INTRODUÇÃO Entre os vários profissionais que utilizam a voz como sua principal "ferramenta de trabalho", sem dúvida tem-se os professores como o grupo mais freqüentemente acometido por alterações vocais, seja pelo uso indevido, seja pelo uso abusivo da função fonatória. Isso se deve pela necessidade de adaptação dos órgãos da fonação, sob a pena do surgimento de sintomas disfônicos, mais ou menos precoces, prejudiciais ao prosseguimento do magistério (1 2, 3).
No Brasil, as estatísticas oficiais mostram que 25% da população economicamente ativa depende da voz para exercer algum tipo de ocupação. Estima-se que 2% dos professores brasileiros, cerca de 25 mil profissionais, serão afastados de suas funções por problemas na laringe e nas pregas vocais (3, 4, 5).
O Instituto de Previdência e Assistência do Município de Belém (IPAMB) em 2005 registrou 182 casos de doenças ocupacionais no serviço público do município. Desses, 47% são da Secretaria Municipal de Educação, dentre esses, 30% sofrem de disfonia e rouquidão aguda, sendo que dessa parcela 19% são professores (6).
Tem por objetivo avaliar as características do trabalho e correlacionar com a ocorrência de rouquidão em professores do ensino fundamental de escolas públicas e particulares na cidade de Belém do Pará.
REVISÃO DA LITERATURA A voz é a reflexão física do pensamento, fundamental para que o ser humano possa se comunicar, transmitindo seus pensamentos e idéias. Constitui uma das extensões mais fortes da personalidade e é um instrumento fundamental na vida profissional do professor, pois é através dela que ele deve convencer e influenciar seus ouvintes. Esse instrumento requer uma adaptação precisa dos órgãos da fonação sob pena do surgimento de sintomas disfônicos, mais ou menos precoces, prejudiciais ao prosseguimento da carreira profissional (2, 7, 8,9).
A importância da voz na comunicação humana é inquestionável. É visível nos dias atuais um aumento progressivo dos profissionais que dependem da voz como instrumento de trabalho. Grande parte dessas atividades decorre das mudanças tecnológicas, que permitem uma comunicação mais ampliada, como o telemarketing (9). No entanto, outros profissionais também utilizam a voz como ferramenta de trabalho: professores, cantores, professores de canto, radialistas, apresentadores de televisão, atores, recepcionistas e políticos (10).
A voz profissional foi conceituada como uma "forma de comunicação oral utilizada por indivíduos que dela dependem para exercer sua atividade ocupacional". A caracterização do uso profissional da voz prescinde da necessidade de que o indivíduo ganhe seu sustento por meio dela (9).
De acordo com pesquisas dos dados do Núcleo de Saúde do Trabalhador, na cidade de Belo Horizonte, feita no ano de 2002, nos últimos 10 anos teve-se um aumento de 7.000 para 35.000 casos de disfonias em trabalhadores (11).
Com isso, os profissionais da voz, dentre eles os professores, são candidatos em potencial a desenvolver alterações vocais (12). Pesquisadores sugerem que a docência é uma das profissões com maior incidência de alterações vocais e envolve alto risco de desenvolvimento de desordens na fala, causando o que se conhece como disfonia ocupacional (13). Todavia, segundo o Consenso Sobre Voz Profissional, realizado no Rio de Janeiro, em agosto de 2004, a expressão "disfonia ocupacional" deve ser substituída por "doença ocupacional" ou "decorrente do trabalho", por representar apenas um dos muitos sintomas que podem compor uma Síndrome de Laringopatia Relacionada ao Trabalho (14).
A disfonia, pouco valorizada durante muito tempo, é considerada hoje um distúrbio importante, com conseqüências que influenciam diretamente a vida profissional e social dos profissionais da voz, principalmente dos professores. Considerada ultimamente como um problema ocupacional, uma vez que diminui a produtividade e regularidade no trabalho desses profissionais (15), representa qualquer dificuldade na emissão vocal que impeça a produção natural da voz (5,12).
