INTRODUÇÃOA
Internacional Federation of Oto-Rhino-Laryngological Socities-IFOS- estima que haja cerca de 10% da população mundial com perdas auditivas. O
Better Hearing Institute afirma que 10% da população dos EUA apresentam algum tipo de perda auditiva. O Censo brasileiro de 2000 identificou 5.735.099 como portadores de perdas auditivas, um contingente maior que o dos portadores de deficiência física ou mental e ligeiramente inferior ao contingente de portadores de deficiência motora. Pesquisadores da Universidade Luterana em Canoas (RS) num estudo de 2004 identificaram como 6,8% da população local como portadores de perda auditiva incapacitante. Deste total 5,4% com perdas moderadas, 1,2% com perdas severas e 0,2 % com perdas profundas (1). A considerar que a população brasileira atual seja de cerca de 190 milhões de habitantes contabilizaríamos mais que 10 milhões de portadores de perdas auditivas incapacitantes (acima de 41 dB). A utilizar o padrão de 10%, o contingente brasileiro de portadores de deficiência auditiva alcançaria 19 milhões de pessoas ou toda a população combinada da Dinamarca, Noruega e Suécia.
Muitos são as causas que contribuem para o aumento deste contingente dentre os quais a presbiacusia, as doenças hereditárias, doenças metabólicas, o uso de drogas ototóxicas, traumas acústicos, excesso de ruído, neoplasias diversas, infecções e danos vasculares. Dentre os efeitos resultantes destacam-se a ansiedade, a frustração, a paranóia, insegurança, instabilidade emocional, depressão, fobia social, sensação de frustração e incapacidade de orientação (2).
Do ponto de vista da audiologia clínica todo portador de deficiência auditiva pode ser candidato em potencial ao uso de um Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) ou prótese auditiva (3,4). Com o aumento da longevidade da população mundial pode-se arriscar na afirmação de que a surdez será uma das doenças do século XXI.
O cerne de um AASI digital é sua configuração eletrônica, a qual compreende um circuito computadorizado para processamento de sinais ou processador digital de sinais (DSP) e os transdutores, seja o de entrada (microfone) e o de saída (receptor) (5,6).
Os valores atualmente praticados pelas indústrias internacionais que dominam este mercado impossibilitam o acesso de milhões de portadores de deficiência auditiva seja para a habilitação ou para a reabilitação auditiva. Deste modo, um AASI de baixo custo projetado sob um circuito eletrônico genérico poderia se tornar uma opção frente aos AASIs importados. Foi através da Portaria nº 626 de 23 de março de 2006, a qual definiu e os serviços de atenção à saúde auditiva e os limites físicos e financeiros dos Estados, Distrito Federal e Municípios, que o Governo Federal investiu R$ 13.764.814,80 para a protetização de 4.903 indivíduos a um custo de R$ 2.807,43 por indivíduo protetizado. Com o Governo a participar destas políticas os clientes no varejo podem se tornar também beneficiados por criarse uma demanda racional ao uso de AASIs.
O objetivo deste trabalho é o de desenvolver 25 protótipos de AASIs digitais e de baixo custo em particular no desenho BTE (behind-the-ear) ou retro auricular, dispostos sob um circuito eletrônico genérico e que apresentem recursos eletroacústicos não inferiores aos AASIs de mesmo desenho e que apresentem também mesmo nível de recursos daqueles AASIs hoje comercializados no mercado brasileiro de acordo com a portaria n° 626.
Definimos como circuito eletrônico genérico aquele que permita a montagem de inúmeros modelos de AASIs com base nos mesmos componentes eletrônicos, o que acarreta em custos menores no desenvolvimento, melhor domínio sobre as variantes de produção e de assistência técnica, menores custos de estoque e menor custo operacional.
Procurou-se desenvolver um AASI que atendesse as perdas auditivas classificadas de moderada-severas (de 56 a 70 dB), faixa esta onde estão situados os níveis mais altos de amplificação (7). O desenho do AASI definido é o BTE, por apresentar inúmeros benefícios quando comparados de modo direto com AASIs dos desenhos CIC (completlyin- the-canal), conhecidos como micro canais ou ITC (inthe- canal), conhecidos como intra canais. Dentre estes benefícios:
I - Permite maior área para testes e ensaios com diferentes componentes (possui uma ampla caixa).
