INTRODUÇÃO As alterações de voz na infância interferem de modo negativo no desempenho social ou mesmo no desenvolvimento afetivo-emocional de qualquer criança. Disfonia é conceituada como um enfraquecimento de todos os parâmetros vocais, apresentando várias modificações na qualidade do som, do timbre, do pitch ou da intensidade (1). Por ocorrerem em uma fase de formação de caráter e personalidade, os problemas de voz na infância requerem sempre uma investigação precisa, o que demanda tempo e dedicação dos profissionais que lidam com esse tipo de alteração (2). Destaca-se ainda que a disfonia é um sintoma comum em crianças, sendo de etiologia diversa, variando desde alterações no funcionamento dos órgãos fonoarticulatórios até lesões incapacitantes e com risco de vida (3).
Os fatores predisponentes e agravantes das disfonias infantis podem ser agrupados em cinco categorias: hábitos vocais inadequados; fatores ambientais físicos e psicológicos; estrutura da personalidade; inadaptação fônica; fatores alérgicos, dentre outros (4).
A caracterização de hábitos vocais presentes na infância contribui para a análise das possíveis causas e fatores mantenedores que podem estar relacionados a alterações vocais. Nas creches, as crianças apresentam muitas oportunidades para cometer abusos vocais que levam aos distúrbios laríngeos: exposição a ruídos que induz à competição vocal; poeira que leva ao ressecamento do trato vocal; padrão inadequado dos educadores que se configura num modelo vocal negativo; participação em atividades ao ar livre, onde o autocontrole vocal é dificultado (5).
Com relação à prevalência de disfonia infantil por gênero, estudos afirmam não existir diferença significativa entre meninos e meninas (4-5). Entretanto, a maioria das pesquisas destaca uma maior ocorrência dessa alteração vocal em crianças do sexo masculino, justificada pela exigência social de um comportamento mais agressivo (6,7-8).
A incidência de disfonia infantil em escolas varia de 6% a 23,4%, com pico entre cinco e 10 anos de idade, porém, não é raro encontrar crianças com três anos de idade com diagnóstico de nódulos vocais (4). Assim, a atuação dos profissionais na equipe multidisciplinar e principalmente nas escolas e creches proporciona maior esclarecimento aos pais, educadores e outros profissionais da saúde, que se mostram mais atentos aos diversos aspectos do desenvolvimento da linguagem, incluindo o desempenho vocal da criança (9), o que poderá contribuir para a prevenção de possíveis distúrbios vocais nessa população infantil, tendo em vista seus comportamentos vocais.
Desse modo, como forma de identificarmos a percepção dos pais com relação a voz de seu filho, o objetivo deste estudo foi descrever o comportamento vocal, identificado pelos pais, de crianças pré-escolares pertencentes a uma creche-escola.
MÉTODO Considerações éticas Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRPUSP), processo número 10568/2004.
Caracterização da amostra O projeto desenvolveu-se por meio da análise de um questionário respondido por 33 pais de crianças préescolares na faixa etária entre cinco e sete anos de idade, com média de idade de seis anos e dois meses, sem distinção de raça e gênero, sendo 14 (42,4%) meninas e 19 (57,6%) meninos, pertencentes à uma creche-escola. Esses pais apresentavam nível de escolaridade abrangendo o 1º grau completo (16,7%), 2º grau completo (36,7%), superior (completo: 26,7% e incompleto: 13,3%) e pósgraduação (6,6%). A mérito de controle, foram entregues inicialmente 75 questionários, porém apenas 33 (44%) foram respondidos e devolvidos.
Procedimento O questionário foi confeccionado para avaliar de maneira qualitativa as respostas dos pais com relação ao comportamento vocal de seu filho e à possível ocorrência de fator patológico associado. O instrumento foi autoadministrado, contendo 12 questões e dividido em seis categorias: identidade vocal, brincadeira predileta, hábitos vocais e ambiente familiar, fator patológico e comportamento dos pais com relação à alteração vocal.
A aplicação do questionário, entregue juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi feita aos pais ou responsáveis pessoalmente pela pesquisadora, na própria instituição ao início e término de dias letivos escolhidos pela diretora. Os questionários preenchidos foram depositados em uma urna deixada pela pesquisadora na creche-escola, segundo determinação da responsável pela instituição.
Análise estatística Realizou-se por meio da estatística descritiva, suficiente para resumir o fenômeno de interesse, por meio da utilização de técnicas que sumarizaram os dados em tabelas e medidas descritivas.
