Title
Search
All Issues
12
Ano: 2008  Vol. 12   Num. 3  - Jul/Set Print:
Original Article
Versão em PDF PDF em Português Versão em PDF PDF em Inglês TextoTexto em Inglês
Uso do Cimento de Osso Alfa-tricálcio-fosfato no Tratamento Cirúrgico da Cavidade Mastóidea Use of Alpha-tricalcium
Phosphate Bone Cement in the Surgical Treatment of Mastoid Cavity
Author(s):
Robinson Koji Tsuji1, Vanda Jorgetti2, Ricardo Ferreira Bento3, Rubens Vuono de Brito Neto4
Palavras-chave:
substitutos ósseos, cimentos para ossos, colesteatoma, processo mastóide, materiais biocompatíveis, osseointegração
Resumo:

Introdução: A mastoidectomia cavidade aberta pode gerar algumas complicações e a obliteração da cavidade mastóidea é uma técnica descrita e estudada para a eliminação desta cavidade. Materiais aloplásticos têm sido estudados em cirurgias de obliteração da cavidade mastóidea. O cimento de osso alfa-tricálcio-fosfato é um material composto por cálcio e fosfato e apresenta composição bioquímica semelhante à fase mineral do osso. Objetivo: Estudar a biocompatibilidade do cimento de osso alfa-tricálcio-fosfato na obliteração da cavidade mastóidea em "guinea pigs". Método: Vinte "guinea pig" foram submetidos a procedimento cirúrgico. Em 10 cobaias (grupo cimento) a bula timpânica foi obliterada com o cimento de osso alfa-tricálcio-fosfato e em 10 cobaias (grupo controle) a cavidade foi deixada sem preenchimento. Os animais foram avaliados quanto à presença de sinais clínicos de rejeição ao material e outras complicações. Os ossos temporais foram removidos e avaliados quanto ao tipo e o grau de resposta inflamatória e o grau de ossificação. Resultados: Entre as cobaias que completaram o estudo não foram observados sinais de complicações em nenhum caso. Também não foi observado presença de reação inflamatória crônica tipo corpo estranho em nenhuma amostra de ambos os grupos. Quanto ao grau de ossificação, a média dos escores de ossificação no grupo controle (3,5) foi maior que o observado no grupo cimento (1,0). Conclusões: 1) O cimento de osso alfa-tricálcio-fosfato é biocompatível em osso temporal de cobaia. 2) O cimento de osso alfatricálcio- fosfato sofre remodelação óssea, porém não apresenta propriedade de osteocondução.

INTRODUÇÃO

A mastoidectomia cavidade aberta é considerada por muitos autores o procedimento cirúrgico de escolha para o tratamento da otite média colesteatomatosa, devido a alta incidência de recidiva da doença (1,2,3). Esta técnica permite melhor remoção de todo o colesteatoma e também melhor controle pós-operatório pois permite a aspiração de eventuais recidivas da doença (4). Porém, a formação desta cavidade única, pode gerar algumas complicações como: surdez, otorréia persistente, tontura, estética ruim e a necessidade de limpeza periódica da cavidade pelo otorrinolaringologista. Desse modo, em casos selecionados indica-se a eliminação da cavidade aberta para melhora da qualidade de vida do paciente. As técnicas para eliminação da cavidade aberta consistem na reconstrução da parede posterior do meato acústico externo (MAE), obliteração da cavidade ou ablação completa da orelha média (5).

Desde 1962 com os experimentos de MAHONEY et al. (6), que utilizaram o metilmetacrilato, vários materiais sintéticos têm sido testados. Os materiais sintéticos teriam a vantagem de ser facilmente obtidos, além da vantagem de não submeter o paciente ao risco de transmissão de doenças infecciosas. Por outro lado, podem apresentar problemas de biocompatibilidade com risco de rejeição.

Um novo material similar à hidroxidoapatita tem sido muito estudado para a reconstrução de defeitos ósseos em cirurgias ortopédicas, neurocirurgias e cirurgias bucomaxilofaciais (7,8,9). Trata-se do cimento de osso alfatricálcio-fosfato, que é um carbonato apatita formado pela mistura do alfa-tricálcio-fosfato com carbonato de cálcio e pó de monohidrato de monocálcio. Quando esses componentes são misturados a uma solução de fosfato de sódio formam uma estrutura cristalina semelhante à fase mineral do osso, o dahllite.