Essas alterações vocais são classificadas como: primárias, por uso incorreto da voz; e secundárias, por inadaptação vocal ao ambiente ou à atividade, ou de ordem psicogênica resultante de um processo complexo de influência das emoções vivenciadas pelo indivíduo na sua voz (16). As manifestações podem ser de esforço à emissão; dificuldade de manter a voz; variação na freqüência fundamental, habitual ou na intensidade; rouquidão; falta de volume e projeção; perda da eficiência vocal e pouca resistência ao falar (12).
Os principais tipos de lesões orgânicas resultantes das disfonias funcionais são: nódulos e pólipos das pregas vocais. Os nódulos vocais são protuberâncias bilaterais quase sempre simétricos e localizados na transição dos terços médios e anteriores das pregas vocais. São lesões sésseis e avermelhadas na maioria dos casos. Os pólipos são lesões exofíticas, freqüentemente unilaterais, que se localizam predominantemente na borda livre da metade anterior da porção membranosa da prega vocal. Estas duas alterações da mucosa da prega vocal têm como característica comum, o fato de representarem uma resposta inflamatória da túnica mucosa a agentes agressivos, quer sejam de natureza externa (reações alérgicas crônicas ou inalação crônica de irritantes como gases industriais, giz ou fumaça de cigarro), quer sejam decorrente do próprio comportamento vocal (uso abusivo crônico da voz) (5).
Estudos revelaram que as queixas mais comuns dos professores incluem fadiga e rouquidão, definida como qualquer mudança no caráter vocal (17).
Alguns profissionais utilizam o termo rouquidão como sinônimo de disfonia. No entanto diferentes tipos de disfonias são caracterizados por diferentes padrões acústicos, diversas localizações anatômicas e etiologias variadas, sendo a rouquidão apenas um sintoma de um envolvimento maior (16).
Para caracterizar os fatores de risco para as alterações vocais, devem-se considerar aspectos como a intensidade, o tempo de exposição a esses fatores e a organização temporal da atividade, bem como a duração do ciclo de trabalho e a distribuição dos intervalos (9).
Para tanto, podem-se agrupar esses riscos como: a) fatores organizacionais do processo de trabalho: jornada prolongada, excesso de número de alunos nas salas de aula, acúmulo de atividades ou de funções, demanda vocal excessiva, ausência de pausas e de locais de descanso durante a jornada, falta de autonomia, ritmo de trabalho estressante, trabalho sob forte pressão e insatisfação com o trabalho e/ou com a remuneração; b) fatores ambientais, os quais se dividem em: b.1) riscos físicos: como nível de pressão sonora acima de 65 dB, falta de planejamento em relação ao mobiliário e aos recursos materiais, desconforto e choque térmico, ventilação inadequada do ambiente e utilização de aparelhos de ar condicionado; b.2) riscos químicos: como exposições a produtos químicos irritativos de vias aéreas superiores e exposição a ambientes de trabalho velhos, sujos com poeiras de giz e/ou fumaça (9,17,18).
Além disso, a ocorrência do estresse ocupacional, como fator de risco para alterações vocais, tem sido observado em todas as partes do mundo. O impacto dos fatores estressantes sobre profissões que requerem grau elevado de contato com o público recebe o nome de Síndrome de Burnout, que se caracteriza por uma resposta ao estresse emocional crônico. Dentre os inúmeros tipos de reações que se pode esperar frente a esta Síndrome, tem-se o uso inadequado e abusivo da voz que geram esforços e adaptações do aparelho fonador, deixando o profissional mais propenso ao desenvolvimento de uma desordem vocal (5).
Estudos realizados em escolas de diferentes localidades, dos Estados Unidos, demonstraram que um número significante de professores, especialmente aqueles com múltiplos sintomas, relataram que os distúrbios da voz afetam negativamente suas habilidades profissionais e que suas vozes são uma fonte crônica de estresse e frustração (19).