RESULTADOS A partir da exploração dos 33 questionários, observou-se que comportamentos vocais das crianças tais como gritar, falar excessivamente, em forte intensidade, com esforço e gargalhar, foram respondidos por 39,6% dos pais (Tabela 1). O hábito de imitar outras vozes foi notado em 24,2% dos questionários, destacando-se vozes de monstros (26,3%), de personagens de TV (31,6%) e de animais, com 21%.
Na identidade vocal de todas as crianças, a maioria dos pais (66,7%) classificou a voz de seu filho como normal, e o restante classificou-a como alterada. Destes, 27,3% consideraram a voz como rouca, seguidos por 18,2% que a caracterizaram como de forte intensidade e 9,1%, rouca e de forte intensidade. Também foram anotadas as características: fraca intensidade, nasal, nasal e de forte intensidade e outras.
Os pais que afirmaram existir algum tipo de alteração vocal em seu filho, citaram que isso ocorria quando a criança voltava da creche, gritava muito e cantava em forte intensidade, respondendo cada uma com 18,2% do total de questionários (Tabela 2). Apenas 25% dos pais responde-ram que a voz de seu filho chamava a atenção de outras pessoas.
Com relação à atitude dos pais diante da alteração vocal do seu filho, 36,4% conversaram com a criança a respeito do problema e 18,2% solicitavam que a criança parasse de falar. Outras respostas, tais como: eram indiferentes, orientavam a criança como usar a voz, procuravam por assistência médica e por auxílio médico e fonoaudiológico, foram registrados, cada uma em 9,1% dos questionários.
Das brincadeiras que envolvem o uso contínuo da voz, o futebol apresentou a maior prevalência (30,8%), seguido pelo cantar e brincar com bonecas, respondendo cada uma com 15,3% (Tabela 3). Contrapondo-se a isso, segundo os pais, andar de bicicleta representou a brincadeira que menos utiliza continuamente o uso da voz (23,8%), seguida pelo desenhar e natação, representada cada uma com 19% (Tabela 4).
Do total de brincadeiras prediletas das crianças, 55,3% envolvem diretamente o uso contínuo da voz. O hábito de gritar ou falar alto (forte intensidade) na casa da criança ocorreu em 39,4% das famílias e, deste valor, 28,6% referem ocorrer de forma constante.
A presença da rinite alérgica nas crianças foi assinalada em 63,6% dos questionários, dos quais 40,9%, segundo os pais, estão associados a alterações vocais.
DISCUSSÃO A princípio, deve-se ressaltar que menos de 50% dos questionários foi respondido e devolvido pelos pais, o que pode ser entendido como falta de preocupação dos pais com relação às possíveis alterações vocais de seu filho, desconhecimento a respeito dos problemas da voz em crianças, desinteresse em colaborar com o estudo, ou ao contrário, somente pais preocupados com a existência de distúrbios vocais em seus filhos tenham preferencialmente optado por responder ao questionário. Porém, a maioria dos pais (66,7%) classificou a voz de seu filho como normal, o que torna essa última possibilidade citada menos viável.
Metodologicamente, o estudo foi desenvolvido criando-se as mesmas oportunidades para que os 75 pais convidados respondessem ao questionário, obedecendo ao livre consentimento do participante em colaborar com a pesquisa.
Com relação aos resultados obtidos neste trabalho, puderam-se observar hábitos vocais abusivos em 39,6%, a exemplo de gritar, falar excessivamente, falar em forte intensidade, falar com esforço e gargalhar. Produção vocal em forte intensidade e de modo forçado foi observada também em crianças com rouquidão crônica (6). Crianças com alterações vocais mantêm a intensidade forte em diversas situações de conversação, não se preocupando em adequá-la ao ambiente ou com a intenção da mensa-gem (2).
Destaca-se ainda que abusos vocais, como a fala com muito esforço ou fala excessiva, podem contribuir para a fixação de um padrão hiperfuncional que em algum momento poderá resultar em lesões adicionais nas pregas vocais (10). Sabe-se que o abuso e mau uso vocal primário podem causar, relativamente cedo, reações teciduais nas pregas vocais de crianças, em virtude da plasticidade histológica e comportamental que estas apresentam (11).