Embora já utilizado em cirurgias há mais de 10 anos, não existem estudos sobre a sua aplicação nas cirurgias de obliteração da cavidade mastóidea na literatura estudada. O objetivo deste é estudo foi avaliar a biocompatibilidade do cimento de osso alfa-tricálcio-fosfato em modelo animal de cirurgia de obliteração da cavidade mastóidea.


MÉTODO

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projeto de pesquisa (CAPPesq) da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O estudo experimental foi realizado em concordância com o manual sobre cuidados de animais de laboratório. Foram estudados 20 animais da espécie guinea pig (Cavia porcellus), adultos jovens e saudáveis, todos do sexo feminino, com idade entre 10 e 12 meses e peso entre 350 e 450 g. Foram excluídos animais com sinais de infecção em orelha externa ou média, gestantes e portadores de mal formação congênita.

Os 20 animais foram divididos em 2 grupos de 10 animais. Ambos os grupos foram submetidos a procedimento cirúrgico estéril e mantidos em observação por um período de 60 dias. Os animais foram sacrificados após 60 dias e os ossos temporais removidos para o estudo histopatológico.

Técnica cirúrgica

As cobaias foram anestesiados com uma mistura de ketamina (40mg/kg) e xilasina (8mg/kg). Este esquema anestésico permite bom nível anestésico por período de 60 a 90 minutos sem depressão respiratória. Todos receberam durante a indução anestésica o antibiótico cefazolina na dose de 50mg/kg.

Após infiltração local com lidocaína a 2% com adrenalina 1:200.000, realizou-se um incisão superior ao pavilhão auricular com a exposição do músculo temporal. Através da confecção de um retalho músculo periosteal pediculado posteriormente, expôs-se a cortical da escama do osso temporal. Com o uso de brocas cortantes e diamantadas e sob irrigação constante, removeu-se a cortical da bula timpânica dorsal, permitindo exposição completa do interior desta cavidade (Figura 1). A seguir é retirada a parede posterior óssea do meato acústico externo que delimita a bula timpânica dorsal inferiormente (Figura 2). A cavidade foi então cuidadosamente limpa e todas as paredes escarificadas com uso de uma broca diamantada.


Figura 1. Orelha esquerda: (A) bula timpânica aberta. (B) representação esquemática demonstrando a bula timpânica (pontilhado azul), cadeia ossicular (pontilhado verde), retalho músculo periosteal afastado (pontilhado amarelo) e parede posterior do MAE (tracejado preto).


Figura 2. Orelha esquerda: (A) bula timpânica após remoção da parede posterior do MAE; (B) representação esquemática da bula timpânica aberta (pontilhado azul) e da parede posterior óssea do MAE removida (pontilhado preto) com exposição da pele do MAE.



O retalho músculo periosteal foi rodado para o interior da bula timpânica cobrindo o defeito ósseo da parede posterior do meato acústico externo (Figura 3). No grupo controle 10 animais ficaram com a cavidade sem preenchimento e no grupo de estudo 10 animais tiveram a bula timpânica obliterada com cimento de osso alfatricálcio-fosfato (Figura 4).


Figura 3. Orelha esquerda: (A) bula timpânica aberta com rotação do retalho músculo periosteal para o interior da bula timpânica cobrindo defeito ósseo da parede posterior do MAE; (B) representação esquemática da bula timpânica (pontilhado azul) e retalho muscular (pontilhado amarelo).


Figura 4. Orelha esquerda: (A) bula timpânica obliterada com cimento de osso; (B) representação esquemática do cimento de osso obliterando a bula timpânica (pontilhado vermelho) e base do retalho músculo periosteal (pontilhado amarelo).



O cimento que foi utilizado vem acondicionado em dois recipientes, um copo contendo pó de fosfato de cálcio estéril e um frasco contendo fosfato de sódio diluído estéril. A proporção entre o pó e o solvente não precisa ser calculado, bastando misturar o conteúdo total de ambos os frascos. A mistura deve ser aplicada e moldada em até 3 minutos, quando se inicia o endurecimento do produto que se completa em 10 minutos.

A incisão foi suturada com uso de fio de vicryl no subcutâneo e fio de nylon na pele.

2.2. Preparo do material histopatológico

Após 60 dias da cirurgia, os animais foram sacrificados. Os animais foram inicialmente anestesiados com ketamina 160mg/kg e xilasina 16mg/kg, recebendo a seguir injeção letal de KCl 19,1% intracardíaco.

