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Ano: 1998  Vol. 2   Num. 3  - Jul/Set Print:
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Controvérsias sobre Timpanoplastia em Crianças
Author(s):
1Mario Valentini Junior, 2Renata Cantisani Di Francesco, 3Rubens Vuono de Brito Neto, 4Aroldo Miniti
Palavras-chave:
INTRODUÇÃO

A otite média é um dos diagnósticos mais freqüentes nas crianças, não apenas os episódios agudos, como também suas seqüelas. A seqüela mais comum é a persistência de efusão no ouvido médio, embora não se possa esquecer da perfuração da membrana timpânica e/ou comprometimento da cadeia ossicular, ou ainda, das mais graves, como as complicações infecciosas intracranianas. Todo comprometimento do ouvido leva a maior ou menor comprometimento da audição.1

Nos países em desenvolvimento, como o nosso, a incidência das complicações das otites é ainda maior, em razão da carência de cuidados ou atendimento adequado em algumas regiões.

Quando a otite média aguda supurada não tem a evolução adequada, a perfuração da membrana timpânica pode permanecer, caracterizando a otite média crônica2. Entre outras causas dessas perfurações, está o trauma da membrana timpânica, também comum em crianças.

Segundo Isaacson, a principal causa de perfuração em membrana timpânica de crianças ocorre como seqüela de tubo de ventilação. Para tubos de curta duração, temos 1 a 4 % e, para tubos de média e longa duração, 12 a 25%. Muitas delas resolvem-se espontaneamente; quando persistem mais de 6 meses, pode-se indicar procedimento cirúrgico.3

O tratamento dessas perfurações crônicas da membrana timpânica, ditas "secas", é ainda hoje difícil e controverso. Se, por um lado, a perfuração permite a ventilação e a drenagem da orelha média, por outro, não permite a proteção adequada do ouvido. A perfuração da membrana timpânica favorece a entrada de água no ouvido durante o banho ou a natação, limitando a vida da criança. Além disso, estas crianças apresentam maior tendência de infecções desse ouvido.

Outro aspecto importante é a perda auditiva. Sabemos que, na infância, a audição é fundamental para o desenvolvimento da linguagem e da comunicação, além de contribuir para o desenvolvimento do pensamento lógico da criança. Sabe-se que mesmo a perda auditiva unilateral pode trazer dificuldades de linguagem nessa idade.

Apesar de tudo, observamos grande dificuldade na determinação da época adequada para realizar a reconstrução da membrana timpânica, nos casos de otite média crônica simples, em crianças.

A membrana timpânica e a caixa do tímpano mudam muito pouco da infância para a idade adulta. Entretanto, há diferenças importantes a serem consideradas nas cirurgias do ouvido médio em crianças. O cirurgião, quando realiza procedimento na criança, deve fazê-lo para que dure pelo menos 70 anos, além de dever ser resistente aos esportes praticados na adolescência. AS cirurgias pediátricas devem ter poucos cuidados pré-operatórios, já que, muitas vezes, as crianças pouco colaboram.3

Vários fatores são reconhecidos como predisponentes às infecções nas crianças. A tuba auditiva é mais curta e menos inclinada, facilitando a entrada de bactérias da nasofaringe para a orelha média. Crianças alimentadas em decúbito horizontal também têm maior possibilidade de otites pela regurgitação do conteúdo da nasofaringe para a caixa timpânica, além da presença de maior quantidade de tecido linfóide na região do óstio tubário. É na infância que ocorre a maior incidência de infecções do trato respiratório. Circunstâncias especiais, como fenda palatina ou malformações orofaciais, também contribuem para a ocorrência de infecções.

Apesar de ocorrer nas crianças a maior incidência de infecções de ouvido e, conseqüentemente, ser nesta época da vida que grande parte das perfurações timpânicas se inicia, tem-se como conceito aguardar a pré-adolescência para a correção cirúrgica dessas perfurações. Se pensarmos que a infância é a época em que existe maior importância para a membrana do tímpano ser íntegra, seja pela função auditiva na aquisição de linguagem e comunicação, seja pela função primária de proteção da caixa timpânica em idade que muitos têm sua iniciação nos esportes aquáticos, achamos interessante rever este conceito cirúrgico e estudar sua base.

