INTRODUÇÃO A necessidade de um conhecimento mais exato da flora nas otites media crônica é ponto fundamental no diaa-dia do especialista, tanto pela grande frequência de casos, como pelo fato de cura da supuração ser condição indispensável para uma cirurgia funcional posterior.
A otite media crônica (OMC) é uma doença que ainda prevalece em nosso meio e que tende a ser persistente e destrutiva, podendo levar a produção de sequelas irreversíveis. Sua etiopatogenia é multifatorial tendo as infecções respiratórias recidivantes importante papel na manutenção deste quadro. O processo infeccioso é caracterizado como polimicrobiano, geralmente evoluindo com associação de bactérias facultativas, aeróbio e anaeróbio estrito estando este ultima presentes em 30 a 60% dos casos (1).
Segundo JAHN (2), após a introdução dos antibióticos, a partir da década de quarenta, as complicações decorrentes das otites medias crônicas desapareceram quase que por completo da clinica otológica. Entretanto, o uso indiscriminado de antibióticos na medicina tem contribuído nestes últimos anos, para o aparecimento de amostras multiresistentes e para o retorno das complicações nesta doença.
Os principais estudos bacteriológicos são devidos a PALVA, KARJA e RAUNIO (3); LANG col (4); HARKER e KOONTZ (5); KARMA, JOKIPH e OJALA (6); MELON e GORET (7); ITZHAK BROOK e BETHESDA (8); FEDERSPIL e col (9).
Temos que considerar por um lado, os tipos de germes mais detectados em culturas de secreções do ouvido e por outro o papel dos germes e de seus produtos metabólicos na evolução da otite crônica.
A mudança da população bacteriana em infecção crônica com o decorrer dos anos é fato constatado na literatura (1,2).
Este trabalho tem como objetivo fazer um estudo comparativo entre os achados bacterianos encontrados na secreção da otite média crônica simples e colesteatomatosa.
MÉTODO No período de janeiro de 2006 a setembro de 2008, realizamos um estudo retrospectivo bacterioscópico de 83 pacientes (125 orelhas) portadores de OMC, sendo 43 pacientes (52 orelhas) com otite média crônica colesteatomatosa (OMCC) e 40 pacientes (73 orelhas) com otite média crônica simples (OMCS), atendidos no Ambulatório de ORL da Universidade de Santo Amaro - SP (UNISA).
Dados do paciente como duração de doença, exames laboratoriais realizados anteriormente, foi anotada e o espécime clínico e/ou cirúrgico só foi colhido daqueles que não estavam fazendo uso de antimicrobianos no período de ate 15 dias antes da consulta. Estudo devidamente cadastrado no SISNEP e com autorização no 077/2008 do comitê de ética da Universidade de Santo Amaro (UNISA - SP).
De um total de 125 orelhas infectadas, 52 com OMCC e 73 com OMCS foram submetidas ao exame bacterioscópico da secreção. A idade variou de 2 a 75 anos com predominância da faixa etária dos 16 aos 20 anos. Havia 42 pacientes do sexo masculino e 41 do sexo feminino, desses 64 eram adultos 19 eram crianças. A duração da otorreia variou de um mínimo de 2 meses até um tempo superior a 10 anos.
Para a colheita do material da orelha realizamos primeiro a limpeza do conduto auditivo externo com solução salina estéril. Em seguida a secreção é colhida através de um aspirador bastante prático e simplificado, possibilitando prevenir a contaminação do material coletado. Este equipamento consiste em um vidro coletor estéril, no qual está conectado a uma tampa de borracha com dois orifícios. Um orifício de entrada para adaptar um sistema de aspiração, que será conectado a uma ponta de aspirador, usada para aspirar a orelha media, através do conduto auditivo externo, para se obter o conteúdo da aspiração.