Portanto, as disfonias crônicas na infância são causadas pelo uso excessivo da voz, em que crianças excedem os limites máximo e mínimo do alcance da intensidade vocal em relação à sua idade (12). No presente estudo, as respostas dos pais que afirmaram existir algum tipo de alteração vocal na criança estão de acordo com a literatura, demonstrando que essas atitudes são muito comuns em crianças com disfonia (11).
Além dos fatores vocais abusivos já citados, outros hábitos foram observados no presente estudo, porém em menor ocorrência, como o gargalhar e o sussurrar. Da mesma forma, existem achados (9) sobre práticas consideradas abusivas e acentuadamente presentes durante a infância que são o chorar, o rir (gargalhar), imitar ruídos ou outras vozes, tossir e pigarrear (1-12), que podem também contribuir para a alteração vocal infantil.
Diante do resultado obtido acerca do comportamento vocal abusivo reconhecido pelos pais, surgem questionamentos envolvendo aqueles que não assinalaram a ocorrência desses hábitos em seus filhos. Questiona-se se esse tipo de comportamento vocal realmente não ocorre ou se esses pais apenas não o reconhecem como sendo abusivo e, portanto, faz-se necessária orientação profissional para a conscientização dos hábitos vocais nocivos à produção natural da voz.
Por outro lado, temos que considerar sobre os pais que responderam que seus filhos cometem algum tipo de mau uso da voz, ou seja, será que está claro o suficiente para esses informantes sobre o que é hábito vocal com caráter "abusivo". Acrescido a isso, as condições aceleradas da vida diária promovem um comportamento mais estressante nos pais, dificultando o diálogo e o contato mais próximo com os filhos e diminuindo a possibilidade de melhor avaliar e atentar-se aos hábitos vocais deles.
É preciso ressaltar que os dados relacionados aos hábitos vocais das crianças obtidos neste trabalho, mostram apenas a percepção dos pais acerca do comportamento vocal de seu filho em determinada unidade escolar, não sendo possível a inferência disso para a população de modo geral. Porém, pode contribuir para uma maior reflexão a respeito do bem-estar vocal em crianças em idade pré-escolar, associando-se a outros estudos existentes e que apresentam a mesma preocupação.
A criança pode desenvolver problemas de voz em virtude da imitação vocal, pois durante o desenvolvimento da linguagem, ela aprende tanto o significado das palavras quanto a maneira como são produzidas auditivamente. Somado a isso, nódulos vocais podem ser encontrados em crianças propensas a falar em forte intensidade, gritar constantemente, ou produzir sons nocivos de imitações de animais, veículos ou herois e monstros de desenhos anima-dos (13).
Tais comportamentos vocais abusivos podem gerar a disfonia e comprometer o desempenho comunicativo, uma vez que a voz não é apenas um som produzido pelas pregas vocais; é também responsável pela competência comunicativa que depende da modulação do som, ajustes da intensidade, ressonância e do próprio tipo de voz que transmite os aspectos emocionais e possibilita a caracterização da personalidade da criança.
Neste estudo, evidenciou-se que 33,3% dos pais participantes perceberam e consideraram a voz da criança como alterada, e que 27,3% classificaram-na como rouca, concordando com outros estudos (5-6), que também constataram a rouquidão como sendo a alteração vocal mais comum em crianças, predominando em escolares mais precoces. Apesar da concordância com a literatura a respeito da rouquidão, convém destacarmos que os achados relacionados à caracterização qualitativa de voz normal ou alterada se basearam na percepção dos pais em relação à voz de seu filho, estando susceptíveis a influências diretas da subjetividade auditiva dos mesmos, e se somada a uma avaliação vocal fonoaudiológica teria maior confiabilidade a respeito disso. Porém, tais achados, junto ao que é preconizado pela literatura, permitem nos alertar a respeito do comportamento vocal das crianças em idade escolar junto aos pais e educadores, favorecendo um trabalho conjunto visando à prevenção de hábitos vocais nocivos e a promoção do bem-estar vocal.
Posto que a rouquidão seguida do uso vocal em forte intensidade prevaleceu segundo a percepção dos pais, e que em 9,1% das vozes alteradas, a rouquidão ocorreu associada à forte intensidade, constroi-se o questionamento de que tais qualidades vocais possam ou não se relacionar como causa e como consequência.
