INTRODUÇÃOA cirurgia na doença de Ménière está indicada quando as crises de vertigem persistem, de modo incapacitante, refratárias ao tratamento clínico. Procuramos insistir no tratamento medicamentoso (1), mudando a droga quando a vertigem não é suprimida, deixando a cirurgia como último recurso.
Os procedimentos cirúrgicos propostos para a doença de Ménière podem ter como objetivo: 1. Prevenir o acúmulo de endolinfa. 2. Abolir seletivamente a função vestibular. 3. Destruir a orelha interna completamente (2).
A cirurgia de descompressão do saco endolinfático para o controle da vertigem nessa labirintopatia foi idealizada por GEORGES PORTMANN (3) em 1926 e até hoje é realizada no mundo todo.
Nossos objetivos foram analisar os resultados pós-cirúrgicos, em relação ao controle da vertigem e a melhora ou estabilização auditiva, de 18 pacientes com essa afecção, confrontar os nossos achados com os da literatura internacional e discutir aspectos de interesse relacionados a essa doença e a essa cirurgia.
MÉTODORealizamos estudo retrospectivo de dezoito pacientes, onze mulheres e sete homens com as idades variando de 32 a 68 anos, submetidos à descompressão do saco endolinfático, entre os anos de 1980 e 2005. Todos foram previamente tratados clinicamente por um período mínimo de 18 meses e a vertigem foi refratária à terapêutica instituída. Esses pacientes, após a cirurgia, foram acompanhados ambulatorialmente por um período mínimo de três anos.
O diagnóstico de doença de Ménière foi baseado em anamnese minuciosa, exame otorrinolaringológico, audiometria tonal e discriminação vocal, imitanciometria, exame vestibular com eletronistagmografia ou vetonistagmografia e exames por imagem (tomografia computadorizada dos ossos temporais, ressonância nuclear magnética e politomografia nos casos mais antigos). Em alguns casos foram feitos ainda eletrococleografia (ECoG) e teste do glicerol. Todos os pacientes tiveram diagnóstico de doença de Ménière estabelecido segundo os critérios do Comitê de Audição e Equilíbrio da Academia Americana de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço (4).
No controle pós-operatório foram considerados o desaparecimento total da vertigem e a diminuição da frequência, da intensidade e da duração das crises. Para avaliação auditiva foram comparados os limiares tonais em 500, 1000, 2000 e 3000 Hz do pré-operatório (piores limiares tonais entre as audiometrias feitas nos últimos 6 meses antes da cirurgia) com os do pós-operatório (piores limiares tonais num período de 24 a 36 meses após a cirurgia). Comparou-se também a discriminação vocal do pré com a do pós-operatório. Melhora da audição de 10 dB na média desses limiares ou de 15% na discriminação vocal foi considerada clinicamente significante. Consideramos que a audição piorou quando houve piora de 10 dB na média desses limiares tonais ou de 15% na discriminação vocal.
Técnica cirúrgica
Sob anestesia geral, uma mastoidectomia ampla foi feita. A bigorna, os canais semicirculares horizontal e posterior e o seio sigmoide foram identificados. A dura-máter da fossa posterior, atrás do canal semicircular posterior e abaixo do seio sigmoide, foi exposta com broca de diamante. Realizada a exposição do saco endolifático situado adiante do seio sigmoide e atrás do canal semicircular posterior e abaixo de um eixo antero-posterior que passa pelo canal semicircular lateral indo até o seio. Feita a incisão na parede externa do saco endolinfático.
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob o no. 499-09.
RESULTADOSO controle da vertigem ocorreu em 66% (12/18) dos pacientes: 61% (11/18) totalmente livres da vertigem e 5% (1/18) com diminuição da frequência, duração ou intensidade das crises. Melhora da audição ocorreu em 22,2% (4/18) dos pacientes. Estabilização da audição em 44,5% (8/18) e piora em 33,3% (6/18). Nenhum paciente teve piora da audição em decorrência da cirurgia (Gráficos 1 e 2).