II - Permite a medição dos parâmetros finais de produtos prontos para imediata protetização.
III - Possui o menor tempo para protetização quando comparado com outros desenhos.
IV - Permite a inserção do maior número de recursos possíveis em um mesmo produto.
V - Em um teste com pacientes permite uma comparação direta com BTEs de outras marcas, pois é aproveitado o mesmo molde do paciente.
VI - Pode atender a Organização Mundial da Saúde em seu programa de fornecimento de AASIs para os países em desenvolvimento (8).
VII - Permite o acesso ao maior número de pacientes.
VIII - Apresentam menor nível de quebras que os CICs e ITCs.
MÉTODOTodo o projeto de desenvolvimento destes AASIs foi realizado no Laboratório de Investigação Médica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo - LIM-32.
Destacam-se 10 fases:
1 - Identificação de fabricantes de componentes.
1.1 - Microfones e receptores - são os transdutores de pressão sonora. Definimos os transdutores da Knowles para este fornecimento.
1.2 - DSP (Digital Signal Processing) - o processador digital de sinais, que é o principal componente. Iniciamos em 2006 nosso projeto com o GA3216, mas depois de quase dois anos migramos para o GA3226, ambos da Sound Design Technologies Ltd. (SDT), nova razão social da divisão de DSPs para AASIs da Gennum Corp.
1.3 - Caixa plástica - caixa onde os componentes ficam alojados em seu interior. Definimos a caixa e seus componentes da In'Tech Industries Inc.
1.4 - Demais partes.
Potenciômetro, soquete e o botão de programação e bobina telefônica foram definidos como da Deltek (divisão da Knowles). As suspensões e tubos do microfone e de receptor foram confeccionados a partir de tubos de silicone disponíveis no mercado brasileiro
2 - Identificação dos componentes.
Utilizamos para o processo de seleção de componentes o QFD (Desdobramento da Função Qualidade), que é uma técnica japonesa utilizada no desenvolvimento de produtos (9).
3 - Aquisição dos componentes.
Com exceção dos tubos de silicone, todos os demais componentes foram importados. O processo de importação inicia-se com um pedido de cotação e culmina com a entrega das peças por entregador internacional.
4 - Montagem do circuito eletrônico genérico.
4.1 - Criação de um mapa (definição dos componentes do circuito eletrônico);
4.2 - Montagem de uma biblioteca (definição de todos os recursos, intervalos de ajuste, estabelecimento de níveis de operacionalidade, entre outros) (10,11).
Para definição do mapa (map) e da biblioteca (library) realiza-se a conexão on-line com o servidor da SDT através do conjunto de aplicativos ARK (Application Resource Kit T), o qual demanda por autorização e uso de senha fornecida pela SDT (12,13).
Do servidor da SDT foram então obtidas as bibliotecas (DLLs) que são descarregadas do servidor diretamente para o PC. No PC foram instalados um conjunto de aplicativos complementares do ARK:
I - ARK Component Manager (função básica é o de permitir a instalação e desinstalação de bibliotecas);
II - Controller Toolbox (certifica o tipo do controlador e verifica a conectividade eletrônica);
III - Interactive Data Sheet (permite a personalização das condições de funcionamento do AASI e habilita o reconhecimento do AASI no programa de adaptação).
5 - Montagem do circuito e soldagem dos componentes.
A montagem do circuito eletrônico seguiu conforme a disposição dos pinos do DSP modelo GA3226 disponível no respectivo manual.O processo de solda de todos os componentes obedeceu às especificações dos referidos fabricantes (14,15,16).
6 - Verificação da Conectividade.
A operacionalidade do circuito foi verificada através da microfonia observada quando este é alimentado com uma bateria. A conectividade eletrônica, no entanto, somente é assegurada quando utilizado os softwares e demais recursos listados no item 4.
7 - Personalização dos recursos.
Todos os recursos intrínsecos ao funcionamento do AASI serão determinados neste estágio, assim como os recursos os quais o fonoaudiólogo terá acesso.
8 - Testes com estetoscópio.
