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Ano: 2009  Vol. 13   Num. 3  - Jul/Set Print:
Case Report
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Síndrome de Gradenigo como Primeira Manifestação de Rabdomiossarcoma
Gradenigo's Syndrome as a First Manifestation of Rhabdomyosarcoma
Author(s):
Renata Rennó Schiavetto1, Daniel Martiniano Haber1, Lauana Renata Cancian1, Claudia Pereira Maniglia2, Fernando Drimel Molina3.
Palavras-chave:
síndrome de Gradenigo, paralisia facial, osso temporal, rabdomiossarcoma.
Resumo:

Introdução: Rabdomiossarcoma é uma neoplasia maligna com origem em músculos estriados e é responsável por aproximadamente 50% de todos os tumores de partes moles em crianças. O subtipo embrionário é o mais comum na região da cabeça e pescoço, sua localização na orelha média e mastoide é rara e de pior prognóstico devido à alta incidência de extensão intracraniana.Os sinais e sintomas dependem da localização do tumor. Objetivo: O objetivo desse relato de caso foi realizar uma breve revisão sobre a associação Rabdomiossarcoma e Síndrome de Gradenigo e elucidar a importância do diagnóstico diferencial nesse tipo de patologia. Relato do Caso: Nesse trabalho é relatado o caso de um menino de cinco anos de idade com o diagnóstico de Rabdomiossarcoma de osso temporal que se apresentou com o quadro de Síndrome de Gradenigo (paralisia do abducente, otorreia/otalgia, dor retro-orbitária) e paralisia do nervo facial.

INTRODUÇÃO

O rabdomiossarcoma foi inicialmente descrito por WEBER em 1854 (1). Trata-se de uma neoplasia maligna que tem origem em músculos estriados. Apesar de ser rara em adultos, é relativamente comum em crianças correspondendo a mais de 60% dos tumores de partes moles nesta faixa etária. A localização anatômica do rabdomiossarcoma é variável e aproximadamente 30% ocorrem na cabeça e pescoço (2,3). Entretanto, raramente este tumor é encontrado na orelha média e mastoide (4).

O rabdomiossarcoma da orelha média e mastoide pode apresentar uma grande variedade de sinais e sintomas incluindo paralisia facial, otorreia, otalgia entre outros (5).

Em 1907, GIUSEPPE GRADENIGO relatou uma série de pacientes com uma síndrome caracterizada por otorreia / otalgia, dor retro-orbital e paralisia do nervo abducente (VI par craniano) causada por uma inflamação no ápice petroso. Posteriormente esta síndrome passou a ter seu nome: Síndrome de Gradenigo (6).

Nós relatamos o caso de um menino de 5 anos de idade que apresentava-se com quadro de otalgia a direita, dor em hemiface direita, paralisia do nervo facial e abducente à direita com diagnóstico de rabdomiossarcoma em orelha média e mastoide direita.


RELATO DO CASO

Paciente 5 anos de idade, sexo masculino, branco, foi trazido para o Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Base - FAMERP com história de irritação e queda do estado geral com início há duas semanas, após 1 semana passou a apresentar vômitos (cerca de 3 episódios) e dificuldade para lateralizar o olho direito. Diante deste quadro a mãe procurou um serviço básico de saúde e foi prescrito Amoxicilina (dose de 80mg/ Kg/dia), sendo feita a hipótese de otite média aguda. Porém, um dia após o inicio do uso da medicação o paciente evoluiu com paralisia facial á direita, e com isto foi encaminhado para o nosso serviço.

Na admissão a criança encontrava-se irritada, chorosa, com queixa de otalgia à direita e dor em hemiface direita. Familiares negaram a presença de sintomas vertiginosos. Ao exame físico a criança encontrava-se corada, hidratado, eupneica e afebril. Na inspeção da mímica facial apresentava paralisia facial periférica grau IV em hemiface direita. (Figuras 1 e 2) associada a paralisia do nervo abducente à direita, notada pela não lateralização do olho direito (Figura 3). Na otoscopia a membrana timpânica esquerda estava íntegra e translúcida e a direita apresentava-se integra, abaulada e hiperemiada. O paciente não apresentava outras alterações no exame físico.

Diante deste quadro foi feita a hipótese de otite média aguda complicada em orelha direita com paralisia facial periférica direita e comprometimento do ápice petroso ipsilateral (Síndrome de Gradenigo) e a criança foi internada com Ceftriaxona (100mg/Kg/dia), Dexametasona (0,25mg/Kg/dia), antitérmicos e analgésicos. Também foi solicitada Tomografia Computadorizada de Crânio e Mastoide que evidenciou imagem sugestiva de abscesso em ápice petroso à direita e material com densidade de partes moles ocupando a cavidade mastoidea e orelha média à direita. (Figuras 4 e 5). Diante dos achados tomográficos foi solicitada uma Ressonância Nuclear Magnética de Crânio e Orelha média e interna que mostrou uma lesão em placa localizada em topografia de ângulo cerebelopontino á direita com extensão para conduto auditivo interno, região paraselar e fossa infratemporal determinando destruição da porção petrosa do osso temporal e canal carotídeo ipsilateral (Figuras 6 e 7).

Foi feita a tentativa de realizar exames audiométricos (Audiometria Tonal e Audiometria de Tronco Cerebral - BERA), mas a criança não colaborou com a realização dos mesmos.

Com a hipótese de otite média aguda com complicações intracranianas, no segundo dia de internação, o paciente foi submetido à mastoidectomia cavidade fechada em orelha direita e miringotomia em membrana timpânica direita com exérese de material com aspecto gelatinoso e amarelado da orelha média e cavidade mastoidea. Este material foi enviado para análise anatomopatológica. Após a cirurgia não houve melhora dos sinais e sintomas, mesmo com o uso das medicações citadas.

