INTRODUÇÃO A ossificação do labirinto membranoso, ou labirintite ossificante (LO), é usualmente uma seqüela de infecção, frequentemente de labirintite supurativa (1). Esta pode se desenvolver através de três vias de disseminação de infecção: hematogênica, meningogênica ou timpanogênica. A LO é o resultado final da labirintite supurativa, independente da origem da infecção (2). Outras causas incomuns incluem tumores, otosclerose avançada, fratura de osso temporal e hemorragia de orelha interna (3). A LO resulta em perda auditiva profunda e devido ao processo de ossificação pode impedir a realização de implante coclear (IC) (4, 5). A tomografia computadorizada de alta resolução (TC) tem facilitado o diagnóstico de LO (6) e nos permite avaliar a viabilidade do IC (7).
RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, com sete anos de idade queixando-se de hipoacusia em orelha esquerda há um ano e quatro meses, inicialmente percebida pela mãe e de evolução lentamente progressiva. O paciente não apresentava história de infecções otológicas prévias, apenas um episódio de otite média aguda há um mês, que melhorou com o tratamento. Não apresentava dificuldade de aprendizado, história familiar de hipoacusia, infecções gestacionais ou outras doenças.
Observou-se: membrana timpânica de aspecto normal à otoscopia bilateralmente, teste de Weber lateralizado para a direita e audiometria tonal com limiares normais à direita e perda auditiva profunda à esquerda. A audiometria de tronco encefálico (ABR) era normal à direita e mostrava ausência de resposta a 105 dB à esquerda. A TC de ossos temporais revelou uma ossificação labiríntica à esquerda.
DISCUSSÃO A injúria labiríntica que resulta em disacusia profunda, com ossificação coclear ou LO, pode ocorrer após vários tipos de dano otológico (8) sendo usualmente uma sequela de infecções. Estas podem atingir a orelha interna através da corrente sanguínea (hematogênica), da orelha média (timpanogênica) ou das meninges (meningogênica) (1, 9). No caso relatado acreditamos que a LO trata-se de sequela de labirintite timpanogênica, embora não existam eventos de infecção otológica prévios a hipoacusia documentados. A labirintite timpanogênica é a causa mais comum de LO (6). O caminho pelo qual a infecção da orelha média atinge a orelha interna foi estudado por vários autores. Estes trabalhos identificaram a janela da cóclea como principal via de disseminação da infecção para a orelha interna, mas a mesma também pode ocorrer pela janela do vestíbulo ou por ambas as janelas. PAPARELLA et al. (10). descreveu uma alta incidência de alterações histopatológicas da orelha interna, secundárias a otite média. Tais alterações foram observadas mais frequentemente na escala timpânica, o que corrobora a afirmação de que a janela da cóclea seria a principal via de disseminação. Porém a ossificação é mais densa e extensa nos casos de meningite meningogênica durante a infância (11). Nestes casos, a infecção atinge a orelha interna através do espaço subaracnóideo, do aqueduto coclear e do meato acústico interno (1, 6, 12). A ossificação geralmente ocorre bilateralmente nestes pacientes, e pode ser constatada em três a quatro meses após o quadro de meningite bacteriana. Nosso paciente também não apresentava história de meningite e a ossificação ocorreu de forma unilateral. No que diz respeito à labirintite hematogênica, a infecção intra-uterina é a causa mais comum, estando associada aos vírus do sarampo e da caxumba. A labirintite hematogênica ocorrendo a partir de um foco oculto ou a distância é rara (6). Traumatismo, incluindo o trauma cirúrgico, é uma causa conhecida, porém de mecanismo ainda indefinido. Independente da etiologia, a patogênese da LO envolve um estágio agudo inicial, com a presença de bactérias e leucócitos, usualmente nos espaços perilinfáticos. Segue-se uma fase caracterizada por proliferação de fibroblastos e fibrose, culminando após em estágio de ossificação propriamente dito (3). Os fibroblastos são presumivelmente a fonte de formação da substância de ligação e das fibras da matriz osteóide (13). A evolução da hipoacusia é lentamente progressiva e uma disacusia neurossensorial profunda e irreversível é a regra. Tal evolução foi observada no caso relatado. O paciente pode experimentar também tontura de grau variado, seja durante o quadro infeccioso agudo ou durante a evolução da doença (2). O achado de LO na avaliação radiológica possui importância clínica, pois justifica o achado de hipoacusia no exame audiométrico, assim como eventuais distúrbios de equilíbrio do lado afetado. A TC pode demonstrar esclerose, irregularidade ou obliteração da cóclea, vestíbulo e canais semicirculares, com diferentes graus de comprometimento. O estudo tomográfico da extensão da doença pode tornar mais fácil a identificação de qual paciente será ou não auxiliado pelo IC (7). A ossificação pode tornar difícil a implantação do eletrodo. Inicialmente, mesmo a LO discreta era considerada contra-indicação para implantação dos aparelhos de multicanal (14). Hoje o cirurgião possui muitas opções. A ossificação moderada do giro basal pode ser perfurada através de uma abordagem convencional através do recesso facial. Nos casos severos, o eletrodo pode ser inserido parcialmente (15). Em nosso caso não existe indicação de implante coclear, pois a audição contra lateral é normal.
Figura 1. Ossificação labiríntica a esquerda (seta) e estruturas labirínticas normais a direita.
Figura 2. Tomografia axial computadorizada de osso temporal em corte coronal mostrando ossificação labiríntica a esquerda (seta).
COMENTÁRIOS FINAISA inflamação da cápsula ótica, de etiologia infecciosa ou não, é evento inicial em um processo de destruição do labirinto membranoso que culmina na ossificação das estruturas da orelha interna. Esta, também conhecida como LO leva o paciente a experimentar um quadro de hipoacusia profunda, de caráter irreversível, acompanhado ou não de desequilíbrio, que pode ter implicação importante no desenvolvimento sócio-educacional. O diagnóstico é facilitado pelos exames de imagem (TC), que também tem importante papel na indicação de IC para os casos selecionados.
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1. Médico Otorrinolaringologista. Especializando em Cirurgia de Cabeça e Pescoço no HSPE-SP.
2. Médico Residente em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço no HSPE-SP (R2).
3. Médica Especialista em Otorrinolaringologia. Médica Assistente da Otologia do HSPE-SP.
4. Doutor em Otorrinolaringologia pela UNIFESP. Diretor do do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HSPE-SP.
Instituição: Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo - FMO. Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. São Paulo / SP - Brasil.
Endereço para correspondência:
Leandro Ricardo Mattiola
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Telefone / Fax: (11) 5088-8406 - E-mail: lmattiola@hotmail.com
Artigo recebido em 31 de maio de 2007.
Artigo aceito em 8 de novembro de 2007.