INTRODUÇÃOA expectativa de vida dos pacientes geriátricos apresentou um importante aumento nas últimas décadas. Estima-se que a população de idosos deverá duplicar até o ano de 2050, alcançando 15% do total da população brasileira. Com este aumento, a prática médica deverá se adaptar ao novo contingente (1).
O paciente geriátrico apresenta 3,5 vezes mais problemas de saúde quando comparado àquele com menos de 65 anos. Ainda, quatro entre cinco pacientes com mais de 65 anos referem pelo menos uma condição crônica, sendo que muitos deles apresentam mais de uma condição associada. Estes pacientes usam com freqüência múltiplas medicações e estão mais susceptíveis aos seus efeitos adversos (2,3).
Os problemas de saúde do idoso levam à dependência e depressão que, somados a problemas otorrinolaringológicos, pioram a interação social do paciente geriátrico (2,4).
Um dos principais objetivos do cuidado a estes pacientes é a manutenção da independência social, da mobilidade e das habilidades cognitivas (5). Os graus variáveis de dependência exigem a identificação individualizada de suas necessidades. Assim, é importante avaliar não apenas o tratamento médico dos pacientes geriátricos, mas também os efeitos sócio-econômicos da mudança demográfica apresentada (1,6).
O objetivo deste estudo foi descrever a prevalência da população geriátrica e suas principais queixas em um ambulatório de otorrinolaringologia.
CASUÍSTICA E MÉTODOForam revisados os prontuários de pacientes com idade igual ou superior a 60 anos atendidos como consulta inicial no ambulatório de otorrinolaringologia e um hospital universitário no período de 22 de janeiro a 20 de abril de 2007. Os casos foram analisados segundo sexo, idade, queixa principal e queixas otorrinolaringológicas associadas.
Do grupo selecionado, foi considerado relevante para o estudo o sexo, idade, queixa principal e queixas otorrinolaringológicas associadas conforme anamnese dirigida. Primeiramente, o número total de pacientes atendidos no período foi comparado com o do grupo em estudo. A partir deste subgrupo, foi analisada a prevalência de pacientes com relação ao sexo. Em seguida, foram identificadas as principais queixas e correlacionadas com aqueles que obtiveram queixas associadas. Os dados foram coletados e transpostos em tabelas para comparação dos resultados.
RESULTADOSDurante o período de estudo, 2.048 pacientes foram atendidos no ambulatório do serviço de otorrinolaringologia de um hospital universitário como consulta inicial, sendo 17,52% (n=359) pacientes com 60 anos ou mais. Dos 359 prontuários de idosos, apenas 221 foram analisados, os demais foram excluídos por falta de dados da anamnese que comprometesse o estudo.
A idade dos pacientes geriátricos variou entre 60 e 92 anos, com uma média de 69,83 anos (Gráfico 1). Houve um predomínio pequeno de 189 pacientes do sexo feminino (52,49%), com uma média de idade menor (68,70 anos) que os 170 pacientes do sexo masculino (71,07 anos).
Considerando a totalidade do grupo (Gráfico 2), a prevalência de sintomas encontrados foi: disacusia 36% (IC 29%-42%); zumbido 14% (IC 9%-18%); demais queixas otológicas (otalgia, cerume, prurido conduto auditivo externo, otorréia, otite, plenitude aural, ferida no ouvido) 10% (IC 6%-14%); queixas nasais (obstrução nasal, rinorréia, rinite, rinossinusite, epistaxe, dor no nariz) 10% (IC 6%-13%); queixas faringoestomatológicas (amigdalites, pigarro, odinofagia, disfagia, tosse, globo faríngeo, glossodínia, halitose) 8% (IC 5%-12%); vertigem 6% (IC 3%-10%); distúrbios vocais (disfonia, cisto nas pregas vocais, laringite) 7% (IC 4%-11%). As demais queixas relatadas somaram 10%. Em 130 casos (36,20%), outras patologias associadas foram relatadas. (IC 95%)
Analisando separadamente as queixas principais de acordo com o sexo dos pacientes (Gráfico 3), houve diferenças com relação à totalidade do grupo. As principais queixas das pacientes do sexo feminino foram: disacusia 36,2% (IC 27%-45%); zumbido 15,5% (IC 9%-22%); demais queixas otológicas 12,1 (IC 6%-18%); queixas nasais 8,6% (IC 4%-14%); vertigem 6% (IC 2%-10%); e queixas faringoestomatológicas 5,2% (IC 1%-9%). As demais queixas com menor representatividade somaram 22,5%. (IC 95%)
Com relação às principais queixas do sexo masculino: disacusia 35,2% (IC 26%-44%); zumbido e queixas faringoestomatológicas ambas com 11,4% (IC 5%-18%); queixas nasais 10,5% (IC 5%-16%); demais queixas otológicas 8,6% (IC 3%-14%); distúrbios vocais 7,6% (IC 3%-13%); e as demais queixas somadas que representaram 15,4%. (IC 95%)
As afecções otoneurológicas e otológicas corresponderam à maioria das comorbidades com 66%, diretamente correlacionadas com a prevalência das queixas principais.
Já as afecções laringológicas foi a segunda queixa mais representativa, equiparando-se com as queixas rinológicas, que representaram 15% e 10%, respectivamente. (IC 95%)
DISCUSSÃONo Brasil, assim como em outros países, há um aumento no número de idosos. Com o crescimento deste segmento da população há um impacto tanto na sociedade quanto na medicina. Os pacientes geriátricos são os que mais utilizam o serviço médico, proporcionalmente. Dados da literatura afirmam que uma população com 12% de idosos usa de 33% do tempo médico (6). No estudo realizado, o número de consultas de pacientes geriátricos correspondeu a 17,53% do total de pacientes ambulatoriais no tempo estudado.