O osso temporal da cobaia foi removido com a utilização escopo, martelo e tesoura. A peça foi removida tomando-se o cuidado de preservar a bula timpânica e o cimento intactos (Figura 5).


Figura 5. Osso temporal esquerdo da cobaia removido. Note o cimento de osso (seta vermelha) obliterando bula timpânica (pontilhado azul) e o MAE (pontilhado preto).



O material foi então fixado com álcool a 70% e incluídos em blocos de metilmetacrilato. Os blocos foram cortados com serra de disco diamantado de baixa rotação (Isomet-Buehler), na espessura de 1 mm. A seguir, com utilização de uma politriz metalográfica, os cortes foram polidos até atingirem a espessura de 10 µm. Os cortes então foram corados com azul de toluidina 0,1% e encaminhados para o patologista.

2.3. Análise dos dados

A análise histopatológica foi realizada por um patologista do Departamento de Patologia do Hospital das Clínicas de São Paulo que utilizou um microscópio óptico. As lâminas foram examinadas inicialmente em um aumento panorâmico para identificação de todos os campos e a seguir em aumentos de 12,5, 40, 50, 200 e 400x.

A análise clínica foi realizada antes da remoção do osso temporal. A avaliação da pele e do retalho muscular foi feita com exame macroscópico e a otoscopia com a utilização de microscópio cirúrgico.

As cobaias foram estudados quanto à presença de sinais de rejeição ao material, grau de ossificação e incidência de complicações.

Análise da biocompatibilidade

Para a análise da biocompatibilidade do material foram avaliados dados clínicos e histológicos do material.

Na avaliação clínica foram coletados os seguintes dados:

  • Presença ou não de sinais de reação inflamatória granulomatosa no sítio cirúrgico.
  • Presença ou não de sinais de extrusão do material.


  • Como parâmetro histopatológico para a avaliação da biocompatibilidade do material foi estudado a presença ou não de resposta inflamatória granulomatosa com células gigantes. Para a análise da reação inflamatória e formação de reação de corpo estranho foi criada uma classificação em 5 graus (Quadro 1).




    De acordo com o grau de resposta inflamatória dado pelo patologista na análise histológica, dividimos os pacientes em 3 tipos (Quadro 2).




    Análise do grau de ossificação

    Para a análise do grau de ossificação da cavidade mastóidea foi criada uma classificação em 4 graus (Quadro 3).




    Utilizando esta classificação o patologista classificou o grau de ossificação nos grupos controle e cimento.

    Análise da incidência de complicações ao procedimento Para a análise da incidência de complicações, as cobaias foram avaliados quanto a presença ou não dos seguintes parâmetros:

  • Morte do animal.
  • Efusão em orelha média.
  • Sinais de infecção da pele ou músculo.
  • Sinais de necrose da pele ou músculo.
  • Extrusão do material.
  • Estenose do MAE.
  • Fístula cutânea.


  • Análise estatística

    O cálculo do tamanho da amostra foi feito tomandose como 0% a incidência de reação de corpo estranho ou de inflamação crônica da cavidade de cobaias submetidas à mastoidectomia sem obliteração da mesma, a um nível de significância de 5%, e poder (erro tipo II) de 80% em um teste de hipótese monocaudal. Foram necessários 10 cobaias em cada grupo (estudo e controle) para de detectar uma diferença mínima de 6,5% de incidência de reação de corpo estranho ou de inflamação crônica da cavidade após a obliteração com cimento de osso alfatricálcio-fosfato.

    As variáveis qualitativas foram descritas por meio de sua freqüência e as semi-quantitativas de suas médias e desvios-padrão. Para comparação das prevalências dos diferentes graus de inflamação, ossificação e incidência de complicações entre os grupos foi utilizado o teste de quiquadrado e o teste exato de Fisher. As médias dos escores atribuídos a cada grau de ossificação foram também comparadas entre os grupos utilizando-se o teste não paramétrico U de Mann-Whitney. Admitiu-se nível de significância de p<0,05.


    RESULTADOS

    A média do peso inicial dos animais de grupo controle foi de 396,8 g e a média do peso final foi de 570 g. A média de ganho de peso no grupo controle foi de 173,3 g durante o período de estudo. A porcentagem de ganho de peso sobre o peso inicial no período foi de 43,7 %.

