33.
2. Kalanche A. Envelhecimento populacional e as informações de saúde do PNAD: demandas e desafios contemporâneos. Posfácio. Cad Saúde Publica. 2007, 23(10):2503-5.
3. Veras R. Envelhecimento populacional e as informações de saúde do PNAD: demandas e desafios contemporâneos. Introdução. Cad Saúde Publica. 2007, 23(10):2463-6.
4. Pearson JD, Morell CH, Gordon-Galant S, Brant LJ, Metter J, Klein LL et al. Gender differences in a longitudinal study of a age-associated hearing loss. J. Acoustic. Soc. Am. 1995, 97(2):1196-205.
5. Morell CH, Gordon-Salant S, Pearson JD, Brant LJ, Fozard JL. Age- and gender-specific reference ranges for hearing level and longitudinal changes in hearing level. J. Acoust. Soc. Am. 1996, 100(4): 1949-67.
6. Megighian D, Savastano M, Salvador L, Frigo A, Bolzan M. Audiometric and epidemiological analisys of elderly in the Veneto region. Gerontology. 2000, 46:199-204.
7. Bogardus Jr S, Yueh B, Shekelle PG. Screening and management of adult hearing loss in primary care. JAMA. 2003, 289(15):1986-90.
8. Bess FH. Hearing impairment. Clinical Geriatrics. 2000, 8(4). Disponível em http://www.clinicalgeriatrics.com/article/193. Acesso em 01 de dezembro de 2007.
9. Heine C, Browning C. Communication and psychocosial consequences of sensory loss in older adults: overview and rehabilitation directions. Disability and Rehabilitation. 2002, 24(15):763-73.
10. Gordon-Salant S. Hearing loss and aging: new research findings and clinical impairment. JRRD. 2005, 42(4):9-24.
11. Bilton T, Ramos LR, Ebel S, Teixeira LS, Tega LP. Prevalência da deficiência auditiva em uma população idosa. O mundo da saúde. 1997, 21(4):218-25.
12. Béria JU, Raymann BCW, Gigante LP, Figueiredo ACL, Jotz G, Roithmann R et al. Hearing impairment and siocioeconomic factors: a population-based survey of na urban locality in southern Brazil. Pan Am J Public Health. 2007, 21(6): 381-7.
13. Amaral LCG, Sena APRC. Perfil Audiológico dos pacientes da terceira idade atendidos no Núcleo de Atenção Médica Integrada da Universidade de Fortaleza. Fono Atual. 2004, 27(7): 58-64.
14. Bance M. Hearing and Aging. CMAJ. 2007, 176(7):925-7.
15. Almeida LG. Qualidade de vida de adultos e idosos antes e depois do uso de próteses auditivas. Canoas, 2007 (Monografia de Conclusão de Curso, ULBRA).
16. Theddy RB. Sintomatologia depressiva em adultos e idosos: efeitos do uso de próteses auditivas. Canoas, 2007 (Monografia de Conclusão de Curso, ULBRA).
17. Gates GA, Mills JH. Presbycusis. Lancet. 2005, 366:1111-20.
18. Yueh B, Shekelle P. Quality indicators for the care of hearing loss in vulnerable elders. JAGS. 2007, 55:5335-39.
19. Teixeira AR. O uso de prótese auditiva na melhoria da qualidade de vida de idosos: um estudo comparativo entre usuários e não usuários. Porto Alegre, 2005 (Tese de doutorado - Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUCRS).
20. Arlinger A. Negative consequences os uncorrected hearing loss - a review. International Journal of Audiology. 2003, 42: 2S17-20.
21. Teixeira AR, Millão LF, Freitas CLR, Santos AMP. Qualidade de vida: uma visão geral. In: Becker Jr B, Gonçalves CJS. Fronteiras em Ciências da Atividade Física e do Esporte. Porto Alegre, Nova Prova, 2006. p. 11-22.
22. Fleck MPA, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L et al. Aplicação do instrumento abreviado de avaliação da qualidade de vida "WHOQOL -bref". Rev. Saúde Pública. 2000, 34(2):178-83.