Com relação ao momento em que mais se evidenciou a alteração vocal na criança, de acordo com os pais que responderam existir algum tipo de desordem vocal em seu filho, a maioria optou pelos momentos em que a criança volta da creche-escola, grita muito e canta, correspondendo cada um a 18,2% desses pais. O fato da alteração vocal ocorrer na volta da creche, pode estar relacionado às oportunidades para cometer abusos vocais que a própria instituição educacional oferece como a exposição a ruídos que induz à competição vocal e ao padrão inadequado, que se configura como um modelo vocal negativo, dentre outros (5). De acordo com os resultados encontrados devese pensar que seriam salutares ações que promovam o bem estar vocal, como palestras de orientação a pais, professores e crianças, de modo a favorecer a ocorrência de hábitos vocais mais saudáveis e de brincadeiras menos nocivas ao aparelho fonador.
É importante que a questão ambiental seja considerada, principalmente quando determinados momentos ou atividades da criança favorecem a piora vocal da mesma. Isto faz com que os profissionais da área da saúde alertem os pais a terem atenção especial nessas ocasiões, verificando os possíveis fatores desencadeantes da piora e, assim, tomando os cuidados pertinentes à saúde vocal.
Do mesmo modo, convém ressaltar que 55,3% das crianças, segundo seus pais, apresentaram como brincadeiras prediletas àquelas que envolvem continuamente o uso da voz, o que também sugere alerta aos pais, de modo a fazê-los compreender os riscos vinculados a essas brincadeiras, porém ponderando entre precaução e diversão da criança. Isto é válido uma vez que se trata de brincadeiras preferidas e que, portanto, ocorrem de forma constante. Especialmente para aquelas que envolvem a movimentação corporal associada ao uso vocal, devem ser criadas novas estratégias que correspondam à utilização vocal, como uso de gestos e sinais que favorecem o menor desgaste da voz durante as brincadeiras. Tais cuidados são necessários em virtude da associação do esforço físico e da vocalização, ou seja, a criança pode apresentar uma sobrecarga na região cervical em muitas atividades, favorecendo uma vocalização mais comprimida e tensa, podendo prejudicar o aparelho fonatório.
Também devem ser consideradas aquelas brincadeiras que envolvem a voz, porém sem associação a qualquer tipo de esforço corporal, pois apesar disto, são brincadeiras frequentes, posto que prediletas, podendo ocorrer vocalizações de maneira inadequada que, em repetidas vezes podem prejudicar a voz da criança, o que justifica a atenção dos pais.
Saúde vocal pôde ser observada na maioria das respostas presentes, estando entre elas a ingestão frequente de água (16,7%) e ter sono adequado (19,4%). Recomenda-se repouso corporal adequado à criança após uso intensivo da voz, pois a fonação exige uma grande quantidade de energia que necessita ser recuperada diariamente. Dessa forma, concomitante ao repouso corporal, o descanso vocal pode também ser estabelecido.
Diante de uma alteração vocal, 36,4% dos pais agiram por meio do diálogo a respeito do assunto (alteração vocal) com a criança e, apenas 18,2% procuraram por atendimento profissional (médico e/ou fonoaudiológico). Por outro lado, somente 9,1% responderam ficar indiferentes a alteração vocal do filho.
Quando tratamos de desordens vocais isoladas, nem sempre é dado o devido cuidado, especialmente por parte das famílias, que muitas vezes ainda consideram a rouquidão infantil como um sintoma temporário e sem importância (9). As desordens vocais estão sempre relacionadas com alteração na estrutura, função ou desenvolvimento da fonação, devendo assim ser adequadamente investigadas, podendo a voz ser considerada como um valioso índice de Takeshita TK saúde ou doença da criança. Os resultados encontrados no presente estudo diferiram do conteúdo da literatura no que diz respeito à atenção dos pais para com as alterações vocais de seus filhos, evidenciando preocupação com a desordem vocal. Esse resultado pode estar relacionado à população selecionada para esta pesquisa, pois se tratam de pais com nível de instrução elevado.
Ainda de acordo com o estudo, evidenciou-se na questão ambiental, que o hábito de gritar ou falar em forte intensidade na casa da criança ocorreu em 39,4% dos questionários, sendo que o som da voz ou o estilo de interação vocal de uma criança é normalmente similar àquele de uma pessoa adulta no seu ambiente, podendo a criança não estar consciente disso (10), o que pode inferir que as crianças dessas famílias estão mais propensas a desenvolver padrões fonatórios similares ao de seu ambiente, ou seja, do modelo vocal oferecido pelos seus pais e educadores.