    A média do peso inicial dos animais de grupo cimento foi de 398,8 g e a média do peso final foi de 574,3 g. A média de ganho de peso no grupo cimento foi de 175,5 g durante o período de estudo. A porcentagem de ganho de peso sobre o peso inicial no período foi de 44,0%.

    Em ambos os grupos, a incidência de morte após o procedimento foi de 2 (20,0%) animais no primeiro dia pós operatório (p = 1,0), provavelmente por complicações anestésicas, pois ocorreram no primeiro pós operatório e foram iguais nos dois grupos. A análise clínica dos animais restantes não identificou nenhum sinal de outras complicações - infecção da pele e músculo, sinais de efusão em orelha média, estenose de meato acústico externo, fístula cutânea ou formação de colesteatoma secundário - em nenhuma amostra dos grupos controle e cimento. A análise clínica das cobaias não observou sinais de reação inflamatória granulomatosa ao redor do cimento em nenhum animal do grupo cimento. Também não houve casos de extrusão do material.

    Após a remoção dos ossos temporais, observamos que em todas as amostras do grupo cimento o material estava firmemente aderido à cavidade mastóidea.

    As análises histológicas do grau e do tipo de reação inflamatória entre os grupos cimento e controle estão apresentadas na Tabela 1. Não houve sinais de presença de reação inflamatória tipo corpo estranho no grupo cimento com 8 (100%) das amostras apresentando reação inflamatória graus 1 e 2. Apenas 3 animais do grupo controle (37,5%) apresentaram reação inflamatória do tipo 3, enquanto todos as demais cobaias (100% do grupo cimento e 62,5% do grupo controle) apresentaram resposta inflamatória dos tipos 1. Apesar da diferença apresentada entre as prevalências dos tipos de reação inflamatória entre os grupos, esta diferença não foi estatisticamente significante (p=0,2).




    Quanto ao estudo do grau de ossificação, o grupo controle apresentou ossificação grau 3 em 4 (50%) amostras e grau 4 (50%) em 4 amostras estudadas. No grupo cimento observou-se ossificação grau 1 em 1(12,5%) amostra e grau 2 em 7 (87,5%) amostras (Tabela 2).




    Atribuindo-se os pesos a cada animal de acordo com o grau de ossificação, vemos que o grau de ossificação médio do grupo controle (3,5) foi maior que o verificado no grupo cimento (1,875). O grupo controle apresentou de maneira estatisticamente significante (p < 0,001) graus mais intensos de ossificação (média 3,5 ± 0,5) do que o grupo cimento (1,9 ± 0,4).


    DISCUSSÃO

    O guinea pig (cavia porcellus) possui um aeração celular do osso temporal composto pelas bulas timpânicas ventral e dorsal e as células retrotimpânicas. Fazendo uma analogia com o osso temporal humano, a bula timpânica dorsal seria o equivalente ao recesso epitimpânico e ao ático. Localiza-se póstero superiormente à cavidade timpânica e possue relações com a cavidade intracraniana superiormente, com a porção petrosa do osso temporal medialmente, e com a cavidade timpânica e o meato acústico externo inferiormente. A comunicação entre a bula timpânica dorsal e a cavidade timpânica é através de um hiato localizado em sua porção inferior, no qual se projeta o complexo incudomaleolar (10,11). Quando realizado a retirada da parede superior do meato acústico externo, a bula timpânica se comunica com o meato acústico externo, formando uma cavidade única, semelhante àquela encontrada nas cavidade mastóideas abertas.

    Diversos tipos de materiais têm sido utilizados para a obliteração da cavidade mastóidea aberta. Os materiais mais empregados são os autólogos como cartilagem, osso, gordura, músculo e patê de osso que apresentam a vantagem de não sofrerem rejeição e podem ser conseguidos durante a cirurgia (5,12,13). A desvantagem é a dificuldade de obtenção de material em quantidade suficiente para o procedimento.

    Assim, desde 1962 com os experimentos de MAHONEY et al. (6), que utilizaram o metilmetacrilato, vários materiais sintéticos têm sido testados. Os materiais sintéticos teriam a vantagem de ser facilmente obtidos, além da vantagem de não submeter o paciente ao risco de transmissão de doenças infecciosas. Por outro lado, apresentam problemas quanto à biocompatibilidade com altos níveis de rejeição.

    Entre os materiais sintéticos que foram estudados para esta finalidade podemos citar o silicone, o proplast, o cimento ionomérico e o cimento de vidro bioativo (14,15,16,17).

