INRODUÇÃO As afecções vasculares do osso temporal cursam com história clínica e exame físico semelhantes e podem ser confirmados com exames de imagem. Os diagnósticos diferenciais mais comuns são: paragangliomas, bulbo de jugular alto e artéria carótida aberrante (1, 2). A adequada identificação de lesão vascular do osso temporal previne complicações relacionadas ao tratamento destas doenças.
Os paragangliomas do osso temporal são tumores bem vascularizados formados por capilares e pré-capilares interpostos por células de origem neuroectodérmica (3). São tumores benignos que raramente malignizam (4, 5). Podem ser encontrados no corpo carotídeo, medula adrenal, bulbo de jugular, nervo de Jacobson (ramo timpânico do nervo glossofaríngeo), nervo de Arnold (ramo auricular do nervo vago), da fossa jugular ao promontório da orelha média (5). Tem sua denominação de acordo com sua origem: glomus jugular, timpânico, carotídeo e vagal.
O bulbo jugular é a região anatômica correspondente à união do seio sigmóide e da veia jugular interna e é denominado bulbo de jugular alto quando há a protusão da veia jugular interna para dentro da cavidade timpânica. É uma variação anatômica que apresenta incidência variável de acordo com a localização: 6% quando situado acima do limite inferior do ânulo timpânico (7) a 25% quando acima do plano inferior da janela redonda (8). PAGE em 1914 (9) fez a primeira descrição do bulbo de jugular alto que cursou com hemorragia pós miringotomia. Outros autores reportaram hemorragia pós elevação de retalho timpanomeatal (10). Ocorre predominância do lado direito o que pode ser explicado pelo alargamento mais pronunciado do seio dural e da veia jugular à direita em 75% dos indivíduos (10), sendo bilateral em 16% dos casos (11).
A artéria carótida interna aberrante na porção intratemporal é extremamente rara acometendo cerca de 1% da população geral (12). Normalmente penetra no osso petroso pelo canal carotídeo separada da veia jugular interna pela bainha carotídea. No segmento vertical inicial está anterior à cóclea e separada da orelha média por uma placa óssea de aproximadamente 0,5mm de espessura (13, 14). O trajeto anormal da artéria carótida interna pode ser explicado por malformação embrionária do 1º e 2º arcos branquiais que resultam na persistência de vasos embrionárias e subseqüentes anastomoses na orelha média, impedindo a formação da placa óssea (12).
O objetivo deste trabalho é relatar cinco casos de afecções vasculares do osso temporal e discutir o diagnóstico diferencial e o tratamento destas lesões.
RELATO DO CASO
Caso 1 Paciente RHL de 55 anos, feminino, branca, procurou atendimento com queixa de zumbido pulsátil em orelha esquerda com 2 semanas de evolução, sem outras queixas. Ao exame físico foi observada lesão vinhosa ocupando o quadrante póstero-inferior da membrana timpânica esquerda, sem déficit de pares cranianos.
Na avaliação audiométrica, os limiares auditivos estavam dentro do padrão da normalidade. A investigação por exames de imagem foi baseada na tomografia computadorizada (TC) de ossos temporais e angiorressonância. Na TC foi observada imagem com densidade de partes moles ocupando parte da cavidade timpânica, imediatamente sobreposta ao promontório. Não foi observada contigüidade da lesão com o hipotímpano (bulbo da jugular), artéria carótida interna ou nervo facial (Figuras 1 e 2). Na angiorressonância não foi visualizada lesão na região da orelha média e foi constatada a agenesia do seio sigmóide à direita, com dilatação contra-lateral. Foi solicitada dosagem do ácido vanilmandélico urinário, um sub-produto da metabolismo das catecolaminas, encontrando-se o mesmo dentro dos padrões da normalidade.
Figura 1. Tomografia computadorizada de ossos temporais, corte axial, demonstrando imagem com densidade de partes moles do lado esquerdo, sobre o promontório (seta).
Figura 2. Tomografia computadorizada de ossos temporais do lado esquerdo, corte coronal, demonstrando imagem com densidade de partes moles, sobre o promontório e abaixo da janela oval (seta).
A paciente foi submetida a tratamento cirúrgico sendo utilizada como via de acesso a abordagem retroauricular com canaloplastia para visualização adequada das margens da lesão e ressecção da mesma em sua totalidade. O exame anátomo-patológico confirmou o diagnóstico clínico pré-operatório de paraganglioma.
Evoluiu nos três primeiros meses de pós-operatório sem complicações. Foi realizado exame audiológico no terceiro mês pós-operatório com limiares semelhantes ao exame pré-operatório.
Caso 2 Paciente EPZ, 61 anos, feminino, branca, procurou ambulatório com queixa de prurido e obstrução nasal, sem outras queixas. Ao exame físico foi observada uma imagem vinhosa, sobre o promontório em orelha esquerda. A paciente não apresentava comprometimento de pares cranianos. O exame audiométrico revelou limiares auditivos dentro dos padrões da normalidade. Foi solicitado TC de ossos temporais que evidenciou imagem com densidade de partes moles, restrita ao promontório do lado esquerdo e sem contigüidade com o bulbo da jugular, artéria carótida interna ou nervo facial (Figura 3).