Além dos riscos diretamente relacionados ao trabalho, outros podem estar presentes e devem ser considerados. Os principais inimigos biológicos da voz são as alterações advindas da idade, alergias, infecções de vias aéreas superiores, influências hormonais, medicações, etilismo, tabagismo e falta de hidratação. Além dessas, há a necessidade de investigar a presença de sinais de refluxo gastroesofágico (9).
Os fatores infecciosos, incluindo as sinusites, diminuem a ressonância e alteram a função respiratória, produzindo modificações na voz. O efeito primário das infecções das vias aéreas superiores é agir diretamente sobre a faringe e a laringe, provocando irritação e edema das pregas vocais. Estes processos infecciosos podem gerar condutas danosas, como o pigarro e a tosse que, por sua vez, podem provocar traumatismos nas pregas vocais (5).
Nos Estados Unidos existem mais de três milhões de professores em atividade. No Brasil, eles representam aproximadamente dois milhões de trabalhadores; sendo que este grupo de profissionais é considerado o de maior risco para apresentar problemas relacionados a desordens ocupacionais da voz quando comparados com a população em geral (9,18).
Estudos recentes demonstraram que cerca de 20% dos professores já faltaram ao trabalho em algum momento de sua vida profissional devido a problemas vocais (20). Diversas pesquisas, realizadas em São Paulo e em outros estados, observaram que 97% das readaptações funcionais por distúrbios da voz estão concentrados entre as profissões relacionadas ao ensino (9).
Em 2001, na 1ª Reunião Pró-Consenso Nacional sobre Voz Profissional, considerou-se que as enfermidades relacionadas ao aparelho fonador, decorrentes ou prejudiciais ao trabalho têm importante impacto social, econômico, profissional e pessoal, representando prejuízo estimado superior a duzentos milhões de reais ao ano, em nosso País (14).
O tema "voz profissional" vem ganhando espaço. Uma iniciativa brasileira de sucesso é a "Campanha da Voz", que hoje é um dos mais importantes acontecimentos internacionais na área da otorrinolaringologia (3).
Tendo em vista o crescente enfoque ocupacional dado a disfonia, torna-se necessário, ao otorrinolaringologista, atualizar a abordagem clínica dos trabalhadores que usam a voz como instrumento de trabalho (15). Para melhor avaliar estes profissionais e garantir um atendimento com respaldo científico adequado, estabeleceu-se um protocolo multidisciplinar, que consiste em anamnese dirigida, exame físico, endoscopia laríngea, análise perceptiva da voz e aplicação do Voice Handicap Index (VHI), que é um questionário de auto-avaliação da capacidade vocal, criado com a finalidade de mensurar as dificuldades experimentadas por indivíduos com distúrbios vocais (15).
Depois de diagnosticada a doença, o tratamento combinado é o que oferece melhores condições ao paciente, utilizando recursos de orientação vocal, reabilitação vocal, terapêutica medicamentosa e procedimentos cirúrgicos conforme necessidade.
A prevenção é essencial devido ao contínuo uso da voz, os professores necessitam preservá-la com técnicas de higiene vocal, grupos de terapia vocal e exercícios vocais (21).
A notificação da doença é fundamental para que seja possível dimensionar e qualificar sua distribuição, viabilizando um planejamento eficaz das ações preventivas e de assistência. Portanto, recomenda-se que havendo suspeita de distúrbio de voz relacionado ao trabalho, deva ser emitida a Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) (9).
Por mais que surjam novas tecnologias pedagógicas, como vídeos educativos, o instrumento de trabalho mais importante de um professor ainda é a sua voz (14). Por ser uma valiosa "ferramenta de trabalho", além de reflexo de nossa saúde física e mental, a voz merece atenção e cuidados especiais (22).