No outro orifício (de saída) adaptamos um dispositivo que será conectado a uma borracha que será diretamente ligada a um motor de aspiração cuja partida controle será feita através de um pedal (Figura 1). O operador poderá trabalhar sob visão otoscópica/ microscópica e o fluido da orelha media será coletado no frasco estéril e enviado o mais rápido possível ao laboratório, não mais que 24 horas, para exame da amostra colhida. Isso possibilita ter uma
No Quadro 1 mostramos a prevalência da bactéria detectada na secreção das orelhas. Na OMCC quando comparada com OMCS, o S. aureus, fungo e aP. aeruginosa foram significativamente menos frequentes, considerando os anaeróbios mais frequentes. O S.aureus foi mais frequente na OMCS, enquanto os anaeróbios foram mais frequentes na OMCC. A P.aeruginosa foi mais frequente na OMCS e o Corynebacterium sp. apresentou maior frequência na OMCC.
O S. epidermidis apareceu com frequências iguais tanto na OMCS quanto na OMCC.
Figura 1. Vidro coletor estéril, no qual está conectado a umatampa de borracha com dois orificios.Direitos Autorais reservados em nome de Professor Dr. J.Evandro A. P. de Aquino.
DISCUSSÃO São poucas as explorações sistemáticas com relação à microbiologia de otite media crônica na literatura pesquisada nos últimos anos. Estudos de BARRETO & SERNADA (10) e SWARTZ & BARON (11) mostram o desenvolvimento das bactérias e as enzimas por elas secretadas na evolução das otites crônicas. A incidência da otite media crônica esta sujeita a grandes variações regionais, e sua frequência é baixa em áreas com equipe medica treinada, boa higiene, facilidade da população para acesso ao tratamento medico. Em regiões onde as condições são menos favoráveis, as orelhas crônicas continuam a aumentar a sua incidência.
Na secreção da OMCC em nossa pesquisa o S. epidermidis e Corynebacterium sp., que são bactérias nativas da pele humana, foram encontradas mais frequentemente e a taxa de aparecimento de S. aureus, P. aeruginosa e fungo, foram significativamente mais baixas que as da OMCS. Para IBEKWE e col (12) o S. aureus e a P. aeruginosa propõem maiores problemas clínicos no gerenciamento da OMC e doenças infecciosas ou em muitos outros órgãos. Estes fatos sugerem que a infecção bacteriana deve ser não uma essencial causa de secreção, mas um dos fatores de agravamento do colesteatoma, isto é, uma mudança inflamatória causada pela queratina ou citoquina, onde deva ser o maior fator no colesteatoma, enquanto a secreção na OMCS e muitas vezes resultante da infecção bacteriana. Concluíram que isto pode prolongar uma secreção aural no colesteatoma mais do que na OMCS, apesar do uso de antibióticos.
A incidência de P. aeruginosa na secreção (13,7%) tende a decrescer tanto no colesteatoma quanto na OMCS. Este decréscimo pode ser relatado com o uso de novas quinolonas usadas atualmente, como tratamento. A incidência de Corynebacterium sp. nesse estudo foi de 17,5% dos casos, ficando por conta da infecção mista. Em alguns casos houve possibilidade do crescimento de Corinebacterium sp proveniente do canal auditivo externo umedecido pela secreção com outros organismos causais.
IBEKWE & col (12) encontraram no estudo de 102 orelhas com OMC anaeróbios, aeróbios e fungos. Quarenta e quatro por cento eram culturas puras, 33,3% mistas e 18,6% não tiveram crescimento. Setenta e quatro por cento eram aeróbios, 25% fungos e somente 0,9% anaeróbios P. aeruginosa (22,5%) foi o microrganismo mais isolado, seguido por S.aureus e Aspergillus sp. Em confronto, os nossos resultados se aproximam dos trabalhos de Ibekwe e col. e estes fatos apontam para a necessidade de promover investigação da ação do Corynebacterium sp. no desenvolvimento das lesões da OMC.
Comparando também aos nossos resultados , encontramos o trabalho de SWEENEY e col (13) que isolaram anaeróbios em 52 de 130 pacientes (44,0%) onde acreditam que o uso de tioglicato nos primeiros 73 pacientes inibiram o crescimento de anaeróbios.
