INTRODUÇÃOA amiloidose é uma doença de depósito que pode ser classificada em dois tipos: sistêmica e localizada (1). Amiloidose localizada em cabeça e pescoço é uma doença rara e benigna, podendo envolver órbita, seios paranasais, nasofaringe, cavidade oral, glândulas salivares e laringe (2, 3, 4). A laringe é o sitio mais comum de acometimento. Existem poucos relatos na literatura de amiloidose nasal localizada (5, 6).
O quadro clínico geralmente é de epistaxes recorrentes, gota pós-nasal, obstrução nasal e disfunção da tuba de Eustáquio quando a lesão se estende para o cavum (4, 5, 6, 7). Apesar de a amiloidose nasal localizada apresentar um crescimento lento, o controle da doença é difícil pela possibilidade de recorrência ou persistência, mesmo com tratamento cirúrgico (1, 6, 7).
RELATO DO CASOPaciente masculino, 46 anos, branco, com queixa de obstrução nasal contínua há três anos associada a episódios de rinorreia, sinusopatia maxilar e frontal, plenitude auricular em orelha esquerda e epistaxes recorrentes. Ao exame otorrinolaringológico foi identificada lesão em meato nasal esquerdo, abaulamento de palato mole e leve retração de membrana timpânica esquerda.
O estudo tomográfico sem contraste (TC) dos seios da face evidenciou obliteração por material com densidade de partes moles e efeito expansivo do seio maxilar e meatos nasais à esquerda, com erosão da parede medial do seio maxilar, cornetos nasais e septo nasal, além de espessamento reacional do seio maxilar (Figura 1).
Figura 1. Tomografia computadorizada de face corte coronal demonstrando obliteração por material com densidade de partes moles e efeito expansivo do seio maxilar e meatos nasais à esquerda (seta), com erosão da parede medial do seio maxilar, cornetos nasais e septo nasal e espessamento reacional do seio maxilar.
Foi realizada biópsia ambulatorial da lesão cujo estudo anatomopatológico revelou amiloidose.
O exame físico completo do paciente era normal e não havia evidência de hepatoesplenomegalia à palpação. Exames laboratoriais para avaliação da função renal, eletrocardiograma e ulrassonografia abdominal também não apresentavam alterações.
O paciente foi submetido à ressecção endoscópica da lesão de aproximadamente 3,5cm em seu maior diâmetro, que se estendia do meato nasal esquerdo até o seio maxilar (Figura 2). Procedeu-se à remoção da lesão e das áreas acometidas ao redor de forma centrípeta, iniciando com incisão em parede nasal lateral e descolamento subperiosteal, descolamento da massa do teto do etmoide e liberando-a para região do cavum, sendo retirada pela cavidade oral. (Figura 3). Os fragmentos da lesão no interior do seio maxilar foram removidos com o auxílio de óptica de 4mm e 70 graus e pinças anguladas. A lesão não apresentava aderência no interior do seio maxilar, o que possibilitou sua ressecção sem a necessidade de um acesso externo (tipo Caldwell-Luc).
Figura 2. Imagem da lesão em meato nasal esquerdo.
Figura 3. Imagem da lesão sendo retirada pela cavidade oral.
O exame anatomopatológico revelou fragmentos de mucosa escamosa, tendo no cório acentuada deposição de amiloide de permeio a fibroblastos, confirmando o diagnóstico prévio de amiloidose (Figura 4).
Figura 4. Fragmentos de mucosa escamosa tendo no cório acentuada deposição de amiloide (setas) de permeio a fibroblastos (HE 400x).
O paciente apresenta-se com 3 anos de seguimento sem recorrência da lesão.
DISCUSSÃOA amiloidose resulta do depósito de proteínas insolúveis, fibrosas e amiloides, principalmente nos espaços extracelulares de órgãos e tecidos que, ao serem coradas com vermelho do Congo, apresentam uma birrefringência quando vistas com luz polarizada (1, 3). Acometem principalmente indivíduos entre a quarta e oitava década de vida, principalmente o sexo masculino (3:1 a 3:2). 1
A amiloidose em cabeça e pescoço é uma forma rara e considerada um processo benigno que geralmente se apresenta como amiloidose localizada. Acomete principalmente a laringe, subglote e tireoide, podendo afetar também a órbita, glândulas salivares, seios paranasais e cavidade oral. O acometimento nasofaríngeo é extremamente raro (1, 2).