No sétimo dia de internação o laudo anatomopatológico revelou tratar-se de rabdomiossarcoma Embrionário de orelha média e mastoide que foi confirmado pela avaliação imunohistoquímica.

Diante deste diagnóstico o paciente foi encaminhado para o Serviço de Oncopediatria e iniciou tratamento quimioterápico. Entretanto, o paciente não apresentou boa evolução, evoluindo com netropenias febris e posterior-mente óbito.


Figura 1. Foto mostrando paralisia facial à direita.



Figura 2. Foto mostrando sinal de Bell à direita.



Figura 3. Foto mostrando paralisia do VI par à direita.



Figura 4. Tomografia Computadorizada em corte axial com seta evidenciando comprometimento do ápice petroso direito e invasão intracraniana.



Figura 5. Tomografia Computadorizada de mastoide, em corte axial, com seta indicando velamento de células mastoideas à direita por material com densidade de partes moles.



Figura 6. Ressonância Magnética com seta indicando lesão que ocupa a orelha média, mastoide e ápice petroso à direita e com extensão intracraniana.



Figura 7. Ressonância Magnética com seta mostrando lesão em região temporal à direita.



DISCUSSÃO

O rabdomiossarcoma é um tumor maligno agressivo com origem em músculos estriados e representa a maioria dos tumores de partes moles em crianças (5,7). A incidência deste tumor foi estimada em 0.44 por 100.000 em caucasianos e 0.13 por 100.000 em afro-descendentes em indivíduos menores de 15 anos (8).

Este tumor apresenta uma distribuição etária bimodal com picos de incidência entre 2 e 5 anos e na adolescência, mas mais de 60% dos casos ocorrem em menores de 10 anos de idade (9).

HORN e ENTERLINE realizaram um sistema de classificação do rabdomiossarcoma de acordo com achados histológicos em quatro tipos: embrionário, botrioide, alveolar e pleomórfico (9). Destes, o mais comum na região de cabeça e pescoço é o embrionário (9), como no caso relatado.

O rabdomiossarcoma acomete a região da cabeça e pescoço em aproximadamente 30 a 40% dos casos, podendo ocorrer em locais como a órbita, fossa pterigopalatina, espaço parafaríngeo, nasofaringe e, mais raramente, na orelha média e mastoide (3, 4, 10). Quando este tumor localiza-se na orelha média e mastoide é considerado como agressivo devido à sua proximidade com estruturas nobres, sua tendência para invasão intracraniana e grande potencial de envolvimento meníngeo (11,12).

O ápice petroso é um osso com forma piramidal localizado na porção mais medial do osso temporal. A região do ápice petroso circunda o conduto auditivo interno e o divide em porção anterior e posterior. A porção anterior representa a cóclea sendo que é este o local mais afetado por inflamações. Já a porção posterior representa os canais semicirculares e o conduto auditivo interno (13,14). Em cerca de 30% dos indivíduos o ápice petroso possui células aeradas, o que facilita a disseminação de infecções a partir da orelha média e mastoide. A petrosite era uma complicação comum de infecções da orelha média e mastoide, mas com o desenvolvimento da antibioticoterapia passou a ser uma complicação rara atualmente (15).

A Síndrome de Gradenigo com sua tríade de paralisia do nervo abducente (VI par craniano), dor retro-orbital ou facial profunda por comprometimento do ramo oftálmico do nervo trigêmeo (V par craniano) e otorreia ou otalgia pode não estar presente em sua forma completa em todos os casos de petrosite. Na descrição desta síndrome, realizada por GIUSEPPE GRADENIGO em 1907, dos 57 pacientes avaliados, menos da metade apresentava a tríade clássica (6).

No caso relatado, o tumor estava localizado na região da orelha média e mastoide e causava invasão do ápice petroso e com isto, o paciente apresentava-se com quadro de Síndrome de Gradenigo e paralisia facial periférica. Inicialmente, o paciente foi tratado com a hipótese de uma otite média aguda complicada com comprometimento do nervo facial (VII par craniano) e do ápice petroso (V par e VI par craniano). Após o resultado anatomopatológico revelar que se tratava de Rabdomiossarcoma Embrionário o paciente foi encaminhado para o Serviço de Oncopediatria para tratamento adequado.


CONCLUSÃO

O rabdomiossarcoma de orelha média e mastoide é uma neoplasia rara, mas deve fazer parte do diagnóstico diferencial nos casos em que há alterações na orelha média e mastoide com rápido comprometimento de estruturas nobres como o nervo facial, nervo trigêmeo e abducente, podendo simular uma otite média aguda complicada e apresentando-se com paralisia facial periférica e/ou Síndrome de Gradenigo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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15. Zengel P, Wiekstrâ M, Janger L et al.Isolated apical petrositis: an atypical case of Gradenigos syndrome. 2007, 55:206-10.








1. Médico (a) Otorrinolaringologista
2. Médica Otorrinolaringologista. Responsável pelo Serviço de Otorrinopediatria do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Base / FAMERP - São José do Rio Preto - SP.
3. Médico Otorrinolaringologista. Responsável pelo Serviço de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Base / FAMERP - São José do Rio Preto - SP.

Instituição: Hospital de Base / Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - SP (FAMERP).
São José do Rio Preto / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Renata Rennó Schiavetto Haber Rua Antônio Torres Penedo, 421, Sala 4 - Bairro: São Joaquim - Franca / SP - Brasil - CEP: 14406-352 - Telefone: (+55 17) 3212-9911 - E-mail: molinamd@terra.com.br

Artigo recebido em 22 de Março de 2008. Artigo aceito em 4 de Julho de 2009.
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