    O silicone, o proplast e o cimento ionomérico não são mais utilizados devido à incidência de complicações e o cimento de vidro bioativo encontra-se ainda em fase de estudo experimental (18).

    Mais recentemente, têm sido utilizados materiais sintéticos a base de cálcio e fosfato que apresentam estrutura bioquímica semelhante à fase mineral do osso humano. Os implantes aloplásticos de cálcio e fosfato são aqueles compostos de cálcio e fosfato na forma de apatita. Apatita é um composto em forma de cristais que possui estrutura química representada pela fórmula Ca5(X)(PO4)3. Nesta estrutura a posição X pode seu ocupada por íons flúor (F), cloro (Cl), hidróxido (OH), ou meio carbonato (CO3) (19).

    O primeiro material deste grupo estudado foi a hidroxidoapatita. Este material tem apresentado bons resultados quando utilizado na reconstrução do MAE ou obliteração da cavidade mastóidea (20,21,22). A partir do estudo da hidroxidoapatita novos tipos de materiais foram desenvolvidos.

    O cimento de osso alfa-tricálcio-fosfato é um produto composto de 3 solutos: alfa-tricálcio-fosfato, carbonato de cálcio e fosfato de monocálcio (23). Quando esses componentes são misturados a uma solução de fosfato de sódio formam uma estrutura cristalina de carbonato apatita semelhante à fase mineral do osso, o dahllite (24,25).

    O tempo de preparo do material, que consiste na mistura da fase sólida com a solução de fosfato de sódio é de aproximadamente 2 minutos, e o tempo para manipulação do material é de 5 minutos. Após a colocação do material, ocorre o seu endurecimento com a formação de dahllite. O tempo de endurecimento na temperatura corpórea normal é de 10 minutos (24,26,27). Após 12 horas, entre 85 a 90% do material é dahllite e a sua força compressiva máxima é de 55 megapascals (24). CONSTANTZ et al. estudaram a composição bioquímica e a estrutura cristalina do dahllite formado nesta reação, e constataram que é semelhante ao dahllite naturalmente presente no osso (24). Este material tem sido amplamente utilizado no preenchimento de defeitos ósseos em cirurgias ortopédicas, neurocirurgias e cirurgias bucomaxilofaciais. Estudos em cirurgias de reconstrução de cadeia ossicular em cobaias com o cimento alfa-tricálcio-fosfato demonstraram bons resultados com baixos níveis de inflamação e reação de corpo estranho (28,29).

    Para o estudo da biocompatibilidade as amostras foram estudadas utilizando-se de parâmetros clínicos e histopatológicos. A classificação em 5 graus de reação inflamatória utilizada neste estudo para mensuração do grau de reação inflamatória, foi criada a partir da adaptação da classificação utilizada por HOFFMAN et al., que estudaram o grau de reação inflamatória em cirurgia de reconstrução de cadeia ossicular em cobaias com uso do cimento alfatricálcio-fosfato (28). Esta classificação que foi utilizada por HOFFMANN et al. era dividida em 4 graus. Como esta classificação era inadequada nos casos de presença de reação inflamatória aguda, acrescentamos um quinto grau (grau 5). A partir desta classificação em 5 graus subdividimos em 3 grupos que denominamos tipos 1, 2 e 3. O tipo 1 corresponde, histopatologicamente, à presença de reação inflamatória que normalmente ocorre em tecidos submetidos a trauma cirúrgico e engloba os graus I e II (Figura 6). O tipo 2 corresponde, histopatologicamente, à presença de reação inflamatória tipo corpo estranho e engloba os graus III e IV. O tipo 3 corresponde, histopatologicamente, à presença de reação inflamatória aguda com possível infecção.


    Figura 6. Corte histológico da bula timpânica corado com azul de toluidina (200x) mostrando trabécula óssea nova. Note presença de osteócitos no interior da trabécula (seta branca) e osteoblastos na periferia da mesma (ponta de seta). Ausência de neutrófilos e células gigantes multinucleadas tipo corpo estranho.



    Em nosso estudo observamos que não houve sinais clínicos de rejeição ao material como presença de sinais de reação inflamatória granulomatosa e sinais de extrusão do implante. A análise histopatológica, todas as amostras que receberam o cimento alfa-tricálcio-fosfato, não apresentaram sinais de reação inflamatória tipo corpo estranho, que normalmente ocorre nos processos de rejeição ao material.