Os termos adequados para as cirurgias de reconstrução da membrana timpânica são: miringoplastia, para o fechamento unicamente da membrana timpânica, e timpanoplastia para os fechamentos da membrana timpânica que requerem exploração e/ou reconstrução da cadeia ossicular. Entretanto, para facilitar a leitura, utilizaremos o termo timpanoplastia para ambos os procedimentos. Devemos lembrar que a ênfase desta revisão é a reconstrução da membrana timpânica.

Timpanoplastia em crianças merece considerações especiais. Embora haja muitos artigos sobre timpanoplastias em geral, poucos as descrevem em crianças, mesmo considerando que a maioria das perfurações se origina na infância. Há ainda grande controvérsia sobre a indicação da cirurgia, seleção do paciente e idade, técnica cirúrgica e fatores preditivos de sucesso, cujo índice de sucesso pode variar de 35-93%.4

ARGUMENTOS PRÓ E CONTRA TIMOPANOPLASTIA EM CRIANÇAS

Há diversas razões para prorrogar a idade da timpanoplastia nas crianças. Seriam os principais: 4,5

a) As perfurações poderiam fechar espontaneamente

b) Disfunção tubária até os 7-8 anos

c) Função da perfuração similar ao tubo de ventilação

d) Dificuldade cirúrgica

e) Difícil colaboração da criança no pós-operatório

f) IVAS freqüentes

g) Maior índice de perfurações tardias

Por outro lado, há argumentos favoráveis à realização de timpanoplastia em tempo mais precoce, embora haja divergência entre os autores quanto à idade mínima:4,5

a) Minimizar os riscos de infecções crônicas e suas conseqüências, como dano na cadeia ossicular e formação de colesteatoma

b) Liberdade em esportes aquáticos e banho

c) Elevada taxa de sucesso cirúrgico

INDICAÇÕES DE TIMPANOPLASTIA

A perfuração por otite média aguda supurada não é indicação precisa para timpanoplastia, pois 94% apresentam fechamento espontâneo.

Assim, a principal indicação para timpanoplastia é a otite média crônica, com ou sem alteração da cadeia ossicular. Quando se tem perfuração pequena, sem perda condutiva, a miringoplastia é quase que cirurgia estética, porém traz melhoria na qualidade de vida, permitindo maior liberdade para a prática de esportes aquáticos, sem necessidade de usar os tampões auriculares, que tanto incomodam.

Quando há perda auditiva, a reconstrução da membrana timpânica tem indicação mais formal, já que pode promover melhora da audição. Como já referido, mesmo as hipoacusias unilaterais podem resultar em distúrbios de linguagem para crianças.1

O SUCESSO DA TIMPANOPLASTIA EM CRIANÇAS

A "pega" do enxerto não deve ser o único critério de sucesso da timpanoplastia em crianças. Devemos levar, ainda, em consideração: recorrência de efusão no ouvido médio, elevada pressão negativa, atelectasias, reperfuração e necessidade de tubo de ventilação.

A predisposição ao insucesso, em crianças de tenra idade, pode estar relacionada à imaturidade da estrutura e/ou função da tuba auditiva.

Segundo Bluestone, os seguinte critérios devem ser levados em consideração para a decisão sobre a timpanoplastia em crianças:6

 Idade

 Duração da perfuração (quanto menor, maior a tendência para a cicatrização espontânea)

 Estado da orelha contralateral, quando a membrana timpânica estiver intacta (pode-se avaliar indiretamente a função da tuba)

 Função da tuba auditiva

 Presença ou ausência de otorréia ou colesteatoma.

A AVALIAÇÃO DA TUBA AUDITIVA

A avaliação adequada da tuba auditiva do paciente, antes da cirurgia, pode ser sinal indicativo de sucesso.

Holmquist7 estudou a função da tuba auditiva em adultos que foram submetidos à timpanoplastia: aqueles com boa função foram os que obtiveram os melhores resultados.