Figura 3. Tomografia computadorizada de ossos temporais do lado esquerdo, corte coronal, demonstrando imagem com densidade de partes moles, sobre o promontório e abaixo da janela oval (seta).
Foi optado por tratamento cirúrgico, com a mesma abordagem descrita para a paciente anterior. O exame anatomo-patológico confirmou o diagnóstico clínico inicial de paraganglioma timpânico. No acompanhamento, um mês após a cirurgia, foi realizado exame audiométrico com resultado normal.
Caso 3 Paciente LHS, 8 anos, masculino, pardo, procurou ambulatório com queixa de roncos noturnos, respiração oral e hipoacusia. Ao exame físico foi observada membrana timpânica retraída com perda de brilho à esquerda e efusão retrotimpânica à direita. O exame audiométrico pré-operatório revelou disacusia condutiva à direita com curva tipo B bilateral. Foi indicado miringotomia à direita com inserção de tubo de ventilação e miringotomia à esquerda. Durante o procedimento cirúrgico foi observada hemorragia em orelha direita. Optou-se por suspensão do procedimento e foi solicitada TC de ossos temporais que evidenciou bulbo de jugular alto, com falha de continuidade da camada óssea no assoalho da cavidade timpânica à direita (Figuras 4 e 5).
Figura 4. Tomografia computadorizada de ossos temporais, corte axial, demonstrando bulbo de jugular alto com camada óssea incompleta do lado direito (seta).
Figura 5. Tomografia computadorizada de ossos temporais, corte coronal, demonstrando deiscência de camada óssea e presença de massa com conteúdo de partes moles em assoalho de cavidade timpânica (bulbo de jugular) do lado direito (seta).
O paciente foi submetido a acompanhamento clínico semestral e controle por audiometria. O exame audiométrico após três meses da intervenção cirúrgica evidenciou disacusia condutiva à direita e curva tipo C.
Caso 4 Paciente FCS, 61 anos, feminino, parda, procurou ambulatório com queixa de otorréia crônica, hipoacusia e zumbido pulsátil á direita. Ao exame físico foi observada membrana timpânica com perfuração em quadrante ânterosuperior e lesão vinhosa e não pulsátil em quadrante ântero-inferior à direita e normal à esquerda. O exame audiométrico revelou disacusia condutiva à direita com gap de 25dB de 250 a 8000Hz não foi realizada timpanometria.
A investigação por imagem foi baseada em TC de ossos temporais que evidenciou bulbo de jugular alto com falha de continuidade da camada óssea no assoalho da caixa timpanica à direita (Figura 6).
Figura 6. Tomografia computadorizada de ossos temporais, corte axial, demonstrando bulbo de jugular alto com camada óssea incompleta do lado direito (seta).
Foi optado pelo acompanhamento clínico da paciente e orientação quanto as possíveis complicações da manipulação da orelha média à direita.
Caso 5 Paciente MSO 64 anos, feminino, branca, procurou atendimento com queixa de otorréia crônica, hipoacusia, zumbido pulsátil à direita e sintomas vertiginosos intermitentes. Ao exame físico foi observada membrana timpânica com perfuração em quadrante póstero-superior e lesão vinhosa e pulsátil em quadrante ântero-inferior do lado direito e orelha esquerda sem alterações. Na avaliação audiométrica foi observada disacusia condutiva à direita com gap de 30db e à esquerda disacusia neurossensorial em 8000Hz. Não foi realizado teste imitanciométrico.
A investigação por imagem foi baseada em TC de ossos temporais que evidenciou lesão intratimpânica e ausência da cobertura óssea do canal carotídeo do lado direito (Figuras 7 e 8). Foi optado pelo acompanhamento clínico da paciente e orientação quanto as possíveis complicações da manipulação da orelha média do lado direito.
Figura 7. Tomografia computadorizada de ossos temporais, corte coronal, demonstrando deiscência de camada óssea e presença de lesão com densidade de partes moles em assoalho de cavidade timpânica (carótida interna aberrante) do lado direito (seta).
Figura 8. Tomografia computadorizada de ossos temporais, corte axial, demonstrando canal carotídeo íntegro do lado esquerdo e ausência da cobertura óssea do canal carotídeo e lesão com densidade de partes moles do lado direito (seta).
DISCUSSÃOAs afecções vasculares do osso temporal apresentam manifestações clínicas e exame físico semelhantes, porém com etiologia variada podendo comprometer diversas estruturas nobres.
O paraganglioma é a neoplasia benigna mais comum da orelha média sendo importante a suspeita diagnóstica quando evidenciado lesão vinhosa na porção inferior da membrana timpânica associada a zumbido pulsátil e hipoacusia. O primeiro caso apresentou inicialmente zumbido pulsátil, sendo este de acordo com a literatura o sintoma mais comum (6). Outros sintomas que podem estar relacionados são: hipoacusia, otalgia, plenitude aural, vertigem, otorragia e cefaléia. Entretanto, pela característica de crescimento lento do tumor, muitas vezes os sintomas aparecem quando o tumor já atingiu grandes dimensões. A hipoacusia é inicialmente do tipo condutiva evoluindo para neurossensorial nos casos com comprometimento coclear (6). A impedanciometria pode demonstrar o deslocamento da agulha do balanciômetro sincronicamente com o pulso do paciente (15). Nos casos apresentados, devido ao estado inicial da doença, a audiometria era normal e na otoscopia foi visualizada tumoração vinhosa retrotimpânica e bem delimitada.