    Este estudo também demonstrou que o uso do cimento de osso alfa-tricálcio-fosfato não apresentou complicações quando utilizado para obliterar a cavidade mastóidea da cobaia. A ausência de efusão em orelha média, é sinal de que houve preservação da fisiologia da orelha média.

    Quanto ao grau de ossificação encontramos ossificação significativamente menor no grupo com o cimento em comparação com o grupo sem cimento (Figura 7). Este dado confirma os estudos que demonstram que este material não é osteocondutivo. O cimento de osso alfa-tricálcio-fosfato é microporoso, o que não permite o crescimento ósseo interno (24). Porém, houve sinais de reabsorção e crescimento ósseo na periferia do implante (Figura 8), mostrando que com maior tempo o material poderá ser reabsorvido e substituído por osso novo. Estudos em animais demonstram que o cimento de osso alfatricálcio-fosfato sofre remodelação óssea semelhante ao que ocorre no osso normal. Este material sofre reabsorção osteoclástica seguida de migração osteoblástica e formação de osso novo (24). As propriedades de secagem mesmo em ambiente úmido e aderência ao osso podem constituir em vantagens em relação a hidroxidoapatita. A cavidade mastóidea é úmida e muitas vezes com presença de sangue. Além disso, o fato do material se aderir ao osso adjacente é um fator que pode representar maior estabilidade no leito cirúrgico. Em todas as amostras estudadas, o cimento estava firmemente aderido no interior da bula timpânica.


    Figura 7. Corte histológico da bula timpânica do grupo controle corado com azul de toluidina (12,5x) mostrando intensa ossificação da cavidade (pontilhado).


    Figura 8. Corte histológico da bula timpânica do grupo cimento corado com azul de toluidina (100x) mostrando trabécula óssea nova (seta) invadindo o cimento de osso alfatricálcio-fosfato (substância amorfa preta).



    CONCLUSÃO

    O cimento de osso alfa-tricálcio-fosfato é biocompatível em cavidade mastóidea de cobaias.

    O cimento de osso alfa-tricálcio-fosfato sofre remodelação óssea, porém não apresenta propriedade de osteocondução.


    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Bento RF, Miniti A, Marone SAM. Tratado de Otologia.1ª ed., São Paulo: EDUS; 1998.

    2. Karmarkar S, Bhatia S, Saleh E, et al. Cholesteatoma surgery: the individualized technique. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1995, 104:591-595.

    3. Chang C, Chen M. Canal-wall-down tympanoplasty with mastoidectomy for advances cholesteatoma. J Otolaryngol. 2000, 29:270-273.

    4. Roden D, Honrubia V, Wiet R. Outcome of residual cholesteatoma and hearing in mastoid surgery. J Otolaryngol. 1996, 25: 178-181 5. Black B. Mastoidectomy elimination. Laryngoscope. 1995, 105(12 Pt 2):1-30.

    6. Mahoney JL. Tympanoacryloplasty. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1962, 75:519-522.

    7. Mahr MA, Bartley GB, Bite U, Clay RP, Kasperbauer JL, Holmes JM. Norian Craniofacial Repair System Bone Cement for the Repair of Craniofacial Skeletal Defects. Ophthalmic Plastic & Reconstructive Surgery. 2000, 16(5):393-398.

    8. Baker S, Weinzweig, J, Kirschner RE, Bartlett SP. Applications of a New Carbonated Calcium Phosphate Bone Cement: Early Experience in Pediatric and Adult Craniofacial Reconstruction. Plastic & Reconstructive Surgery. 2002, 109(6):1789-1796.

    9. Kirschner RE, Karmacharya J, Ong GBS, Gordon AD, Hunenko OBA, Losee J, Gannon FH, Bartlett SP. Repair of the Immature Craniofacial Skeleton With a Calcium Phosphate Cement: Quantitative Assessment of Craniofacial Growth. Annals of Plastic Surgery. 2002, 49(1):33-38.

    10. Goksu N, Haziroglu R, Kemaloglu Y, Karademir N, Bayramoglu I, Akyildiz N. Anatomy of the guinea pig temporal bone. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1992, 101(8):699- 704.

    11. Wysocki J. Topographical anatomy of the guinea pig temporal bone. Hear Res. 2005, 199(1-2):103-10.

    12. Linthicum FH Jr.The fate of mastoid obliteration tissue: a histopathological study. Laryngoscope. 2002 , 112(10):1777-81.