Sendo o educador um sólido modelo para seus alunos, um verdadeiro formador de opiniões, a preocupação com a voz e as repercussões negativas que a mesma traz, tanto para o docente quanto para os alunos tem sido motivo para diversos trabalhos nesta área.
MÉTODO
Aprovação do Comitê de Ética e Autorizações Institucionais Todos os professores envolvidos na presente pesquisa foram entrevistados segundo os preceitos da declaração de Helsinque e Código de Nuremberg, respeitadas as Normas de Pesquisas envolvendo Seres Humanos (Res. CNS 196/96) do Conselho Nacional de Saúde após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UEPA e autorização dos diretores das Escolas pesquisadas na cidade de Belém do Pará. Os professores entrevistados concordaram em fazer parte da pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Para este estudo foram coletadas informações clínicas, pessoais e profissionais através de questionário próprio adaptado daquele utilizado para a auto-avaliação dos professores pela Comissão Tripartite de Normatização para a Voz Profissional do Ministério do Trabalho e Emprego, Subdelegacia do Trabalho SDT 1 Norte/SP.
Foram entrevistados 120 professores do ensino fundamental (1ª a 8ª série) de escolas públicas e privadas, em seus locais de trabalho.
Caracterização do Estudo Este estudo caracteriza-se como prospectivo, individuado, observacional e transversal sendo definido como um inquérito epidemiológico. É estatisticamente não-conclusivo.
A escolha dos professores analisados nesse estudo foi feita de forma aleatória e conforme aceitação das instituições em que lecionavam e dos próprios professores.
Foram incluídos nesta pesquisa 120 professores da 1ª a 8ª série do ensino fundamental, de escolas públicas e privadas, que desempenhassem suas atividades docentes há pelo menos um ano; e que assinassem o termo de consentimento livre e esclarecido, concordando com a metodologia da pesquisa. Foram excluídos desta pesquisa todos os professores que estavam na vigência de tratamento fonoterápico.
Coleta de Informações Clínicas, Pessoais e Profissionais Os dados coletados, a partir de questionário próprio consistiram em: sintomatologia apresentada ao longo de suas vidas profissionais na ocasião da entrevista (rouquidão), tempo de magistério, número médio de alunos por sala de aula, carga horária máxima durante um dia de trabalho, carga horária média durante uma semana de trabalho, condições de climatização das salas de aula (ventilador ou ar condicionado), material utilizado para a escrita (giz ou pincel atômico) e cuidados vocais ao longo da carreira. Ressalta-se que por motivos éticos, foi preservada a identidade de todos os professores. Os dados coletados foram armazenados no BD.
Testes Estatísticos As análises foram realizadas no programa Epi Info 6.04d, empregando para as variáveis categóricas o teste Qui-quadrado ou exato de Fisher. A significância foi avaliada segundo Risco Relativo (RR), considerando-se intervalo de confiança de 95% e p < 0,05.
RESULTADOS Obteve-se resultado similar quanto a presença ou não de rouquidão nos professores expostos a ventilador ou ar condicionado em suas salas de aula. Quinze professores não foram incluídos nesta avaliação por atuarem em ambientes com ambas as formas de ventilação (Tabela 1).
Conforme podemos constatar na Tabela 2, a grande maioria dos professores não mais fazia uso de giz.
Inesperadamente, constatou-se que possuir cuidados específicos com o trato vocal não foi condição de proteção (Tabela 3).
Os professores foram separados em dois grupos, tomando-se oito horas de atividade diária como divisor. Obteve-se relato de professores com 16h de carga horária em seu principal dia de trabalho (Tabelas 4 e 5).
Procurou-se uma amostra homogenia quanto ao tempo de efetiva atividade profissional.
O elevado número de alunos por sala de aula ficou bem evidente, conforme exposto na Tabela 7.
