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Ano: 2009  Vol. 13   Num. 3  - Jul/Set Print:
Case Report
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Adrenoleucodistrofia: Relato de Caso e Aspectos Relevantes ao Otorrinolaringologista
Adrenoleukodystrophy: Case Report and Aspects Relevant to the Otorhinolaryngologist
Author(s):
Maria Carolina Souza Queiroz1, Emilia L. de Barros1, Marcos L. Antunes2, Roberta Ismael Dias Garcia3, Michele R. G. Kunigk4, Priscila B. Rapoport5.
Palavras-chave:
adrenoleucodistrofia, transtornos de deglutição, perda auditiva neurossensorial.
Resumo:

Introdução: A adrenoleucodistrofia é uma doença genética com padrão de herança ligado ao X, que consiste numa alteração do metabolismo ocasionando um acúmulo de ácidos graxos de cadeia muito longa (AGCML) associados à desmielinização dos axônios e insuficiência adrenal. Pode manifestar-se inicialmente com alterações de com portamento, da audição, da visão, da fala, da escrita, da marcha e nos casos mais avançados cursa com hipertonia generalizada, perda das funções cognitivas, motoras e disfagia. O diagnóstico é confirmado dosando-se os níveis plasmáticos dos AGCML, achados na ressonância magnética e cariótipo. Relato do Caso: Relatamos o caso de A.V.F., 5anos, encaminhado ao serviço de otorrinolaringologia por dificuldades na escola e de comunicação para avaliação auditiva. A audiometria evidenciou uma perda auditiva moderada bilateral. Alguns meses depois evoluiu com perda progressiva da visão, piora da escrita e agressividade, na ocasião encaminhado ao neuropediatra com a hipótese de doença neurodegenerativa. Foi realizada ressonância evidenciando lesões extensas parieto occipitais. Seu diagnóstico foi confirmado através de cariótipo realizado pelo geneticista com início imediato do tratamento. Aproximadamente 1 ano após início dos sintomas apresentou disfagia orofaríngea grave e broncoaspiração silente diagnosticado pelo videodeglutograma. Comentários Finais: Atualmente com gastrostomia. Não existe uma terapia definida até o momento para a adrenoleucodistrofia. Cabe ao otorrinolaringologista conhecer esta doença pois, assim como no caso acima descrito, é um dos primeiros profissionais a ser consultado, podendo contribuir para o diagnóstico precoce beneficiando o paciente e auxiliando na identificação dos portadores.

INTRODUÇÃO

A adrenoleucodistrofia (ADL) é uma doença genética com padrão de herança ligado ao X , que consiste numa alteração do metabolismo dos peroxissomos, ocasionando um acúmulo de ácidos graxos de cadeia muito longa (AGCML) constituídos de 24 e 26 átomos de carbono no organismo sobretudo no cérebro e nas glândulas adrenais. Tal acúmulo está associado à desmielinização dos axônios afetando a transmissão dos impulsos nervosos e a insuficiência adrenal (1). Afeta quase exclusivamente o sexo masculino com início dos sintomas entre 4 e 10 anos e incidência estimada de 1:25000 homens. A manifestação clínica da doença consiste inicialmente em alterações de comportamento, da audição, da visão, da fala, da escrita, memória, da marcha, distúrbios adrenais e nos casos mais avançados cursa com hipertonia generalizada, perda das funções cognitivas, motoras, convulsões e disfagia. O diagnóstico é confirmado dosando-se os níveis plasmáticos dos AGCML, Ressonância Magnética mostrando lesões desmielinizantes com distribuição em "asa de mariposa" na substância branca parieto-occipital bi-hemisférica, eletromiografia compatível com polineuropatia tipo mielinopático, pesquisa laboratorial para insuficiência adrenal e cariótipo cujo gene defeituoso é o ABCD1 localizado no lócus X9-28 do cromossomo X (2, 3, 4,5,6).


