INTRODUÇÃOA adenopatia cervical pode surgir como consequência de doença benigna ou maligna. A punção aspirativa por agulha fina (PAAF) para sua avaliação é amplamente utilizada, no entanto, apresenta limitações devido a amostras inconclusivas e ao alto índice de falso-negativo (1). Quando a PAAF é empregada para o estudo de adenopatia cervical a esclarecer e resulta não diagnóstica, pode haver a necessidade de biópsia a céu aberto. Entretanto, a biópsia excisional ou incisional de um linfonodo requer admissão hospitalar, às vezes pode necessitar de anestesia geral e é passível de complicações (2).
Um dos diagnósticos diferenciais são os linfomas. Se, no passado, o procedimento padrão para seu diagnóstico era a biópsia excisional, hoje em dia, cerca de dois terços dos casos são detectados pela PAAF, contudo, é importante determinar a arquitetura nodal e ter amostra suficiente para realizar a imunofenotipagem, onde o método encontra limitação (3).
A incorporação dos métodos de imagem quando da realização de punções melhorou as possibilidades de investigação, sobretudo quando os linfonodos a serem avaliados estão em localização mais profunda, evitando-se, em muitos casos, a cirurgia aberta como primeiro procedimento diagnóstico (4). Devido a sua acurácia, não invasividade e a não expor o paciente à radiação, a ultra-sonografia com a finalidade de guiar o ato de coleta de material para as massas da cabeça e pescoço durante a PAAF está indicada antes de uma abordagem cirúrgica (5).
O objetivo desse estudo é avaliar a acurácia diagnóstica da PAAF guiada por ultra-sonografia na abordagem de adenopatia cervical.
MÉTODOUm total de 186 pacientes previamente não tratados foi submetido, no período de fevereiro de 1995 a fevereiro de 2008, a PAAF de adenopatia cervical. Os dados de prontuário e os achados citopatológicos foram colhidos retrospectivamente. A idade dos pacientes variou de 7 a 90 anos, com mediana de 55 anos. Do total, 130 pacientes eram do gênero masculino, com relação masculino:feminino de 2,32:1. Todos os pacientes apresentaram-se com sintoma de adenopatia cervical, com tempo de história variando de um a seis meses (mediana, três meses). Os critérios de inclusão para realização de PAAF foram: adenopatia cervical com duração superior a um mês de causa inexplicada e medida, no maior eixo do linfonodo de, pelo menos, um centímetro de diâmetro. Contagem de plaquetas e exames de coagulação não foram realizados como rotina. A PAAF foi realizada por meio de seringa plástica de 10mL e agulha hipodérmica de 20 x 5,5mm. Todas as punções foram guiadas por ultra-sonografia no modo B, com aparelho de 10mHz de resolução. Foi empregada a coloração de Papanicolaou. O ato de punção foi repetido quando, de acordo com critério visual, a amostra colhida estava inadequada, sobretudo quando vinha hemorrágica.
O banco de dados constituiu-se dos dados demográficos, clínicos e patológicos. Os achados citopatológicos foram divididos em inconclusivo (material insuficiente para análise), benigno (linfadenite inespecífica), suspeito de doença granulomatosa e de malignidade. Sensibilidade, especificidade, valores preditivos para os testes positivo e negativo e acurácia foram calculados, tendo como padrão-ouro, quando realizado, o resultado histopatológico do espécime incluído em parafina ou, então, foi realizado seguimento clínico (e, se necessário, complementação ultra-sonográfica) dos demais pacientes por, pelo menos, um ano. Os achados de PAAF foram classificados em verdadeiro-negativo (ausência de malignidade corretamente diagnosticada), verdadeiro-positivo (presença de malignidade corretamente diagnosticada), falso-negativo (falha do método em diagnosticar malignidade) e falso-positivo (material incorretamente considerado maligno ou suspeito de malignidade).
RESULTADOSUm total de 186 pacientes foi incluído nesse estudo. A Tabela 1 mostra a distribuição dos casos de acordo com o resultado citopatológico e sua correlação com os achados finais, baseando-se nos achados histopatológicos ou, nos casos de linfadenite crônica inespecífica, de um seguimento de, no mínimo, um ano sem evidência de etiologia mais agressiva. Dentre os 127 casos compatíveis com linfadenite, 29 foram paucicelulares ou com material hemorrágico, contudo, devido à população linfoide, não foram interpretados como inconclusivos.
A Tabela 2 mostra a acurácia da PAAF, que apresentou sensibilidade de 79,5%, especificidade de 99,1%, valores preditivos dos testes negativo e positivo de 88,2% e 98,3%, respectivamente e acurácia de 91,4%.