DISCUSSÃO A importância da voz e da comunicação humana é inquestionável. É notório, atualmente, o número crescente de profissionais que dependem da voz como instrumento de trabalho. No entanto, vale ressaltar, que as alterações vocais ocasionadas pelo uso excessivo e muitas vezes inadequado da voz, têm levado diversas categorias, como professores, operadores de telemarketing e radialistas, a situações de afastamento do trabalho e incapacidade para o desempenho de suas funções, implicando assim em custos financeiros e sociais (9).
Atualmente os professores representam o grupo com maior incidência de alterações vocais (1). Em pesquisas realizadas no Brasil e no mundo, as queixas mais citadas pelos professores foram: rouquidão, cansaço vocal, dor ou irritação e pigarro, sendo que entre os brasileiros e os norteamericanos, a rouquidão é o sintoma mais freqüente (17, 22).
Neste estudo, foram entrevistados 120 professores do Ensino Fundamental de Escolas Públicas e Privadas, onde 60 (50%) apresentaram rouquidão em algum momento de suas vidas profissionais.
Dos 105 professores avaliados quanto à relação entre rouquidão e à utilização de ventilador ou ar condicionado (Gráfico 1), 52 apresentaram rouquidão, sendo que 28 (53,84%) davam aulas exclusivamente em salas com ventilador e 24 (46,16%) em salas com ar condicionado. Dessa forma, constatamos que não houve influência significativa do ar condicionado e do ventilador como fatores de risco.
Gráfico 1. Relação entre rouquidão dos professores e utilização de ventilador ou ar condicionado em sala de aula. Fonte: Questionário do estudo.
No entanto, de acordo com a literatura, o ar condicionado é o principal fator de risco para o desenvolvimento de alterações vocais, visto que agride a mucosa das pregas vocais, dificultando sua vibração, o que propicia a formação de secreções e irritações nasais e laríngeas, além de provocar o ressecamento da orofaringe (13,21).
Dos 120 professores entrevistados, 22 foram excluídos da análise da relação entre rouquidão e à utilização de giz ou pincel atômico (Gráfico 2), por servirem-se de ambos os materiais de escrita. Dessa forma, foram analisados 88 docentes que utilizavam somente pincel atômico. Destes, 43 (48,86%) queixaram-se de rouquidão. Em relação aos que utilizavam apenas giz, cinco (50%) dos dez professores referiram a sintomatologia.
Gráfico 2. Relação entre rouquidão dos professores e a utilização de giz e pincel em sala de aula. Fonte: Questionário do estudo.
Neste resultado, não se observou diferença entre os grupos de forma significativa, o que não condiz com a maioria dos trabalhos pesquisados, os quais referem que os professores que utilizam giz estão mais propensos a alterações vocais, pois o hábito de falar voltado para a lousa irrita excessivamente a laringe por facilitar a inspiração de pó de giz, provocando secura e rouquidão na garganta. Além disso, o acúmulo de poeira e pó de giz dentro da sala de aula aumenta a possibilidade do professor desenvolver doenças do aparelho respiratório, como rinopatia alérgica. Contudo, o pincel atômico age como fator de proteção, pois evita que o professor se exponha ao contato com o pó de giz (13). Em virtude destas conclusões, OLIVEIRA (1998) sugerem a troca do giz convencional por pincel atômico.
Com relação à rouquidão e o uso ou não de cuidados vocais (Gráfico 3), metade da amostra geral dessa pesquisa apresentou rouquidão, sendo que destes 45 (75%) não apresentam cuidados vocais, enquanto que 15 (25%) realizam algum tipo de cuidado, como evitar a ingestão de líquidos em temperaturas extremas e evitar falar demasiadamente alto. Este achado está em concordância com ALVES e CAVALCANTI (1998) que relataram ser significante o número de professores que desconhecem e não fazem uso de cuidados vocais. Assim como MENEZES (1996) observaram também que a maioria dos professores apresentou nível de informações insuficiente com relação ao aparelho fonador e aos cuidados específicos com o uso da voz, ficando então mais expostos aos riscos de alterações vocais.
