INTRODUÇÃOA tontura é um sintoma que atinge 10% da população mundial (1). É apontada como a queixa mais comum no mundo após os 65 anos de idade (2). Pode ser relacionada como único sintoma, mas muitas vezes também é acompanhada por outros sinais e sintomas, como diversos tipos de alterações auditivas e distúrbios neurovegetativos (3).
Um dos motivos que faz da tontura um sintoma tão freqüente é a sua diversidade etiológica que pode incluir, além de grande número de causas locais (labirínticas), fatores cardiovasculares, neurológicos, ortopédicos, hormonais, auto-imune, genéticos, infecciosos, inflamatórios, psicológicos e psiquiátricos (4,5). Há um grande número de causas para as tonturas, sendo descritos em torno de 300 quadros clínicos otoneurológicos, com diferentes manifestações. Essa variedade pode ser também explicada pela própria estrutura fisiológica do labirinto, tanto na parte vestibular como na auditiva, que é muito sensível a alterações de outras partes do corpo e freqüentemente o agente etiológico das disfunções vestibulares é representado por uma afecção à distância (4,5).
A vertigem posicional paroxística benigna (VPPB) é uma enfermidade crônica de curso clínico recorrente, a eficácia das manobras tem sido questionada visto que a VPPB apresenta uma alta taxa de remissão espontânea acima de 30% (6).
Apesar do avanço no diagnóstico otoneurológico, com registros computadorizados e uma maior precisão nos achados desses exames, os testes do sistema vestibular não são particularmente sensíveis ou específicos para demonstrar a possível interferência psicológica no quadro clínico e no sofrimento do paciente com tontura (7).
Na preocupação de quantificar as interferências da tontura, tanto física quanto funcional e emocionalmente nas atividades cotidianas do indivíduo vertiginoso, Jacobson e Newman (8) elaboraram e validaram um questionário específico, o "Dizziness Handicap Inventory" (DHI), com o objetivo de avaliar a autopercepção dos efeitos incapacitantes impostos pela tontura.
O DHI foi traduzido do idioma inglês para o português e submetido à adaptação cultural, adaptação lingüística, revisão de equivalência gramatical e idiomática e reprodutibilidade intra e inter pesquisadores (9,10).
O efeito do tratamento das alterações do sistema vestibular seja ele medicamentoso, cirúrgico ou de reabilitação, também pode ser acompanhado e mensurado por meio de questionário de qualidade de vida (9).
Muitos estudos mostram a importância de avaliar os prejuízos na qualidade de vida para auxiliar na escolha do tratamento ou até mesmo para mudança na terapêutica utilizada. O presente trabalho teve o objetivo de comparar os resultados do DHI brasileiro pré e pós Reabilitação Vestibular Personalizada (RVP) em pacientes com diagnóstico de vertigem crônica por vertigem posicional paroxística benigna e vertigem crônica por outras causas.
MÉTODOForam selecionados 30 prontuários de pacientes do sexo feminino que concluíram o tratamento com Reabilitação Vestibular no Ambulatório de Otorrinolaringologia no Setor de Otoneurologia da Instituição, nos anos de 2004 e 2005, sendo 15 com diagnóstico de vertigem crônica por outras causas (VCOC) e 15 com vertigem crônica por (VPPB).
O critério de inclusão para ambos os grupos foi história clínica de tontura com mais de três meses de evolução.
Foram respeitados todos os princípios éticos que versam a resolução 196/96 (MINISTÉRIO da Saúde, 1996) sobre ética em pesquisa com seres humanos e as orientações do Comitê de Ética em Pesquisa - da instituição, pelo protocolo nº 056/06
Os pacientes estudados não estavam fazendo uso de nenhum medicamento específico para tontura.
Esses 30 pacientes responderam ao questionário de vida diária, o DHI brasileiro, que é composto por vinte e cinco questões (Anexo 1), sendo sete que avaliam o aspecto físico, nove o aspecto emocional e sete o funcional.