Os AASIs depois de montados passaram por uma triagem, ou seja, foram alimentados com baterias novas e previamente testados com o uso de estetoscópio. Um ouvido treinado permite identificar problemas antes de prosseguir com os testes em equipamentos de investigação acústica.
9 - Testes com equipamentos de investigação acústica.
O equipamento de investigação acústica utilizado foi o modelo CAS, da marca Danavox, executados por laboratório independente.
O BTE montado foi batizado de Manaus.
10 - Realização do software para adaptação (fitting).
O programa de adaptação (fitting) é disponibilizado pela DST e foi personalizado com inserção de figuras, textos, entre outros, através do aplicativo Customization Tool, sob licença da SDT. O fitting foi traduzido para o português e batizado de AdaptEASY. O fitting funciona muito bem mesmo em configurações modestas como Pentium 2 com 512 Mbytes de RAM e disco rígido de 4 Gbytes, não demandando por altos investimentos em hardware para o fonoaudiólogo. O programador universal utilizado foi o HI-PRO (marca GN ReSound). Através de um soquete de programação o AASI é conectado ao HI-PRO por um cabo de comunicação tipo CS44 de uso padronizado na indústria. Os ajustes de programação definidos no AdaptEASY são gravados na memória do AASI.
Descrito de forma sucinta o processamento de sinais ocorre a partir das variações de pressão sonora, as quais são captadas pelo microfone e que passam inicialmente por um conversor análogo-digital onde os sinais elétricos de entrada (analógicos) são transformados em pulsos digitais. Os programas são armazenados como instruções matemáticas o que permite o processamento e armazenamento digitais destes sinais. Após então, estes sinais digitais passam por um conversor digital-analógico onde o sinal a ser amplificado retorna a sua forma primitiva, seja como variações elétricas análogas às variações de pressão sonora captados na entrada. Por fim, estas variações elétricas são entregues a um circuito de amplificação e daí segue para o receptor, onde as estimulações acústicas amplificadas seguem para o meato acústico interno do paciente através de um molde de acrílico ou de silicone.
O fitting permite ao fonoaudiólogo total controle dos recursos do AASI através da gravação e ajustes destes recursos no próprio AASI. Adicionalmente permite arquivar os dados do paciente no PC de modo a controlar, entender e ajustar o AASI durante o ciclo de vida do AASI (Figura 1).
Figura 1. Uma das telas do fitting AdaptEASY.
A Figura 2 mostra a seqüência utilizada para o desenvolvimento de um AASI digital como o Manaus, destacando os processos executados on-line com a SDT e os processos executados no estado stand alone.
Figura 2. Processo de desenvolvimento do Manaus.
Para avaliar o desempenho do circuito eletrônico genérico fora utilizada outra técnica japonesa, seja as Técnicas de Taguchi aplicadas na engenharia da qualidade (17). Estes resultados não foram publicados até o momento.
RESULTADOSNa figura seguinte se observa o aparelho montado em vista explodida, com destaque para os componentes do circuito eletrônico genérico (Figura 3).
Figura 3. Vista explodida do Manaus.
Na próxima figura pode-se verificar o aspecto interno de um BTE modelo Manaus (Figuras 4 e 5).
Figura 4. BTE modelo Manaus em estágio final de montagem.
Figura 5. Tela do equipamento utilizado para levantamento das curvas do Manaus. Norma IEC 60.118-7.
Tanto o ganho quanto a saída ficaram estáveis. O parâmetro ruído de fundo (input noise) ficou limitado a 28 dB e o maior valor de distorção obtido foi 4% em 500 Hz. A corrente de dreno (não mostrada por conta de não haver disponível o adaptador para medição de corrente) ficou em 1 mA no pior caso.
O software de adaptação AdaptEASY permite a adaptação em três simples passos sendo de fácil utilização, auto-explicativo além de demandar por baixos investimentos em hardware. Permite ainda um número ilimitado de inserção de dados de pacientes. Após a conexão o AdaptEASY permite a inserção de dados do paciente (notoriamente dados pessoais e dados da audiometria); posteriormente ele avança para a tela de seleção do AASI sendo que na última tela o AdaptEASY permite ao fonoaudiólogo o acesso aos recursos do AASI, inclusive identifica o número de série dos AASIs a ele conectados para fins de rastreabilidade.