Gráfico 3. Relação entre rouquidão dos professores e a presença ou não de cuidados vocais. Fonte: Questionário do estudo.
Portanto, COSTA (1988) ressaltaram que os professores deveriam ter consciência da importância da higiene vocal, bem como DAMBRÓSIO (2001) defendeu que desde o início da carreira, o professor deveria ser alertado sobre os cuidados vocais necessários como estratégia preventiva para alterações vocais.
Esses cuidados vocais implicam, por exemplo, em não gritar em sala de aula; não fumar; não consumir bebidas alcoólicas; ingerir bastante água; alimentar-se de maneira leve antes do uso profissional da voz, evitar choques térmicos; e não permanecer muitas horas em ambiente com ar condicionado (3,21).
A relação entre rouquidão e carga horária diária de trabalho (Gráfico 4), mostrou que do total dos profissionais avaliados, 60 apresentaram rouquidão, sendo que destes, 31 (51,7%) possuíam carga horária maior que oito horas de trabalho diário e 29 (48,3%) apresentaram carga horária de até oito horas diárias. Tendo em vista esses resultados, a carga horária diária de trabalho não apresentou associação significativa com o desgaste vocal, nessa amostra estudada. Fato este, que está em conformidade com estudos realizados por URRUTIKOETXEA (1995), que não encontraram clara relação entre carga horária e presença de alteração laríngea nos professores.
Gráfico 4. Relação entre rouquidão dos professores e a carga horária diária de trabalho. Fonte: Questionário do estudo.
No entanto, tem-se uma divergência com o trabalho de SOUZA e FERREIRA (2000), que identificaram a carga horária como um fator de risco para agravos à voz, uma vez que apresentou associação estatística significante.
Quanto à rouquidão e a sua relação com a carga horária semanal (Gráfico 5), 60 professores relataram o sintoma. Destes, 39 (65%) trabalhavam até 40 horas semanais e 21 (35%) trabalhavam mais de 40 horas semanais.
Gráfico 5. Relação entre rouquidão dos professores e a carga horária semanal de trabalho. Fonte: Questionário do estudo.
Este dado diverge daqueles do trabalho de PENTEADO (1996), que encontraram associação estatisticamente significante entre carga horária maior que 40 horas e alteração vocal. Diverge também da pesquisa de FUESS e LORENZ (2003) que observaram relação direta entre a freqüência de disfonia e a carga horária semanal.
SOUZA e FERREIRA (2000) observaram que os professores que têm a carga-horária semanal de trabalho acima de 25 horas apresentaram maior prevalência de alterações vocais em comparação com os que tinham uma carga-horária semanal igual ou inferior a 25 horas. Contudo há diferença nos parâmetros de horas de trabalho adotados entre esta pesquisa e o presente trabalho.
Esta relação significativa entre distúrbios da voz e carga horária pode-se dever ao fato do abuso e mau uso da voz concorrer para o aparecimento de uma resposta inflamatória da túnica mucosa das pregas vocais, possibilitando assim o surgimento de lesões orgânicas como nódulos, pólipos e edemas.
Entretanto, o resultado desta avaliação concorda com os trabalhos de ORTIZ (2004) e SAPIR (1993), os quais observaram que a ocorrência de disfonia não sofre influencia direta da carga horária semanal. Nota-se então, que a relação entre alterações vocais e carga horária diária ou semanal é motivo de controvérsia entre pesquisas. Por conseguinte, a relação entre rouquidão e carga horária de aula dos professores fica como um tópico para ser melhor explorado por estudos futuros.
Dos 120 docentes avaliados quanto à relação entre rouquidão e tempo de profissão (Gráfico 6), 60 apresentaram sintomatologia. Desses professores, 39 (65%) referiram ter menos de 15 anos de profissão enquanto 21 (35%) tinham mais de 15 anos.
Gráfico 6. Relação entre rouquidão dos professores e o tempo de profissão. Fonte: Questionário do estudo.