Bluestone e colaboradores6 estudaram 45 crianças antes da timpanoplastia. De 51 orelhas, 8 tinham uma função tubárea adequada e destes, 7 obtiveram ótimos resultados quanto ao enxerto, ausência de efusão no ouvido médio e não recorrência da perfuração, em seguimento de 12 a 24 meses.

House e Sujana8, operando 268 ouvidos de crianças de 0-19 anos (média de 10 anos), com a técnica "sobre" e fáscia temporal, obtiveram 92% de fechamento da perfuração e 84% de gap < 25dB, independente do grupo etário estudado.

Os autores citam que a má função da tuba auditiva, quando avaliada no pré-operatório, não vai ser a condição sine qua non para a indicação cirúrgica, já que sempre há outros fatores associados, como já comentamos. A criança deve ser avaliada, ainda, quanto a fatores obstrutivos da tuba auditiva, como: hipertrofia de adenóide, tumores da nasofaringe e outras causas obstrutivas nasais, principalmente a rinite alérgica.

O exame da membrana timpânica contralateral pode colaborar com o prognóstico. Kessler et al.9 avaliaram 209 timpanoplastias em crianças e encontraram acentuada associação entre presença de efusão no ouvido contralateral e insucesso, já que a função tubárea é equivalente para os dois ouvidos. Se um dos ouvidos apresentar otite média secretora e for necessária a colocação de tubo de ventilação, não se deve fazer a timpanoplastia no ouvido contralateral até que esta se resolva.

TIMPANOPLASTIA E ADENOIDECTOMIA

O papel da adenoidectomia é controverso. Seria lógico esperar que, como a presença de uma adenóide hipertrófica altera a função tubárea, a retirada desta, no momento da timpanoplastia, favoreceria o sucesso da mesma. Entretanto, os estudos não conseguiram mostrar essa relação.

Na prática, otologistas pediátricos consideram adequada para a timpanoplastia a idade em torno dos 6 anos.3 Kessler9, no mesmo trabalho citado anteriormente, realizou 209 timpanoplastias em 183 crianças com idade de 0-18 anos utilizando a via retroauricular e enxerto medial ao anel timpânico sete pacientes foram submetidos a adenoamigdalectomia ou adenoidectomia no mesmo tempo cirúrgico e 41, no pré-operatório. Após o sexto mês de acompanhamento, obteve 92-95% de índice de "pega" do enxerto nos três intervalos de idade estudados: 0-6 anos, 6 aos 12 anos e dos 12 aos 18 anos.

Três estudos retrospectivos em crianças não tiveram sucesso em demonstrar que a adenoidectomia interfere na boa evolução da timpanoplastia6. Entretanto, não se pode esquecer que a adenoidectomia é eficaz no tratamento das otites secretoras. Outros estudos devem ser realizados para o esclarecimento destes fatos.

A TÉCNICA CIRÚRGICA

Os princípios das timpanoplastias são os mesmos, em adultos ou crianças.

Em crianças, sempre se realiza as miringo/timpanoplastias sob anestesia geral e, por isso, os benefícios da cirurgia devem ser mais fortes que o risco da anestesia geral.

Os enxertos autólogos são a primeira escolha (fáscia temporal ou pericôndrio do tragus), já que não se conhece os efeitos dos enxertos heterólogos e homólogos em prazos mais longos.

Tratamento alternativo seria a cauterização com ácido tricloro-acético. Como esse procedimento também necessita de anestesia geral nas crianças, muitas vezes acaba-se optando pela cirurgia convencional.

O conduto auditivo externo, na criança, é menor e mais tortuoso: por isso, é mais indicado o acesso retroauricular. Ainda, sua porção óssea é menor e a incisão para o retalho timpanomeatal deve ser realizada com cuidado. Pela tortuosidade do conduto, a remoção da porção abaulada do CAE deve ser realizada com broca, de preferência. Deve-se lembrar que o nervo facial é lateral ao annulus nesta posição.

Há controvérsias quanto à aplicação da técnica "sob" ou "sobre". A técnica "sobre" teria a vantagem de que a pressão negativa do ouvido médio exercida pela tuba auditiva favoreceria a posição do enxerto aderida sobre a reborda da membrana timpânica remanescente.6

Em pacientes com doenças do ouvido médio, ou função diminuída da tuba auditiva, pode ser necessária a colocação de tubo de ventilação e, geralmente, espera-se 6 a 8 semanas para a cicatrização da neomembrana, antes de sua inserção.