A TC é o método de escolha para investigação dos paragangliomas por definir os limites ósseos, a localização e a extensão do tumor na orelha média, sendo suficiente para o diagnóstico dos casos apresentados. Para auxiliar no diagnóstico a ressonância magnética pode ser utilizada para delimitar relações do tumor com partes moles do pescoço, grandes vasos ou extensão intracraniana, enquanto a arteriografia digital demonstra a lesão vascular e os vasos que irrigam o tumor (1).
As opções de tratamento podem ser paliativas e definitivas de acordo com a localização e extensão do tumor, idade e estado geral do paciente. Nos pacientes muito idosos, sem condições clínicas adequadas, a radioterapia ou o acompanhamento clínico podem ser indicados (4, 6).
O tratamento definitivo e de escolha é o cirúrgico. A abordagem retroauricular com extensão para o recesso do facial e hipotímpano é recomendável quando não for possível a visualização de todos os limites do tumor (6). Nos casos relatados de paraganglioma a abordagem cirúrgica foi retroauricular com pequena canaloplastia. Após identificação do mesmo procedeu-se o descolamento do tumor do promontório e cauterização do pedículo vascular.
O bulbo de jugular alto é uma alteração morfológica das veias intracranianas no qual a veia jugular interna protrui para dentro da cavidade timpânica. Possui incidência variável de 6 a 25% de acordo com a localização (7, 8), sendo mais comum do lado direito (11). Clinicamente pode se apresentar asintomático, sendo menos freqüente a presença de sintomas como zumbido pulsátil, hipoacusia condutiva ou neurossensorial (7). Á otoscopia pode se apresentar normal ou com lesão arroxeada no quadrante póstero-inferior da membrana timpânica, como no exame físico do quarto caso.
A TC é o exame de eleição, pois delimita a anatomia óssea e pode diferenciar das outras lesões vasculares. Em caso de dúvida após a TC a avaliação diagnóstica pode ser complementada com angiografia não-invasiva (1). Nos pacientes deste estudo a TC de ossos temporais evidenciou fossa jugular alta com camada óssea incompleta no assoalho da cavidade timpânica e protrusão de partes moles no interior da orelha média, suficiente para estabelecer o diagnóstico de bulbo de jugular alto.
O tratamento pode ser clínico, cirúrgico ou embolização. Alguns autores demonstraram falhas do tratamento cirúrgico em pacientes com perdas condutivas desencadeadas por bulbo de jugular alto, sem reversão da perda após a cirurgia (9). Devido as altas taxas de insucesso e de morbidade com o tratamento cirúrgico optou-se pelo acompanhamento clínico dos pacientes.
A artéria carótida aberrante na região intratemporal é extremamente rara (12). Os pacientes podem ser assintomáticos ou apresentar zumbido pulsátil, perda auditiva condutiva, otalgia, plenitude aural e vertigem (14). A paciente se apresentou com hipoacusia condutiva, zumbido pulsátil e sintomas vertiginosos intermitentes. A disacusia pode ser do tipo condutiva quando a lesão atinge o nível da janela redonda, articulação incudo-estapediana ou membrana timpânica, na timpanometria pode-se observar curva tipo B, semelhante ao quinto caso. A TC define as estruturas ósseas do osso temporal e a organização vascular e foi suficiente para confirmar o diagnóstico evidenciando lesão com densidade de partes moles arredondada na porção inferior da membrana timpânica à direita confirmando o diagnóstico de artéria carótida interna aberrante do lado direito.
CONCLUSÃO O diagnóstico etiológico das diversas afecções vasculares do osso temporal é importante devido ao risco de complicações relacionadas à manipulação inadvertida. O diagnóstico baseado na história clínica e exame físico podem não ser suficientes, sendo necessários exames de imagem como tomografia computadorizada e ressonância magnética.
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1. Médica Residente (R2) do Serviço de Otorrinolaringologia do HSPM.
2. Médico Residente (R3) do Serviço de Otorrinolaringologia do HSPM.
3. Médico Otorrinolaringologista. Ex-Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do HSPM.
4. Médica Otorrinolaringologista. Médica Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do HSPM e do Hospital CEMA.
5. Doutora em Otorrinolaringologia pela FMUSP. Médica Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do HSPM e DERDIC/PUCSP.
6. Doutor em Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP. Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do HSPM.
Institução: Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM) de São Paulo. São Paulo / SP - Brasil.
Endereço para correspondência:
Teresa Cristina Mendes Higino
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Telefone: (11) 6163-9251 - E-mail: te_higino@hotmail.com
Artigo recebido em 17 de julho de 2007.
Artigo aceito em 17 de maio de 2008.