Essa diferença de prevalência é concordante com o trabalho de PENTEADO (1996), o qual verificou que a maioria dos professores disfônicos tinha de 6 a 15 anos de profissão como docente (52,4%). Também condiz com o estudo elaborado por DRAGONE (1999), que constatou que a voz dos professores sofre um desgaste significativo após dois anos de uso profissional no magistério.
Estes resultados possivelmente são explicados pelo fato de que quanto mais novo é o docente, menos experiência e conhecimento este possui em relação às medidas de prevenção aos distúrbios vocais, além de possuir menor capacidade de adaptação frente às inúmeras adversidades encontradas dentro de uma sala de aula, como por exemplo, a competição sonora.
Todavia, estes achados discordam daqueles realizados por ANJOS (1999), a qual observou que a freqüência de ocorrência desses sintomas cresce à medida que aumenta os anos de magistério, provavelmente devido a uma maior exposição à fadiga vocal.
Sob a análise da relação entre rouquidão dos professores e o número de alunos por sala de aula (Gráfico 7), 60 apresentaram rouquidão. Desses, 46 (76,7%) lecionavam para mais de 30 alunos e 14 (23,3%) para menos de 30 alunos.
Gráfico 7. Relação entre rouquidão dos professores e o número de alunos nas salas de aula. Fonte: Questionário do estudo.
Este levantamento é concordante com a maioria dos trabalhos já publicados como, por exemplo, a pesquisa de FUESS e LORENZ (2003), que observou relação direta entre a freqüência de desordens vocais e o número de alunos por classe.
Porém, há trabalhos como o de ORTIZ (2004), que não encontraram diferença significativa entre a ocorrência das alterações vocais e o número de alunos por classe.
Baseando-se nas referências citadas nesse estudo, compreende-se que um número adequado de alunos por classe deve situar-se entre 20 e 30 no máximo, uma vez que o número reduzido de alunos por sala de aula favorece a diminuição do barulho e, portanto, a diminuição da competição vocal entre professor e aluno, além de reduzir a tensão e a intensidade da tarefa do professor.
CONCLUSÃO Na amostra estudada, os resultados indicaram não haver diferença estatisticamente significante na prevalência da rouquidão em relação à utilização de ventilador ou ar condicionado e entre o grupo que se servia de giz ou pincel. No entanto, houve relação significante entre a ausência de cuidados vocais e a rouquidão. Não se constatou clara associação do aparecimento do sintoma pesquisado com a carga horária diária de trabalho, assim como não se evidenciou forte influência da carga horária semanal. No grupo de professores que lecionavam há menos de quinze anos houve uma maior prevalência da rouquidão e, para este sintoma, o número de alunos por sala de aula mostrouse como potencial fator de risco.
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1. Mestrado em Otorrinolaringologia. Doutorando em Neurociências. Preceptor da Residência Médica em Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza da Universidade Federal do Pará. Professor Assistente da Universidade Federal do Pará e da Universidade do Estado do Pará.
2. Médico Graduado pela Universidade do Estado do Pará.
3. Mestrado em Otorrinolaringologia. Preceptora da Residência Médica em Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza da Universidade Federal do Pará. Médica do Trabalho e Professora Assistente da Universidade do Estado do Pará.
4. Graduação. Médica graduada pela Universidade Federal do Pará.
5. Graduação. Aluno do Segundo Ano do Curso de Graduação em Medicina da Universidade do Estado do Pará.
Instituição: Universidade do Estado do Pará. Belém / PA - Brasil.
Endereço para correspondência:
Francisco Xavier Palheta Neto
Centro de Otorrinolaringologia do Pará
Avenida Conselheiro Furtado, 2391, Sala 1608
Cremação - Belém / PA - CEP: 66040-100
Telefones: (91) 3249-9977 / 3249-7161 / 9116-0508
E-mail: franciscopalheta@hotmail.com
Artigo recebido em 15 de abril de 2008.
Artigo aceito em 12 de junho de 2008.