Abaixo (Figura 6) pode-se verificar num diagrama de blocos simplificado com os principais componentes e suas localizações dentro e fora do ASSI.
Figura 6. Diagrama em blocos simplificado do Manaus.
Foram montados 25 AASIs modelo Manaus. Os AASIs apresentaram os seguintes resultados:
Saída ajustável até 132 dB; Ganho estável de até 62 dB; Baixo consumo de bateria; Baixa distorção harmônica. O aparelho apresenta, dentre outros, os seguintes recursos:
Gerenciador adaptativo de microfonia; Compressor de Área Dinâmica Ampla (WDRC) de 1, 2 ou de 4 canais; Equalizador gráfico de 12 freqüências;Até 4 programas de conforto;Filtro personalizável de ajuste de divisão de freqüências (crossover) assim como ajuste de ponto de joelho (knee point). O valor final do Manaus foi de U$ 149.99.
DISCUSSÃO O mercado mundial de AASIs é abastecido com transdutores das marcas Knowles, Sonion e Tibbetts, sendo que este último fabricante possui poucos modelos voltados para indústria de AASIs. Este foi o motivo de trabalharmos com transdutores das outras duas marcas. Contudo, optamos por Knowles, por conta de ter obtido os melhores resultados numa ampla série de ensaios.
Para se desenvolver um aparelho auditivo que permitisse a montagem de um circuito eletrônico genérico mantivemos contatos com fornecedores no mercado nacional e internacional que tenham credibilidade, qualidade e que acima de tudo se dispõe a participar neste projeto, o que corresponde dizer que poderia fornecer amostras, disponibilizar suporte técnico e eventualmente treinamento técnico internacional no nível básico e avançado e que fosse fornecedor deste componente para vários fabricantes de AASIs. Os fabricantes de AASI voltam-se aos fornecedores de DSPs que abastecem a indústria, sejam a SDT, DSP Factory, Etymotic Research, AMI Semiconductor, Resistance Technology e Texas Instruments. Adicionalmente, deveria possuir um pacote de softwares ou aplicativos tais quais ferramentas de engenharia para desenvolvimento de produto e programa de adaptação personalizável. Deveria também garantir o suprimento dos componentes, mesmo sabendo que se trata de um trabalho acadêmico. A SDT foi escolhida por preencher a estes requisitos. Seus DSPs são utilizados por empresas tais quais as internacionais Audina, Electone, Bernafon, Magnatone, Unitron e Starkey, além das nacionais Audifone e Amplivox. Adicionalmente, a SDT lançou no segundo semestre de 2007 um novo DSP que excedia os recursos do GA3216 e com pouca diferença em termos de precificação. Solicitadas as amostras, montamos e ensaiamos alguns protótipos em laboratório. Em fevereiro de 2008 um dos pesquisadores obteve treinamento técnico avançado para o GA3226 e definiu-se deste modo a escolha por este DSP. Todo o desenvolvimento do GA3216 fora utilizado no GA3226.
A caixa é um item de baixo valor agregado, mas que normalmente os fabricantes de AASIs primam em apresentar desenhos arrojados e distintos dos demais fabricantes. Escolhemos uma caixa padronizada do fornecedor In´Tech Industries.
Procuramos por estreitar o relacionamento com os fornecedores dos componentes identificados, com os quais nós pudéssemos projetar e desenvolver AASIs com os recursos ou características não inferiores aos dos AASIs dos fabricantes internacionais. Dentre os recursos ou características do principal componente, escolhemos o DSP personalizável para vários projetos de AASI de modo a atender nosso requisito de circuito eletrônico genérico, ou seja, permitisse a partir de uma mesma configuração eletrônica montar AASIs nos desenhos BTE, ITC e CIC.