Inúmeros fatores socioeconômicos devem ser considerados no cuidado deste tipo de paciente, pois com o envelhecimento há maior número de comorbidades, utilizando com mais freqüência os sistemas de saúde e seus recursos financeiros. Os dados da literatura apontam como queixas mais freqüentes entre os idosos a perda auditiva, disfagia, distúrbios do equilíbrio, queixas nasais, distúrbios vocais, câncer da cabeça e pescoço e queixas estéticas (3). As queixas em ordem decrescente de prevalência foram: disacusia, zumbido, demais queixas otológicas, queixas nasais e queixas faringoestomatológicas.
A presbiacusia é uma das alterações mais comuns relacionadas ao envelhecimento (2). Na análise realizada, 36% dos pacientes idosos queixavam-se de problemas com a audição, compatível com afirmativas internacionais de que 30% da população apresentam perda auditiva que afeta sua capacidade de comunicação. A perda auditiva relacionada ao envelhecimento afeta a qualidade de vida naquelas pessoas que não tem acesso ao tratamento e conseqüentemente tornam-se isoladas.
Problemas otoneurológicos são os principais motivos que levam o idoso a uma consulta otorrinolaringológica. O número de quedas entre idosos cresce geometricamente com a idade e é uma importante causa de morbidade, assim como o zumbido (4,5). Dados da literatura afirmam que 20% da população acima de 50 anos apresenta zumbido. O estudo realizado revelou que, do total de pacientes estudados, 6% apresentava como principal queixa vertigem e 14%, zumbido. No entanto, se investigada melhor a queixa de disacusia, seria esperado encontrar um aumento do total de queixas otoneurológicas quando somados ao grupo de pacientes com vertigem e zumbido.
A disfagia também é outro problema comum dos idosos (6). Há inúmeras causas possíveis, porém não se pode descartar a hipótese de neoplasia. 5% dos idosos atendidos no estudo queixavam-se de disfagia.
Obstrução nasal, rinorréia, epistaxe e distúrbios da olfação são queixas freqüentes, correspondendo a 10% das queixas. Distúrbios da fisiologia nasal podem levar a estas queixas, bem como presença de neoplasias ou uso de medicamentos, muito comum neste grupo de pacientes (6).
Distúrbios da voz são observados em 12% dos idosos, segundo dados da literatura e em 7% dos dados deste estudo. Há inúmeras transformações relacionadas ao envelhecimento que ocorrem nas cordas vocais e que podem ser responsáveis pelos sintomas do paciente, além de distúrbios neurológicos que podem causar alterações da função vocal (2).
Câncer de cabeça e pescoço é encontrado com freqüência na população idosa e deve ser excluído em cada paciente com uma das queixas citadas acima.
O aumento da sobrevida da população também está acompanhado a um período maior de vida saudável e ativa em comparação com décadas passadas, assim como o aumento de queixas estéticas (1). Os idosos se importam mais com a aparência e serão cada vez mais responsáveis pelo aumento de procedimentos estéticos. Do total, apenas 2% tinham como queixa principal a queixa estética. Se observarmos estes dados apenas no grupo feminino, a porcentagem sobe para 2,6%, confirmando que as mulheres são, sem dúvida, mais preocupadas com a aparência que os homens.
CONCLUSÃOEste estudo conclui que as queixas mais freqüentes na população estudada são de origem otológica (66%), não havendo diferença significativa entre o grupo masculino e feminino.
A comorbidade, avaliada nas queixas secundárias, torna as alterações otológicas ainda mais relevantes.
É importante estar familiarizado com os dados epidemiológicos visando propiciar maior eficácia nos tratamentos deste grupo de pacientes que vem aumentando de forma considerável.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Shapiro DP. Geriatric demographics and the practice of otolaryngology. Ear Nose Throat J. 1999 Jun;78(6):418-21.
2. Bora H, Bandyopadhyay SN, Basu SK, Majhi PK. Geriatric problems in otolaryngology. J Indian Med Assoc. 2004 Jul;102(7):366, 368, 370.
3. Onzotto G, Koffi-Aka V, Yotio A, Ehouo F, Adjoua B, Bamba M. Oto-rhino-laryngology and geriatrics in the Ivory Coast. Rev Laryngol Otol Rhinol (Bord). 2002;123(2):119-23.
4. Lawson J, Fitzgerald J, Birchall J, Aldren CP, Kenny RA. Diagnosis of geriatric patients with severe dizziness. J Am Geriatr Soc. 1999 Jan;47(1):12-7.
5. Weindruch R, Korper SP, Hadley E. The prevalence of dysequilibrium and related disorders in older persons. Ear Nose Throat J. 1989 Dec;68(12):925-9.
6. Clarke LK. Geriatric otorhinolaryngology: embracing the challenge. ORL Head Neck Nurs. 2002 Spring;20(2):6.
1 Médica Otorrinolaringologista. Médica Preceptora do Serviço de Residência de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba.
2 Médica residente do serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (Médica residente do serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba.
3 Acadêmica.
4 Médica.
Instituição: Santa Casa de Misericórdia de Curitiba.
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 17 de fevereiro de 2008. Cod. 417. Artigo aceito em 5 de março de 2008.