Todos os 28 pacientes cuja punção revelou tratar-se de carcinoma tiveram o diagnóstico confirmado. Destes, nove eram portadores de metástase cervical com tumor primário oculto; oito eram de recidiva linfonodal após tratamento oncológico prévio; seis eram portadores de tumor primário diagnosticado em sítio primário nas vias aerodigestivas superiores com pescoço estadiado clinicamente como N0 e com achado de adenopatia à tomografia computadorizada; e cinco foram achados ocasionais. Em 17 casos, o diagnóstico foi de carcinoma papilífero de tireoide metastático. Destes, em dez, o paciente já havia sido tratado previamente e tratava-se de recidiva tardia, enquanto, em sete, os pacientes eram virgens de tratamento e não tinham o diagnóstico da doença primária na glândula. Houve três casos com padrão de metástase de carcinoma de pequenas células, confirmando-se, em todo, à investigação, lesão primária pulmonar. Quanto aos casos confirmados de linfoma por PAAF, dos seis, cinco eram doença de Hodgkin, sendo possível realizar a imunofenotipagem em dois casos, sem a necessidade da extirpação do linfonodo.
Dos 127 casos diagnosticados como linfadenite crônica inespecífica (hiperplasia reacional), 16 acabaram tendo indicação de biópsia para avaliação histopatológica, com diagnóstico de linfoma em 11 e de tuberculose em cinco. Dentre esses linfomas, seis eram doença de Hodgkin e cinco de linfoma não-Hodgkin. Quanto aos demais 112 casos, 13 foram biopsiados, com a confirmação da impressão da punção - processo inflamatório inespecífico. Os demais 99 casos foram acompanhados clinicamente por, pelo menos, um ano, sem mudança de seu padrão clínico.
DISCUSSÃOPAAF guiada por método de imagem está tornando-se cada vez mais popular na abordagem diagnóstica de adenopatia cervicais. Admite-se que o diagnóstico de linfonodos localizados profundamente pode ser conduzido por procedimentos minimamente invasivos, como na PAAF guiada ou mesmo por cirurgia vídeo-guiada, no entanto, há autores que priorizam a biópsia a céu aberto para linfonodos superficiais. Entretanto, deve-se considerar a PAAF guiada como procedimento de rastreamento em linfonodos periféricos (4).
O exame de citopatologia por PAAF é um procedimento seguro e eficiente para o diagnóstico de adenopatia cervical. Entretanto, tem algumas limitações, mesmo quando realizada sob condições ideais. Pode ser difícil distinguir linfoma de baixo grau de hiperplasia reacional e o diagnóstico de linfoma pode não ser definitivo. A suspeita diagnóstica gerada pode indicar a necessidade de excisão do linfonodo para avaliação histológica forma de toda a arquitetura do órgão (6) A PAAF de linfonodos tem ainda um índice relativamente alto de resultados inconclusivos, que pode às vezes ser relatado como "negativo para malignidade" e que pode ser problemático na abordagem da adenopatia, já que algumas doenças benignas, como a tuberculose ganglionar ou escrófula requerem a instituição de tratamento adequado (1).
Material insuficiente é responsável por discrepâncias em 25% de todos os casos. É atribuído a necrose, hemorragia e presença de material paucicelular com artefatos que dificultam o diagnóstico. Isso pode ser minimizado pela presença do patologista in loco, que pode garantir a obtenção de material adequado (7).
Em pacientes com um único grupo linfonodal sugerindo drenagem linfática a partir de um tumor sólido ou em pacientes com fatores de risco (uso de álcool e tabaco, por exemplo), recomenda-se fortemente a investigação em busca do tumor primário antes da biópsia linfonodal. Tal recomendação é particularmente relevante na região cervical, onde são comuns metástase derivadas da mucosa das vias aerodigestivas superiores.
Em nosso estudo, os resultados da PAAF guiada por ultra-sonografia foram precisos no estabelecimento de doença metastática. Todos os 28 casos de carcinoma com origem nas vias aerodigestivas superiores, bem como 16 dos 17 casos de metástase de carcinoma papilífero de tireoide foram diagnosticados corretamente. Já com relação aos casos de linfoma, não houve resultado falso-positivo, ou seja, foram seis casos verdadeiros-positivos. Por outro lado, dentre os 127 casos cuja PAAF foi compatível com linfadenite inespecífica, 11 eram linfomas e cinco eram tuberculose ganglionar. Adicionalmente, somente em dois casos de linfoma diagnosticados corretamente foi possível realizar uma acurada subclassificação.
Dentre as causas benignas de adenopatia cervical inexplicada, a tuberculose ganglionar é importante, pois o esquema medicamentoso deve ser instituído o mais precocemente possível. Assim, é imperativo o diagnóstico pronto e acurado, que nem sempre pode ser obtido por meio de métodos de imagem. A sensibilidade e a acurácia não são muito elevadas nesses casos, sobretudo devido a amostras inconclusivas (8). Em nossa amostra, houve cinco verdadeiros-positivos para doença granulomatosa e cinco falsos-negativos, inicialmente interpretados pela PAAF como hiperplasia reacional que, devido à suspeita clínica, acabaram sendo referenciados para biópsia do linfonodo.