Os pacientes foram instruídos a responder a cada pergunta somente com as seguintes respostas: "sim", "não" ou "às vezes". Para cada resposta "sim" foram somados 4 pontos, para cada "não" 0 pontos e para cada resposta "às vezes", 2 pontos. Desta forma, quanto maiores os valores do escore maiores os "prejuízos" na qualidade de vida.
O questionário foi aplicado antes e após tratamento.
O tratamento efetuado nesses casos foi a reabilitação vestibular, cujo tipo variou, dependendo das queixas e do diagnóstico de cada paciente. Para os pacientes com VCOC foram utilizados exercícios personalizados, conforme as dificuldades e facilidades de cada indivíduo. Para os com VPPB foi utilizada a manobra de reposicionamento de Epley em todos os casos. Todos os pacientes foram instruídos a retornos semanais, para verificar a evolução de cada caso.
O tratamento estatístico utilizado para avaliar os resultados foi o teste de Wilcoxon para amostras pareadas. O nível de significância utilizado foi de p<0,05 (5%). Quando a estatística calculada apresentou diferença estatisticamente significativa utilizou-se um asterisco (*), para diferenças não significantes não utilizou nenhum marcador, somente o valor de p.
RESULTADOSAs quinze pacientes com diagnóstico de VCOC possuíam idades entre 16 e 78 anos, sendo 50,93±17,69 (média±desvio padrão). As quinze com diagnóstico de VPPB tinham idades entre 47 e 87 anos, sendo 58,40±10,07. Na análise estatística pelo teste de Wilcoxon não encontrou diferença estatisticamente significativa (p=0,3941) entre os dois grupos estudados.
A cronicidade dos dois grupos, medidos por meses, foram para a VCOC de 30,20±20,98 e para a VPPB DE 9,07±6,74 apresentando diferença estatisticamente significantes (p=0,0029*).
As causas referente aos pacientes com VCOC foram: 8 (53,33%) de origem metabólica, 5 (33,33%) de origem vascular, 1 (6,67%) por traumatismo crânio encefálico e 1 (6,67%) por anemia falciforme.
Todos os pacientes que responderam ao DHI brasileiro antes do tratamento apresentavam algum prejuízo na qualidade de vida (Tabela 1 e 2).
A média dos escores totais de ambos os grupos pré-tratamento não se mostrou muito diferentes, sendo o de VCOC de 54,4±20,97 e para a VPPB 47,93 ±24,46. Se comparados os dois grupos encontrou-se p=0,4548.
Na realização da Reabilitação Vestibular (RV) foram realizadas em média 9,67±4,67 sessões para aos pacientes com VCOC, enquanto que para a VPPB foram necessárias uma média de 3,73±3,26 sessões, com p= 0,0002*.
Na alta da RV todos os pacientes realizaram novamente o DHI brasileiro (Tabela 1 e 2).
A média dos escores totais para a VCOC foram de 26,13±20,51 e para a VPPB foram de 6,13±7,22.
Observou-se uma diminuição dos valores dos escores se comparados com os valores no pré-tratamento.Tanto para a VCOC (p=0,002*) como para a VPPB (p=0,0000*) os resultados foram significantes se comparados o pré com o pós-tratamento.
Ao analisarmos a diferença do pós-tratamento entre a VCOC e VPPB também se observa diferença significantes entre os dois grupos, observando que os pacientes com VPPB melhoraram mais que os com VCOC (p=0,0012*).
DISCUSSÃOA quantificação dos efeitos limitantes que uma doença causa na qualidade de vida dos indivíduos pode trazer informações importantes, tanto para direcionar uma terapêutica adequada, ou até a mudança desta, pois traz informações sobre a evolução dos sintomas e o reflexo desses sintomas nos aspectos físicos, emocionais e funcionais (8).