Muitos, no entanto, são os desafios de se montar um AASI de um circuito eletrônico genérico, dentre os quais:
I. Funcionar com uma tensão de alimentação de 1,35 VDC ou menos.
II. Apresentar dreno de corrente de aproximadamente 1 mA ou menos.
III. Os componentes devem ter dimensões reduzidas para que se permita a montagem tanto de um CIC, ITC ou de um BTE.
IV. A configuração deve permitir a construção de AASIs que atenda desde as perdas leves até as perdas moderadas-severas.
V. Funcionar com poucos recursos disponíveis ao paciente (CIC) ou ainda com uma ampla gama de recursos (BTE).
VI. O programa de adaptação deve poder reconhecer automaticamente os diferentes desenhos, e entre estes, os diferentes modelos, além de ter que identificar o número de série do AASI.
VII. O programa de adaptação deve ser simples de ser utilizado pelos fonoaudiólogos.
VIII. Utilizar programadores-padrão disponíveis no mercado (HI-PRO e Microcard).
IX. Não demandar em altos investimentos em hardware.
X. Utilizar apenas dois tipos de cabos de programação para todos os desenhos.
XI. Os AASIs deste projeto não devem apresentar desempenhos inferiores aos que são comercializados no mercado brasileiro com o mesmo nível de recursos.
XII. Devem apresentar baixo custo operacional.
XIII. Devem satisfazer os pacientes em termos de qualidade sonora e de recursos disponíveis, sendo também fáceis de serem manuseados.
No início, foram obtidos resultados de baixa qualidade, pois a configuração eletrônica montada apresentara baixo ganho e altos níveis de distorção, resultando em baixa qualidade de amplificação percebida mesmo com o uso de estetoscópio. Mesmo a seguir com as especificações tanto da SDT quanto da Knowles e da Sonion os resultados tardaram em aparecer. Foi necessário promover alterações diversas seja no hardware (utilização de várias combinações de transdutores) como no ARK (alterar tempos de atraso do gerenciador de microfonia, nos tempos de atuação e resposta, alteração nas taxas de compressão, nas freqüências dos três filtros de crossover, freqüência de amostragem, entre outros) até de obter resultados muito positivos.
O equipamento de teste utilizado (CAS, da marca Danavox) é datado de 1988 e limitado em apresentar resultados confiáveis, pois entre outros, não responde as variações rápidas de sinais próprias de um DSP digital com freqüência de amostragem típica de 2.048 MHz.
Pelo prisma da importância social do projeto basta verificar no gráfico abaixo (Gráfico 1) as importações de AASIs nos últimos 19 anos, segundos dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio obtidos em 2008.
Gráfico 1. Importações declaradas no período de 1989 a 2007.
Entre 1989 e 1996 o preço médio sofreu grandes alterações, subindo em linha ascendente a partir de 1997, ficando na média em U$ 151,81. Em 1996, no entanto, foi atingido o menor valor declarado de U$ 40,64, ponto este que demarcou um recorde na importação de AASIs: 245.559 unidades. Mesmo com a manutenção dos altos preços de importação, o que resulta em preços mais altos também para os portadores de deficiência auditiva, o mercado reagiu com um lento e gradual aumento no consumo, fechando o ano de 2005 em 169.575 unidades, ou seja, 69% do total comercializado em relação ao ano de 1996. Observa-se que em 2006 o preço médio de um AASI foi de U$ 177,86 e que em 2007 o valor caiu para U$ 159,35 - diminuição de 10,4% - com importações alcançando 214.310 unidades - aumento de 16,7%. Constata-se deste modo, que os AASIs podem ser categorizados como produtos de demanda elástica (18,19), pois sua demanda pode ser alterada em função de seus preços. Não se identifica fatores que justifiquem um preço final de um AASI em torno de R$ 4.400 ou mais para os AASIs do mesmo nível de recursos como o apresentado neste projeto.
Os valores declarados nestas importações não abrangem os serviços de adaptação do AASI, nem a garantia e custos de distribuição, os quais ficam a cargo do importador e/ou distribuidor. Mesmo assim não se encontram fundamentos para poder justificar de modo contundente tamanha variação de valores quando se unem serviços aos produtos.
Os argumentos destes fabricantes ou importadores de que há altos valores envolvidos nos pagamentos das importações de AASIs ou das peças de reposição são infundados, haja vista que o Governo isenta os pagamentos de pesados impostos tais como ICMS, IPI e parte do ISS.