Quando se diagnostica amiloidose em cabeça e pescoço deve-se excluir amiloidose sistêmica com envolvimento da região da cabeça e pescoço como parte da manifestação clínica. A possibilidade de doença sistêmica deve ser excluída através de uma anamnese detalhada, exame físico completo, exames laboratoriais como eletroforese sérica, eletrocardiograma e ulrassonografia abdominal. Muitos autores sugerem a realização de biópsia de gengiva, língua, rim, fígado e mucosa retal se a doença sistêmica é altamente suspeita. Aspiração da gordura abdominal para coloração com vermelho do Congo é um procedimento efetivo para muitos autores, cuja sensibilidade (75% a 90%) é similar à biópsia da mucosa retal. No entanto, para outros autores, não é clinicamente eficaz realizar investigação através de biópsias para amiloidose sistêmica em casos de amiloidose localizada sem sintomas sistêmicos aparentes como, por exemplo, alteração da função renal (6, 7).
A amiloidose nasofaríngea é um tumor de crescimento lento, benigno, mas sua localização pode ser agressiva e geralmente ocorre osteólise (1). Os sintomas geralmente são obstrução nasal, epistaxe recorrente e hipoacusia secundária à otite média efusiva por disfunção da tuba auditiva (1, 2). Tomografia computadorizada ou ressonância magnética ajudam na avaliação da destruição óssea e na visualização da extensão da lesão. O diagnóstico definitivo é histopatológico (1, 2, 3).
A amiloidose localizada possui um excelente prognóstico, porém os tumores amiloides da nasofaringe são de difícil tratamento e possuem certa recorrência (4). A excisão cirúrgica era realizada principalmente via transpalatal, tendo como principal complicação sangramento devido à perda da integridade vascular pela infiltração amiloide nos vasos sanguíneos. No entanto, atualmente, a via endoscópica nasal tem sido a de escolha por ser menos invasiva, bem como o uso de microdebridador mais recentemente.
Não há evidência de que o tratamento cirúrgico da amiloidose nasal prolongue a sobrevida dos pacientes ou que a amiloidose localizada possa progredir para a forma sistêmica (5, 6). Sendo assim, todos os pacientes devem ser acompanhados para observação de evidências de recorrência ou aparecimento da forma sistêmica da doença, esta ainda sem tratamento definitivo (1).
COMENTÁRIOS FINAISApesar de rara, a amiloidose nasal deve ser considerada no diagnóstico diferencial de obstrução nasal, epistaxe e otite média secretora. Além disso, deve ser conhecida e entendida pelo otorrinolaringologista, que deve diagnosticar e planejar seu tratamento adequadamente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Pang KP, Chee LW, Busmanis I. Amyloidoma of the nose in a pediatric patient: a case report. Am J Otolaryngol. 2001, 22(2):138-41.
2. Patel A, Pambuccian S, Maisel R. Nasopharyngeal Amyloidosis. Am J Otolaryngol. 2002, 23:308-11.
3. Chin SC, Fatterpeckar G, Kao CH, Chen CY, Som PM. Amyloidosis concurrently involving the sinonasal cavities and larynx. AJNR Am J Neuroradiol. 2004, 25(4):636-8.
4. Tsikoudas A, Martin-Hirsch DP, Woodhead CJ. Primary sinonasal amyloidosis. J Laryngol Otol. 2001, 115:55-56.
5. Lim JS, Lebowitz RA, Jacobs JB. Primary amyloidosis presenting as a nasopharyngeal mass. Am J Rhinol. 1999, 13(3):209-12.
6. Zundel RS, Pyle GM, Voytovich M. Head and neck manifestations of amyloidosis. Otolaryngol Head Neck Surg. 1999, 120(4):553-7.
7. Tsai YT, Huang CM, Chen YJ, Leu YS. Localized Nasopharyngeal Amyloidosis - A Case Report. Tzu Chi Med J. 2005, 17(5):353-5.
1. Médica Residente do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial da Santa Casa de Misericórdia e Curitiba.
2. Médica Otorrinolaringologista. Médica Preceptora do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial da Santa Casa de Misericórdia e Curitiba.
3. Médica Otorrinolaringologista.
4. Médico Otorrinolaringologista do Hospital Universitário Cajurú - PR.
Instituição: Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba. Curitiba / PR - Brasil.
Endereço para correspondência:
Scheila Maria Gambeta Sass
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Artigo recebeido em 20 de Maio de 2008.
Artigo aceito em 02 de Setembro de 2008.