23. Fleck MPA, Leal OF, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G et al. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação da qualidade de vida da OMS (WHOQOL-100). Rev. Bras. Psiquiatr. 1999, 21(1):19-28.
24. Silman S, Iório MCM, Mizhahi MM, Parra VM. Próteses auditivas: um estudo sobre seu benefício na qualidade de vida de indivíduos portadores de perda auditiva neurossensorial. Distúrbios da comunicação. 2004, 16(2):153-65.
25. Netto MP. O estudo da velhice no século XX: histórico, definição do campo e termos básicos. In: Freitas EV, Py L, Néri AL, Cançado FAX, Gorzoni ML, Rocha SM. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 2006, pp.2-12.
26. Organização Mundial da Saúde. WHO/PDH/97.3 Geneva: WHO, 1997.
27. Site do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. http://www.ufrgs.br/psiq/whoqol.html. Acesso em 07 de fevereiro de 2008.
28. Neri AL. Envelhecimento e qualidade de vida na mulher. Anais do 2º Congresso Paulista de Geriatria e Gerontologia. São Paulo, 2001.p. 1-18.
29. Paschoal SMP. Autonomia e independência. In: Netto, MP. Gerontologia. São Paulo: Atheneu, 1996b. p. 313-23.
30. Pereira RJ, Cotta RRM, Franceschini SCC, Ribeiro RCL, Sampaio RF, Priore SE et al. Contribuição dos domínios físico, social, psicológico e ambiental para a qualidade de vida global de idosos. Rev Psiquiatr. Rio Gd. Sul. 2006; 28(1): 27-38.
1 Doutora em Gerontologia Biomédica. Fonoaudióloga. Professora dos Cursos de Graduação em Fonoaudiologia e Pós-Graduação em Audiologia e Educação Física. Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva - ULBRA - Canoas / RS.
2 Doutora em Ciências do Movimento Humano - UFRGS. Professora de Educação Física. Professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Educação Física - ULBRA - Canoas / RS.
3 Doutora em Psicologia - Universidade Pontifícia de Salamanca. Enfermeira. Professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Enfermagem. Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva - ULBRA - Canoas / RS.
4 Doutora em Psicologia Social - USP. Professora de Educação Física. Professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Educação Física. Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva - ULBRA - Canoas / RS.
5 Doutor em Psicologia - Universidade de Barcelona. Professor de Educação Física e Psicólogo. Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Educação Física - ULBRA - Canoas / RS.
6 Acadêmica do Curso de Fonoaudiologia da ULBRA - Canoas / RS. Bolsista de Iniciação Científica - ULBRA - Canoas / RS.
7 Acadêmico do Curso de Educação Física - ULBRA - Canoas / RS. Pesquisador voluntário.
8 Acadêmica do Curso de Educação Física - ULBRA - Canoas / RS. Bolsista de Iniciação Científica - ULBRA - Canoas / RS.
9 Doutor (a) em Fitotecnia - UFRGS. Biólogo (a). Professor (a) dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Educação Física - ULBRA - Canoas / RS.
10 Doutora em Ciências Biológicas (Neurociências) - UFRGS. Bióloga. Professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Educação Física - ULBRA - Canoas / RS.
11 Doutora em Ciências da Atividade Física e do Esporte - Universidad de León. Professora de Educação Física. Professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Educação Física - ULBRA - Canoas / RS.
12 Doutor em Educação. Universidade Metodista de Piracicaba. Professor de Educação Física. Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Educação Física na Universidade Luterana do Brasil - ULBRA - Canoas / RS.
Instituição: Universidade Luterana do Brasil - ULBRA - Canoas / RS.
Endereço para correspondência: Dra. Adriane Ribeiro Teixeira - Rua Alberto Rangel, 315 - Apto. 911 - Parque Santa Fé - Porto Alegre / RS - CEP 91180-840 - Fax: (51) 3211-2058 - E-mail: adriteixeira@yahoo.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 12 de dezembro de 2007. Cód. 390. Artigo aceito em 10 de fevereiro de 2008.