RELATO DO CASO

A.V.F., 7 anos, encaminhado ao serviço de otorrinolaringologia por dificuldades na escola e de comunicação há 3 meses, para avaliação auditiva. O exame físico era normal e não havia antecedentes para patologia auditiva. Foi solicitada inicialmente audiometria a qual foi realizada com muita dificuldade necessitando por parte das fonoaudiólogas darem as instruções ao paciente por meio da escrita. Foi detectada uma perda auditiva sensorioneural moderada bilateral, timpanometria com curva tipo A. A audiometria vocal não foi realizada pois a criança não entendia a fala em nenhuma intensidade. Foi então solicitado o BERA que se apresentou normal com limiares em 15 dB. Alguns meses depois evoluiu com perda progressiva da visão, piora da escrita e agressividade, na ocasião, encaminhado ao neuropediatra com a hipótese de doença neurodegenerativa. Foi realizada uma Ressonância magnética evidenciando lesões desmielinizantes em substância branca extensas parieto occipitais. Seu diagnóstico foi confirmado através de cariótipo realizado pelo geneticista com início imediato do tratamento com Óleo de Lorenzo. Aproximadamente 1 ano após início dos sintomas apresentou quadro de engasgos e perda da capacidade de deambulação ficando restrito a cadeira de rodas. Desde então iniciou acompanhamento no ambulatório de disfagia de nosso serviço onde não foi possível realização de videoendoscopia da deglutição devido ao choro intenso e agitação do paciente, realizado então exame de videodeglutograma que evidenciou disfagia orofaríngea de fase preparatória oral e disfagia faríngea adaptada e num segundo exame (4 meses depois) apresentou disfagia orofaríngea grave com broncoaspiração silente. Foi então encaminhado para a cirurgia pediátrica para realização de gastrostomia. Atualmente o paciente encontra-se clinicamente estável. O segundo filho da família do paciente realizou estudo genético e não é portador do gene para ADL.


Figura 1. Fotos do paciente saudável e doente. Na parte superior da foto, paciente saudável e na inferior, 1 ano após o início dos sintomas.



Figura 2. RNM corte coronal. Observa-se imagem em asa de mariposa em ambos os hemisférios.



Figura 3. RNM corte sagital. Imagem em asa de mariposa (característica da doença).



Figura 4. Videoendoscopia da deglutição. Realizada após um ano do início dos sintomas, na qual observamos escape posterior do bolo que está indicado pela seta.



DISCUSSÃO

A ADL é uma doença genética rara incluída no grupo das leucodistrofias e que afeta o cromossomo X, sendo uma herança ligada ao sexo de caráter recessivo transmitida por mulheres portadoras e que afeta fundamentalmente ho-mens. O gene defeituoso é responsável pela codificação de uma enzima denominada ligase acil CoA gordurosa, que é encontrada na membrana dos peroxissomos e está relacionada ao transporte de ácidos graxos para o interior dessa estrutura celular. O gene defeituoso ocasiona uma mutação nessa enzima, os AGCML ficam impedidos de entrar nos peroxissomos e se acumulam no interior celular. Os mecanismos precisos através dos quais os AGCML ocasionam a destruição na bainha de mielina ainda são desconhecidos. As possibilidades de descendência a partir de uma mulher portadora da ALD são 25% de chance de nascer um filho normal; 25% de nascer um filho afetado; 25% de nascer uma filha normal; 25% de nascer uma filha portadora heterozigota. As chances de descendência para um homem afetado, se tiver filhas, serão todas portadoras da doença; e se tiver filhos, serão todos normais; (1). A clínica da doença é muito variável mas a manifestação inicial mais frequente é a mudança de comportamento da criança apresentando isolamento social e défict de atenção. Habitualmente nestes casos é questionada a audição do paciente que pode variar de normal a graus variados de perda neurossensorial melhor verificados com BERA já que o paciente pode apresentar algum prejuízo cognitivo prejudicando a realização da audiometria convencional. O BERA quando alterado mostrauma diminuição da amplitude e no tempo de condução das ondas sugerindo uma patologia retrococlear e alterações diversas de limiar.

No nosso paciente em especial, o BERA mostrou-se normal, com audiometria tonal de difícil realização que evidenciou perda auditiva neurossensorial moderada. Nesse instante poderia se tratar de uma perda auditiva central ou uma doença neurológica ou psicossomática como autismo, por exemplo. Provavelmente os potenciais auditivos de média e longa latência, como o P300, poderiam nos auxiliar na detecção de alterações a nível de córtex cerebral.

Outros sinais como disartria, dismetria , bradilalia, disgrafia ou alterações na marcha apontarão para a hipótese de doença neurodegenerativa a qual deve ser investigada e diagnosticada. Na ADL o diagnóstico é auxiliado pela Ressonância Magnética que mostra lesões desmielinizantes com distribuição em asa de mariposa na substância branca parieto-occipital bi-hemisférica, dosagem dos níveis plasmáticos dos AGCML aumentados, eletromiografia compatível com polineuropatia tipo mielinopático, pesquisa laboratorial para insuficiência adrenal e cariótipo. Após o diagnóstico é importante uma equipe multiprofissional para acompanhamento e reabilitação desses doentes já que se trata de uma doença evolutiva. Em fases mais avançadas cursam com graus variados de disfagia neurogênica diagnoticadas através de videoendoscopia da deglutição ou videodeglutograma. A terapia nestes estágios consiste em manobras de deglutição ou gastrostomia se alimentação oral não é segura ou inadequada.