Pela ótica da administração da produção grandes fabricantes se beneficiam por adquirirem grandes quantidades de peças de seus fornecedores, o que aumenta seu poder de barganha para com estes fornecedores e reduz as incertezas nas medições de desempenho no ciclo do produto (20). Estes fabricantes também têm a vantagem de competirem no mercado internacional, o que infere em tirar grande benefício face às várias formas como o mercado global venha a responder (21).
Também se pode discutir o "poder da inovação" que sempre o marketing destas empresas procura contagiar seja para com os profissionais da área, tal qual com os clientes finais (22). O recurso de coletor de dados de utilização (datalooging) que recentemente as empresas procuraram destacar em seus produtos como sendo um recurso "inovador" é na verdade um recurso que estava presente nos modelos da 3M desde meados dos anos 80 quando a tecnologia presente era ainda de analógicoprogramáveis (23). Mesmo os atuais e caros AASIs de tecnologia Open foram inicialmente classificados como "over-the-counter" (produto adquirido sem prescrição médica) que em Hong Kong custava $ 125, seja o modelo Avance HE4 da ReSound (24).
KILLION e Gudmundsen afirmaram em 2004 que "um AASI que atenda as perdas leves a moderadas poderiam custar cerca de $100 com a tecnologia existente". Para eles "há uma série de perdas auditivas descomplicadas que não demandam por AASIs sofisticados" (25).
Para a condução de políticas públicas o Governo brasileiro utiliza a mesma classificação da Academia Brasileira de Audiologia tal qual apresentada através da Portaria 587 anexo 5 de 7 de outubro de 2004, a qual estabelece critérios mínimos para cada uma das três tecnologias: A, B e C. A tecnologia A compreende os AASIs mais simples, aqueles que não necessitam de programação, possuem compressão monocanal e com uma única memória. Já os de tecnologia B devem ser programáveis, possuir WDRC de pelo menos 1 canal e possuir ajuste para taxa de compressão. Os de tecnologia C devem possuir WDRC multicanal, várias memórias, algoritmo para redução de ruído, e gerenciador de microfonia. O Governo sinaliza que a tecnologia A deve compor 50% de seu objeto de compra enquanto que os de tecnologia B compõem 35%, sendo que os restantes 15% são os AASIs de tecnologia C. O AASI deste projeto atende todos os requisitos das tecnologias A, B e C sem qualquer aumento de preço para atender as especificidades de uma ou de outra tecnologia, bastando personalizar o produto para uma ou para outra tecnologia. Há ainda a possibilidade de exportação do produto para países subdesenvolvidos e em desenvolvimento principalmente América Latina, África e Ásia. Sua fabricação no Brasil contribuirá também para a diminuição do custo de importação dos aparelhos comercializados no mercado nacional.
O valor final obtido no Manaus pode ser reduzido consideravelmente pela aquisição em escalas maiores de seus componentes, aliada a fabricação em grande quantidade dos AASIs. Por conta do principal benefício de se produzir AASIs digitais e de baixo custo a partir de um circuito eletrônico genérico os pesquisadores depositaram um pedido de patente junto ao INPI.
Há ainda a inclusão de mão de obra nacional com treinamento especializado e possibilidade de inclusão de deficientes auditivos em todo o processo produtivo.
Os AASI produzidos irão imediatamente para testes clínicos comparativos com AASI da mesma categoria.
CONCLUSÃO Foi possível produzir AASIs digitais programáveis no desenho BTE de baixo custo e com recursos eletroacústicos não inferiores ao AASIs comercializados no mercado brasileiro, o que o pode torná-lo um produto de referência para as políticas públicas de habilitação ou reabilitação auditiva.
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1. Engenheiro Eletrônico pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Aluno do Curso de Doutorado no Programa de Otorrinolaringologia da FMUSP.
2. Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Instituições: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Fundação Otorrinolaringologia. São Paulo / SP - Brasil
Endereço para correspondência:
Silvio Pires Penteado
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São Paulo / SP - Brasil - CEP: 05403-000
Telefone: (+55 11) 3069-7834
E-mail: penteado@usp.br
Artigo recebido em 27 de julho de 2008.
Artigo aprovado em 23 de setembro de 2008.