    13. Leatherman BD, Dornhoffer JL, Fan CY, Mukunyadzi P. Demineralized bone matrix as an alternative for mastoid obliteration and posterior canal wall reconstruction: results in an animal model. Otol Neurotol. 2001, 22(6):731-6.

    14. Rosenblut B, Ahlvin RC, Carr CD, et al. Silicone implants in the mastoid portion of the temporal bone. Ann Rhinol Laryngo.l 1966, 75: 889-89.

    15. Shea JJ, Malenbaun BT, Moretz WH. Reconstruction of the posterior wall with proplast. Otolaryngol Head Neck Surg. 1984, 92:329-333.

    16. Helms J, Geyer G. Closure of the petrous apex of the temporal bone with ionomeric cement following translabyrinthine removal of an acoustic neuroma. J Laryngol Otol. 1994, 108: 202-205.

    17. Bryan DL, Dornhoffer JL. Bioactive Glass Ceramic Particles as an alternative for mastoid obliteration: results in a animal model. Otol & Neurotol. 2002, 23(5):657-660.

    18. Jang CH, Cho YB, Bae CS. Evaluation of bioactive glass for mastoid obliteration: a guinea pig model. In Vivo. 2007, 21(4):651-5.

    19. Costantino PD, Hiltzik D, Govindaraj S, Moche J. Bone healing and bone substitutes. Facial Plast Surg. 2002, 18(1):13-26.

    20. Yung MW. The use of hydroxyapatite granules in mastoid obliteration. Clin Otolaryngol. 1996, 21:408-484.

    21. Jahn AF. Experimental applications of porous (coralline) hydroxyapatite in middle and mastoid obliteration. Laryngoscope. 1992, 102:289-299.

    22. Hussain A, Ram B, Hilmi OJ. Reconstruction of Mastoid Cavity With Hydroxyapatite Cement and Postauricular Flap. Laryngoscope. 2002, 112(3):583-585.

    23. Frankenburg EP, Goldstein SA, Bauer TW, et al. Biomechanical and histological evaluation of a calcium phosphate cement. J Bone Joint Surg Am. 1998, 80:1112-1124.

    24. Constantz BR, Ison IC, Fulmer MT, et al. Skeletal repair by in situ formation of the mineral phase of bone. Science 1995, 267:1796-1799.

    25. Ison I, Fulmer B, Barr B, et al. Synthesis of Dahllite. The Mineral Phase of Bone. Boca Raton, FL: CRC Press Lewis Publishers; 1994.

    26. Kopylov P, Jonsson K, Thorngren KG, et al. Injectable calcium phosphate in the treatment of distal radius fractures. J Hand Surg. [Br] 1996, 21:768-771

    27. Kopylov P, Runnqvist K, Jonsson K, et al. Norian SRS versus external fixation in redisplaced distal radial fractures. A randomized study in 40 patients. Acta Orthop Scand. 1999, 70:1-5.

    28. Hoffmann KC, Kuhn JJ, Strasnick. N. Bone Cements as Adjuvant Techniques for Ossicular Chain Reconstruction. Otol & Neurotol. 2003, 24: 24-28.

    29. McDowell MP, Kuhn JJ, Strasnick B. Incudostapedial Joint Reconstruction Using Dahllite Bone Cement in a Chinchilla Model. Otolaryngol Head Neck Surg. 2005, 133(2) Supplement 1:P83-P84.


















    1. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP. Médico Assistente do Grupo de Otologia do Departamento de Otorrinolaringologia do HCFMUSP.
    2. Doutora em Nefrologia pela Faculdade de Medicina da USP. Médica Assistente do Departamento de Nefrologia do Hospital das Clínicas de São Paulo.
    3. Professor Livre Docente pela Faculdade de Medicina da USP. Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
    4. Professor livre docente pela Faculdade de Medicina da USP. Médico Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia da USP.

    Instituição: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. São Paulo / SP - Brasil.

    Endereço para correspondência:
    Robinson Koji Tsuji
    Alameda Ibérica 285, Casa 312 - Bairro Tamboré
    Santana de Parnaíba / SP - Brasil - CEP 06543-502
    E-mail: rktsuji@uol.com.br

    Suporte finaceiro FAPESP.

    Artigo recebido em 18 de setembro 2008.
    Artigo aprovado em 30 de setembro de 2008.
      Print:

     

    All right reserved. Prohibited the reproduction of papers
    without previous authorization of FORL © 1997- 2024