Não existe uma terapia definida para a ADL até o momento, segundo estudos a dieta livre de AGCML como espinafre, queijo e carne vermelha, associada ao azeite ou "óleo de Lorenzo" têm obtido êxito especialmente se administrada no início ou antes da aparição dos sintomas. O tratamento da disfunção adrenal, através da administração de hormônios e atualmente os transplantes de medula são modalidades de tratamento adotadas na ADL com grau de sucesso na evolução da doença muito variável na literatura. Muitas vezes, o grande intervalo de tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico, prejudica o tratamento e aponta para um pequeno conhecimento dos médicos sobre o assunto (7,8,9,10). O otorrinolaringologista, em especial, deve conhecer esta doença pois é, habitualmente, um dos primeiros profissionais a serem consultados podendo então, contribuir para um diagnóstico precoce ao encaminhá-los ao neuropediatra e ao geneticista beneficiando assim, não só o paciente mas também os familiares na identificação dos portadores e no aconselhamento genético.


COMENTÁRIOS FINAIS

A ADL é uma doença rara, neurodegenerativa, que necessita de diagnóstico precoce para um melhor prognóstico. Não existe uma terapia definitiva porem o tratamento com Óleo de Lorenzo tem obtido êxito associado a um acompanhamento multiprofissional. O otorrinolaringologista habitualmente é um dos primeiros profissionais a entrar em contato com esses pacientes, devendo encaminhá-los precocemente para diagnóstico e acompanhá-los até fases mais avançadas onde a disfagia se faz presente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Vargas CR, Barschak AG, Coelho DM, Furlanetto V, Souza CFM, Karam SM et col. Clinical and biochemical findings in 7 patients with X-linked adrenoleukodystrophy treated with Lorenzo's Oil. Genet. Mol. Biol. 2000, 23(4):697-701.

2. Marques PR, Melo RJV, Barraquer BL. Adrenoleucodistrofia :estudo clínico e histopatológico de um caso associado ao uso de abortivos no segundo mês de gestação. Arq. Neuropsiquiatr. 1992, 50(2):219-24.

3. Vargas CR, Barschak AG, Coelho DM, Souza CFM, Puga AS, Schwartz IVD et col. X-linked adrenoleucodystrophy: clinical and laboratory findings in 15 Brazilian patients. 2000, 23(2):261-4.

4. Echeverri PO, Espinosa EE, Moser WH, Peña SO, Barrera AL. Adrenoleucodistrofia ligada al X en ocho casos colombianos. Acta Neurol Colomb. 2005, 21(4):299-305.

5. Romero C, Martínez A, Meli F, Salas E. Desmielinización en alas de mariposa: hallazgo característico de adrenoleucodistrofia en resonancia magnética. Rev argen Radiol. 1995, 59(3):151-6.

6. Sanchez A, Parma R, Echecury M, Vazquez N, Boland R, Drittanti L, Saccoliti M, Taratuto AL. Paraplejia espástica e insuficiencia suprarrenal primaria: un caso de adrenomieloneuropatia / Spastic paraplegia and primary adrenal insuficiency: a case of adrenomyeloneuropathy. Medicina (B. Aires). 1998, 48(3):290-6.

7. Susuki Y, Imamura A, Shimozawa N, Kondo N. The clinical course of chieldhood and adolescent adrenoleukodystrophy before and after Lorenzo's oil. Brain Dev. 2001, 23(1):30-3.

8. Moser HW. Komrower Lecture. Adrenoleukodystrophy: natural history, treatment and outcomes. J. Inherit Metab Dis. 1995, 18(4):435-47.

9. Moser HW. Follow-up of 89 asyntomatic patients with adrenoleukodystrophy treated with Lorenzo's oil. Arch. Neurol. 2005, 62(7):1045-80.

10. Moser H, Dubey P, Fatemi A. Progress in X-linked adrenoleukodystrophy. Curr Opin Neurol. 2004, 17(3):263-9.








1. Médica Residente do Terceiro Ano da Faculdade de Medicina do ABC.
2. Mestre e Doutor pela Unifesp. Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC.
3. Médica Otorrinolaringologista. Médica Assistente da Faculdade de Medicina do ABC.
4. Fonoaudióloga Especilialista em Motricidade Oral, Mestre em Ciências de Saúde. Fonoaudióloga do Hospital Estadual Mário Covas.
5. Doutora pela Faculdade de Medicina da USP. Professora Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do ABC.

Instituição: Faculdade de Medicina do ABC.
Santo André / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Maria Carolina Souza Queiroz - Rua Oliveira Alves, 495 - Apto. 82 - São Paulo / SP - Brasil - CEP: 04210-061 - Telefone: (+55 11) 2273-8131 - E-mail carolorlabc@yahoo.com.br

Artigo recebido em 21 de Março de 2008. Artigo aceito em 27 de Maio de 2009.
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