A idade média avaliada nos dois grupos foi de 50 a 60 anos. Segundo alguns autores (8,12), a tontura é mais prevalente nos indivíduos idosos, que tendem a apresentar um equilíbrio corporal mais comprometido, pois o envelhecimento compromete habilidades do sistema nervoso central em realizar o processamento dos sinais vestibulares, visuais e proprioceptivos responsáveis pelo equilíbrio corporal, além de diminuir a capacidade de modificação dos reflexos adaptativos. Também acarreta a perda progressiva de células ciliadas de receptores sensoriais periféricos, decréscimo do número de fibras e da mielinização de nervo vestibular, degeneração de células ganglionares e de terminações do sistema vestibular periférico e central. Na VPPB a incidência aumenta 38% a cada década de vida, sendo que 9% da população geriátrica possuem diagnóstico dessa doença (13).
Com relação ao sexo, foram escolhidas somente mulheres, uma vez que, no sexo feminino a prevalência de tontura é maior, chegando a proporção de 2:1 (3).
O número de sessões necessárias para a alta dos nossos pacientes coincidiu com o de outros autores (14,15), também precisaram de menos sessões para a VPPB do que para a VCOC (15,16).
Nas respostas do DHI brasileiro pré-tratamento foram observados escores parecidos entre os pacientes com VCOC e VPPB. Para todos os aspectos os pacientes tiveram altos escores, principalmente o funcional, que possui perguntas relacionadas às atividades sociais. Estes resultados também foram encontrados em outros estudos (8,17) onde muitos pacientes deliberadamente restringem suas atividades físicas, viagens e reuniões sociais, com a intenção de diminuir o risco de sintomas desagradáveis (Tabelas 1 e 2).
Na VPPB também foram observados escores bem parecidos tanto para o aspecto funcional como para os físicos, isto porque na VPPB o aparecimento dos sintomas está muito relacionado com determinadas posições ou movimentos cefálicos, cujas perguntas pertinentes estão contidas nos aspectos físicos do DHI brasileiro (8).
Em nosso trabalho os índices elevados para os aspectos emocionais também foram observados nos dois grupos. Pacientes com alterações no Sistema Vestibular, muitas vezes, apresentam ansiedade associada a ataques de pânico, medo de saírem sozinhos e sentimentos de despersonalização, ressaltando a relação entre as alterações vestibulares e os aspectos emocionais (8).
Todos os pacientes com VPPB que concluíram o tratamento apresentaram uma diferença entre os escores pré e pós-tratamento maior que 18 pontos e referiram melhora significativa dos sintomas. Para os autores do DHI, uma diferença de 18 pontos entre o pré e pós-tratamento seria indicativo de mudança significativa, que poderia ser considerada como benefício (9). Já com relação aos com Vertigem Crônica, 3 pacientes não conseguiram alcançar a diferença de 18 pontos e nesses casos os resultados do DHI coincidiram com as informações dos pacientes que referiram melhora parcial dos sintomas, e até piora do quadro no caso do paciente de nº 5. Esses pacientes (20%) que não se beneficiaram com a RVP, foram reencaminhados para o ambulatório da otorrinolaringologia para nova orientação terapêutica (Tabela 1).
Na VCOC há vários fatores que podem desencadear a tontura, assim como uma ampla diversidade de quadros clínicos. Isto torna o tratamento exclusivamente pela Reabilitação Vestibular, muitas vezes insuficiente, sendo necessário outras terapêuticas mais adequadas para cada caso.
CONCLUSÃO 1. Os escores no DHI brasileiro no pré-tratamento, tanto para vertigem crônica por outras causas, como para a VPPB foram bem similares, mostrando importantes interferências na qualidade de vida de ambos os grupos.
2. A RV melhorou a qualidade de vida de ambos os grupos.
3. No pós-tratamento, os pacientes com VPPB demonstraram uma melhor qualidade de vida se comparados com os portadores de vertigem crônica por outras causas.
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1. Mestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa e São Paulo. Fonoaudióloga responsável pelo Ambulatório de Otoneuroloiga do Departamento de Otorrinolaringologia da ISCMSP.
2. Doutor em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal de São Paulo. Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Instituição: Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. São Paulo / SP - Brasil.
Endereço para correspondência:
Rua Dr. Cesário Mota Junior, 112 4º andar
São Paulo / SP - Brasil - CEP: 01227-900
Artigo recebido em 15 de Dezembro de 2008.
Artigo aprovado em 18 de Dezembro de 2008.