Os pais referem-se aos horários de refeição, banho, escovação de dentes e hora de dormir, os quais são realizados por meio de seus gritos de ordem, como os momentos de maior competitividade vocal em seus lares. Diante dessas repostas, sugerem-se estratégias para colocação de limites e evitar assim, os abusos vocais. É reforçado que a competição vocal entre membros da família é bastante evidente no ambiente da criança disfônica (13).
Convém acrescentar que características genéticas, culturais e ambientais, somadas a particularidades de personalidade ou temperamento mesclam-se já nos primeiros anos de vida para constituir e formar a voz de um novo ser (9). Um estudo envolvendo um grande número de crianças do Reino Unido com oito anos de idade não identificou diferença significativa entre ruído ambiental e ocorrência de disfonia infantil (14).
Em se tratando das alergias respiratórias e infecções das vias aéreas superiores, as crianças frequentemente as apresentam nas creches, fazendo com que a voz seja produzida em condições desfavoráveis, na presença de mucosas ressecadas, edemas e irritação no trato vocal (5). Para constatarmos a relação entre voz e alergia, verificamos no atual estudo, que a porcentagem de crianças consideradas alérgicas representou 63,6% da amostra, e 40,9% dessas crianças apresentavam algum tipo de alteração vocal.
De acordo com a literatura, é sabido que tanto a rinite alérgica quanto hábitos vocais inadequados contribuem para o desenvolvimento da disfonia. Mediante a esses resultados é possível entender que a associação entre rinite alérgica e hábitos vocais abusivos pode contribuir significativamente para o desenvolvimento do distúrbio vocal e comprometer o desempenho comunicativo. Essa correlação voz-rinite também foi observada na literatura (13), que mostrou que cerca de 25% das crianças com nódulos vocais apresentam alergia. Outro estudo envolvendo 71 crianças com idade entre 3 e 13 anos e queixas de disfonia, constatou rinite alérgica em apenas 8 dessas crianças (7). A influência desses fatores alérgicos na produção vocal ocorre principalmente quando associadas às atividades que exigem vocalizações, podendo essas crianças apresentar risco de desenvolver padrões hiperfuncionais de comportamento vocal (10).
Podemos enfatizar que o presente estudo contribui para a compreensão do comportamento vocal de crianças pré-escolares, por meio das respostas dos seus pais, permitindo comparações e possibilitando a realização de novas pesquisas nessa área, já que, de acordo com a literatura, não há programas específicos de prevenção em pré-escolas, havendo, portanto, necessidade de mais trabalhos na promoção de hábitos vocais mais saudáveis (15).
Pode-se também destacar a importância da detecção precoce da alteração vocal infantil, já que é tida como uma desordem bastante comum em crianças pré-escolares (616), podendo ter reflexos no desenvolvimento da capacidade de comunicação adequada na vida adulta (2). Diante das dificuldades de percepção da criança com relação à alteração vocal, as quais dificilmente queixam-se de cansaço, dor ou esforço para falar (9) ou não acham que sua voz rouca seja uma voz anormal (17), deve-se salientar a importância da orientação familiar e educacional para proporcionar um ambiente e situações mais favoráveis a essas crianças, e contribuir, quando necessário, para o sucesso terapêutico (10). Somado a isso, temos ainda de considerar a importância de orientação e esclarecimento às crianças a respeito dos danos que elas podem causar à voz, porém, demonstrando compreensão, pois muitos desses comportamentos fazem parte do cotidiano da criança.
A caracterização de hábitos vocais presentes na infância contribui para a análise das possíveis causas e fatores mantenedores que possam estar relacionados a alterações vocais nas crianças.
A amostra estudada é pequena e essa investigação deve se estender buscando outras populações de escolas e creches diferentes. No entanto, baseado no que foi citado de literatura e nos achados dessa pesquisa, percebe-se a necessidade de um trabalho de orientação aos pais a respeito do bem estar vocal para que haja a prevenção de disfonia infantil. A rouquidão não deve ser identificada como parte do desenvolvimento normal da criança; as brincadeiras e hábitos, por sua vez, devem ser revistos para a manutenção da voz normal, do pleno desenvolvimento da comunicação e do ajuste social e emocional do discurso da criança.