Apesar de a PAAF guiada por método de imagem poder realizar-se dentro de um ou dois dias, a biópsia a céu aberto não costuma ser feita tão rapidamente. A linfonodectomia cirúrgica requer cirurgião, auxiliar, sala cirúrgica e todos os custos envolvidos. Além disso, não é um procedimento inócuo, sendo passível de complicações, como seroma, linfoceles, necrose de borda dos retalhos, infecção de parede, edema e tromboflebite (9). Além disso, podem ocorrer cicatriz pouco estética e dor residual, por vezes em doenças cujo tratamento não será cirúrgico. Algumas complicações podem retardar o início da quimioterapia, quando essa estiver indicada. Outra vantagem da PAAF sobre a biópsia excisional é que ela permite manter o linfonodo em seu sítio anatômico, possibilitando monitorizar a resposta terapêutica e mesmo realizar futura biópsia (4).
Esse estudo suporta a realização da PAAF guiada por ultra-sonografia, na medida em que se trata de um procedimento minimamente invasivo e sem complicações significativas e, em muitas situações, proporcionam resultados conclusivos que poderão orientar a conduta terapêutica. Contudo, em casos estratificados como negativos, é essencial que a suspeita clínica seja valorizada e indique-se a biópsia a céu aberto.
CONCLUSÃOEnquanto a PAAF positiva é altamente preditivas do diagnóstico histológico final (valor preditivo para o teste positivo de 98,3%), o resultado negativo deve ser interpretado com cautela (valor preditivo para o teste negativo de 88,2%), com falhas no diagnóstico de linfoma e de tuberculose.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Kim BM, Kim EK, Kim MJ, Yang WI, Park CS, Park SI. Sonographically guided core needle biopsy of cervical lymphadenopathy in patients without known malignancy. J Ultrasound Med. 2007, 26(5):585-91.
2. McGuirt WF, McCabe BF. Significance of node biopsy before definitive treatment of cervical metastatic carcinoma. Laryngoscope. 1978, 88(4):594-7.
3. Hehn ST, Grogan TM, Miller TP. Utility of fine-needle aspiration as a diagnostic technique in lymphoma. J Clin Oncol. 2004, 22(15):3046-52.
4. de Kerviler E, de Bazelaire C, Mounier N, Mathieu O, Brethon B, Brière J, Marolleau JP, Brice P, Gisselbrecht C, Frija J. Image-guided core-needle biopsy of peripheral lymph nodes allows the diagnosis of lymphomas. Eur Radiol. 2007, 17(3):843-9.
5. Welkoborsky HJ. Ultrasound usage in the head and neck surgeons office. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2009, 17(2):116-21.
6. Layfield LJ. Fine-needle aspiration of the head and neck. Pathology (Phila). 1996, 4(2):409-38.
7. Fathallah L, Tulunay OE, Feng J, Husain M, Jacobs JR, Al-Abbadi MA. Histopathologic and cytopathologic diagnostic discrepancies in head and neck region: pitfalls, causes, and preventive strategies. Otolaryngol Head Neck Surg. 2006, 134(2):302-8.
8. Ammari FF, Bani Hani AH, Ghariebeh KI. Tuberculosis of the lymph glands of the neck: a limited role for surgery. Otolaryngol Head Neck Surg. 2003, 128(4):576-80.
9. Picardi M, Gennarelli N, Ciancia R, De Renzo A, Gargiulo G, Ciancia G, Sparano L, Zeppa P, Martinelli V, Pettinato G, Lobello R, Pane F, Rotoli B. Randomized comparison of power Doppler ultrasound-directed excisional biopsy with standard excisional biopsy for the characterization of lymphadenopathies in patients with suspected lymphoma. J Clin Oncol. 2004, 22(18):3733-40.
1. Professor Livre Docente pela Fundação Lusíada UNILUS, Santos. Professor Titular de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Metropolitana de Santos.
2. Mestre em Ciências pelo Curso de Pós-graduação do Hospital Heliópolis, São Paulo / SP. Professor do Departamento de Cirurgia da Fundação Lusíada UNILUS, Santos. Assistente dos Serviços de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Ana Costa e da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos, Santos / SP, Brasil.
3. Médico. Residente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Ana Costa, Santos. Professor do Departamento de Cirurgia da Fundação Lusíada UNILUS, Santos / SP, Brasil.
Instituição: Serviços de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Ana Costa e da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos. Santos / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Rogério A. Dedivitis - Rua Dr. Olinto Rodrigues Dantas, 343 - Conj. 92 - Santos / SP - Brasil - CEP: 11050-220 - Telefones: (+55 13) 3223-5550 / 3221-1514 - E-mail: dedivitis.hns@uol.com.br
Artigo recebido em 8 de Novembro de 2009. Artigo aprovado em 30 de Novembro de 2009.