Quando a perda auditiva condutiva é muito intensa, infere-se que ocorra alteração também da cadeia ossicular, que pode ser explorada durante a cirurgia. Com a melhoria dos aparelhos de amplificação sonora, esse procedimento pode esperar a vida adulta para a obtenção de melhor resultado.

As manobras pós-operatórias devem ser minimizadas, já que geralmente há pouca colaboração das crianças. O fechamento da incisão retroauricular deve ser feito com fio absorvível. O conduto auditivo externo também deve ser preenchido com material absorvível para garantir menor manipulação do mesmo.1

A IDADE IDEAL

Os autores definem, como idade ideal para a timpanoplastia, 2 a 3 anos antes da puberdade. Paparella10 afirma que a timpanoplastia pode ser feita em qualquer idade, mas Sheehy e Anderson11 não recomendam timpanoplastia eletiva antes de 7 anos.

Bento, Miniti e colaboradores consideram que a cirurgia tem indicação excepcional antes dos 6 anos e deve ser realizada com muito critério. O ideal é operar somente após 10 anos, pela menor incidência de fatores etiopatogênicos que fariam recidivar infecções.12

CONCLUSÃO

Crianças são candidatas duvidosas à miringo ou timpanoplastia, já que grande parte delas apresenta alterações da função tubárea (especialmente em menores der 6 anos). Em casos bem selecionados, obtém-se grande sucesso. Com o desenvolvimento de novas técnicas para a avaliação da função tubárea, talvez haja aumento dos índices de sucesso. Casos bem selecionados devem ter bons resultados em qualquer idade.

Assim, quando o procedimento é bem indicado e a criança e os pais bem orientados sobre os potenciais riscos e benefícios, os resultados são melhores.

Em nossa opinião, não há idade ideal para a timpanoplastia. De modo geral, as crianças na pré-adolescência teriam maior possibilidade de sucesso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Blustone C, Klein J. Intratemporal complications and sequelae of otitis media. In: Blustone C et al. Pediatric Otolaryngology. Vol 1. Third Edition. Saunders. Philadelphia.1996.

2. Miniti, Bento, Botugan. Otorrinolaringologia: Clínica e Cirúrgica. Ed. Atheneu.1993.

3. Isaacson G. Tympanoplasty in Children . Otolaryngologic Clinics of North America.27:3593-605. 1994.

4. Rizer FM. Overlay Versus Underlay Tympanoplasty. Part I: Laryngoscope. 107:1-25.1997.

5. Rizer FM. Overlay Versus Underlay Tympanoplasty. Part II: The Study. Laryngoscope 107:1-25.1997.

6. Blustone C. Cantekin E. Douglas G. Eustachian tube funtion related to the results of tympanoplasty in Children. Laryngoscope. 89:450-458. 1979.

7. Holmquist J. the role of Eustachian tube in Myringoplasty. Acta Otorynolagol (Stockh). 66:209. 1968.

8. Chandrasekhar,S. ; House,J., et al: Pediatric Tympanoplasty: a 10 - year experience. Arch. Otolaryng. Head Neck Surg. Vol.121, August 873-878.1995.

9. KesslerA, Postic WP,Marsh RR. Type I tympanoplasty in children . Arch Otolaryngol Head and Neck Surg 20:487 1994.

10. Paparella MM. Otologic Surgery in Children. Otolaryngol clin Clin North Am 10:145. 1977

11. Sheey JL, Anderson RG. Miryngoplasty: a review of 432 cases. Ann Otol Rhinol Laryngol 89;331. 1980.

12. Bento RF; Miniti A, Di Francesco R C, Figueiredo LA. Atlas Interativo de Cirurgia das Infecções do Ouvido Médio. Fundação Otorrinolaringologia- Pfizer. 1997.

1- Doutorando do Curso de Pós Graduação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
2- Doutoranda do Curso de Pós Graduação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
3- Doutorando do Curso de Pós Graduação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
4- Professor Titular do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Mediciana da Universidade de São Paulo.
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