CONCLUSÕES Pela exploração dos dados, conclui-se que maioria dos pais avaliados nessa amostra reconheceu que seus filhos apresentavam comportamentos vocais abusivos, apesar de muitos deles terem caracterizado a voz como normal; as brincadeiras prediletas das crianças, predominantemente, envolviam o uso da voz; a rinite alérgica foi fator associado a algum tipo de alteração vocal em quase metade das crianças; hábito de gritar ou falar em forte intensidade na casa da criança ocorreu em menos da metade dos sujeitos pesquisados, sendo que, em alguns destes, isto ocorreu de modo constante; e a atitude mais comum aos pais frente a alteração vocal foi de conversar com o filho sobre o assunto, em detrimento a procurar atendimento profissional.
AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Edson Zangiacomi Martinez pela elaboração da estatística descritiva e ao graduando de Medicina Fabricio Henrique Monaretti pelas importantes considerações realizadas. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela colaboração e incentivo aos iniciantes da área científica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Hirschberg J, Dejonckere PH, Hirano M, Mori K, Schultz-Coulon HJ, Vrticka K. Voice disorders in children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol.1995, 32 (Suppl 1):S109-25.
2.Freitas MR, Weckx LLM, Pontes PAL. Disfonia na infância. Rev Bras Otorrinolaringol. 2000, 66:257-65.
3. Freitas MR, Pela S, Gonçalves MIR, Fujita RR, Pontes PAL, Weckx LLM. Disfonia crônica na infância e adolescência: estudo retrospectivo. Rev Bras Otorrinolaringol. 2000, 66:480-4.
4. Melo ECM, Mattioli FM, Brasil OCO, Behlau M, Pitaluga ACA, Melo DM. Disfonia infantil: aspectos epidemiológicos. Rev Bras Otorrinolaringol. 2001, 67:804-7.
5. Simões M, Rosa AHO, Soares JC, Ribeiro LR, Imamura VM, Bitar ML. Alteração vocal em crianças que frequentam creche. Pró-Fono. 2002, 14:343-50.
6. Silverman E, Zimmer C. Incidence of chronic hoarseness among school-age children. J Speech Hear Dis. 1975, 40:211
15.
7. Martins RHG, Trindade SHK. A criança disfônica: diagnóstico, tratamento e evolução clínica. Rev Bras Otorrinolaringol. 2003, 69:801-6.
8. Kiliç MA, Okur E, Yildirim I, Guzelsoy S. The prevalence of vocal fold nodules in school age children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2004, 68:409-12.
9. Hersan RC. Disfonia na infância. Abordagem fonoaudiológica. In: Campos CAH, Costa HOO, editores. Tratado de Otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 2003. 546-557.
10. Andrews ML. Terapia vocal para crianças: uma perspectiva clínica. In: Andrews ML. Terapia vocal para crianças: os primeiros anos escolares. Porto Alegre: Artes Médicas; 1998. 11-30.
11. Dejonckere PH. Voice problems in chidren: pathogenesis and diagnosis. Int J Pediatr Otorhinolaryngol.1999;49 (Suppl 1):S311-4.
12. Niedzielska G, Glijer E, Niedzielski A. Acoustic analysis of voice in children with noduli vocales. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2001, 60:119-22.
13. Behlau M, Madazio G, Pontes P. Disfonias organofuncionais. In: Behlau M. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001, 295-326.
14. Cardigan PN, Roulstone S, Northstone K. The prevalence of childhood dysphonia: a cross-sectional study. J Voice. 2006, 20:623-30.
15. Hooper CR. Treatment of voice disorders in children. Lang Speech Hear Serv Sch. 2004, 35:320-6.
16. Baynes RA. An incidence study of chronic hoarseness among children. J Speech Hear Dis.1966, 31:172-6.
17. Mori, K. Vocal fold nodules in children: preferable therapy. Int J Pediatr Otorhinolaryngol.1999, 49 (Suppl 1):S303-6.
1. Fonoaudióloga. Pós-graduanda da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
2. Professora Doutora. Docente do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
3. Professor (a) Doutor (a). Docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo)
4. Professora Associada. Docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Instituição: Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto / SP - Brasil.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. Hilton Ricz - Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - Av. Bandeirantes, 3900 - Monte Alegre - Ribeirão Preto / SP - Brasil - CEP: 14048-900 - Telefone: (55 16) 3602-2353 - Fax: (55 16) 3602-2860 - E-mail: hricz@fmrp.usp.br CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Artigo recebido em 08 de Maio de 2009. Artigo aceito em 04 de Julho de 2009.