CONSTABLE & BUTLER (14) encontraram anaeróbios em 20 de 100 aspirados, onde o tempo de processamento entre o aspirado ate o laboratório foi de uma hora, porem o meio usado não foi enriquecido e as amostras foram incubadas somente 24 horas antes da exposição ao ar do laboratório. Por isso, todos estes fatores devem levar a redução do numero de anaeróbios isolados nestes estudos.
Os estudos de BROOK (15, 16) em confronto com o nosso mostrou alguns pontos divergentes. Este autor encontrou bactérias anaeróbias em 51,0% dos aspirados de orelhas de crianças com OMC. Estes aspirados foram inoculados em meio enriquecido onde reportam o crescimento de anaeróbios num período de 14 dias, suficiente para o crescimento.
As bactérias aeróbias isoladas foram GRAM -, principalmente S. aureus, P.aeruginosa e os anaeróbios isolados estavam em culturas mistas com outros anaeróbios ou com bactérias aeróbias e o numero de anaeróbios isolados estavam entre 2 e 4 por espécie demonstrando assim a etiologia polimicrobiana da OMC. Fez também um estudo comparativo entre as bactérias encontradas na orelha media e externa. Somente 50,0% das bactérias encontradas na orelha media estavam também presentes no conduto auditivo externo. Estes achados demonstram que as culturas coletadas do CAE antes da sua esterilização pode ser mascarada. Isto é particularmente importante em relação a P.aeruginosa, que é mais encontrada no CAE do que na orelha media, embora este organismo seja habitante do CAE, ele também pode ser encontrado na orelha media, onde pode participar do processo inflamatório.
Aspirados diretos da orelha media através da perfuração de membrana timpânica são bem mais seguros no estabelecimento da bacteriologia da OMC e elas podem assistir a seleção da própria terapia antimicrobiana.
A taxa de bactéria anaeróbias nesta infecção é sugestiva por sua alta taxa de achados na orelha media, comparado com seu achado no CAE, 38 espécies anaeróbias foram encontradas na orelha media, pelo mesmo autor, comparados com somente 7 encontradas no CAE. Em nossos achados os germes anaeróbios foram encontrados com mais frequência na OMCC (8,3%).
Não encontramos na literatura nenhum autor que tenha distribuído seus pacientes quanto à duração da otorreia. Podemos notar que na OMCS a otorreia teve a maior frequência de duração entre 0 e 5anos enquanto que na OMCC essa frequência teve duração entre 6 e 10 anos ou mais.
Esse tempo de evolução desde o seu primeiro sintoma varia muito para cada doente, e mesmo não encontrando um grupo não negligente de doentes que ultrapasse 10,0% com uma evolução com mais de 30 anos de doença, 30,0% desses doentes, esperam entre 6 e 10 anos ou mais para procurar a primeira consulta, chegando a ter sintomas por muitos anos.
CONCLUSÃO Não encontramos mudanças notáveis na bacteriologia da otite media crônica supurativa em comparação com a otite colesteatomatosa.
Na otite media crônica supurativa os achados mais frequentes foram os S. aureus, Pseudômonas sp. e fungos.
Na otite media crônica colesteatomatosa os achados mais frequentes foram os anaeróbios e Corynebacterium sp.
A frequência de aparecimento para S. epidermidis, Klebsiela sp. e Streptococcus sp foi igual no nosso estudo.
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1. Doutorado - UNIFESP. Professor Titular.
2. Médico Otorrinolaringologista.
3. Residente 2º Ano do Cema.
4. Professora Titular da UNISA. Professora Doutora em Otorrinolaringologia.
5. Professor de Otologia do Hospital Beneficência Portuguesa. Professor Titular.
Instituição: Universidade Santo Amaro (UNISA). São Paulo / SP - Brasil.
Endereço para correspondência: José Evandro A. P. Aquino - Alameda Ribeirão Preto 410 - Apto 1106 - Bela Vista / SP - Brasil - CEP: 01331-000 - Telefone: (+55 11) 8183-9729 - E-mail: clinicaorlsp@uol.com.br
Artigo recebido em 14 de Agosto de 2009. Artigo aceito em 31 de Agosto de 2009.