Gráfico 1. Resultado pós-cirúrgico da vertigem.
Gráfico 2. Resultado pós-cirúrgico da audição.
DISCUSSÃOO tratamento cirúrgico da doença de Ménière deve ser indicado para paciente com vertigem incapacitante que não responde ao tratamento clínico. As porcentagens de sucesso no tratamento clínico dessa labirintopatia estão entre 60% a 80%, segundo a literatura (5). CRUZ e CRUZ FILHO (1) obtiveram 61% de ausência de vertigem e de crises acessórias em 104 pacientes tratados clinicamente dessa doença com follow-up entre um ano e onze anos e meio. De acordo com BRACKMANN e ANDERSON (6), aproximadamente um em cada oito pacientes com essa afecção necessita de cirurgia.
As cirurgias na doença de Ménière podem ser: 1.descompressivas; 2.neurectomias vestibulares por vias de acesso pela fossa craniana média, retrosigmoídea ou retrolabiríntica; 3. labirintectomias por via transmeática ou translabiríntica.
Nosso interesse nesse trabalho foi pela cirurgia do saco endolinfático. A importância desse na absorção da endolinfa foi demonstrada por KIMURA e SCHUKNECHT (7), KIMURA (8) e SCHUKNECHT e col. (9) que conseguiram provocar hidropisia endolinfática em cobaias e gatos por bloqueio do ducto endolinfático ou destruição do saco endolinfático.
A cirurgia para descompressão do saco endolinfático tem como finalidade aumentar o aporte sanguíneo e a capacidade de absorção dessa estrutura (10) ou promover a sua drenagem para a mastoide (11).
Diferentes procedimentos nessa porção do labirinto surpreendentemente chegam a resultados comparáveis - eliminação ou redução significativa da vertigem em 60% a 80% dos pacientes, melhora da audição em 10% a 30% e diminuição dos zumbidos em 40% a 60% (12). Essas cirurgias diferem em alguns pormenores. Existem as seguintes variantes técnicas: descompressão do saco sem a sua abertura ou com a incisão ou abertura mais ampla da parede externa (13) ou com a introdução de lâmina de Silastic (14,15,16,17,18), de tubo (19) ou de válvula unidirecional (20) no seu interior ou ainda com a abertura das paredes externa e medial do saco para a introdução de shunt endolinfático-subaracnoídeo (21,22). Embora todos esses procedimentos tenham resultados cirúrgicos semelhantes, o shunt endolinfático-subaracnoídeo tem o risco de fístula liquórica (10,22) e meningite (10).
SAVARY e CHARISSOUX (23) realizaram descompressão do saco endolinfático em 218 pacientes. Aos dezesseis meses, controle total ou diminuição acentuada da vertigem ocorreu em 78,4% dos pacientes. Após três anos, 48,3% estavam com a vertigem completamente curada e em 18,8% a vertigem havia diminuído acentuadamente.
SAJJADI e PAPARELLA (15) obtiveram cerca de 76% de controle da vertigem com a descompressão do saco endolinfático com a introdução de lâmina de silicone (Silastic) no seu interior. Resultado semelhante ao de trabalhos anteriores dos mesmos autores (16,17). Em 2% dos pacientes ocorreu hipoacusia neurossensorial acentuada após a cirurgia (15).
PORTMANN (13) observou 77% de eliminação da vertigem em 47 pacientes submetidos à descompressão do saco endolinfático com abertura ampla da sua parede externa com follow-up de um a cinco anos. Atribui essa porcentagem mais alta de controle da vertigem em relação ao resultado de sua série anterior (65% de controle da vertigem) à seleção dos pacientes, com ECoG associada ao teste do glicerol comprovando a hidropisia endolinfática e mostrando o caráter reversível dessa condição. Preservação ou melhora da audição ocorreu em 30% a 40% dos casos.
GLASSCOCK e col. (24) compararam os resultados pós-cirúrgicos de pacientes com doença de Ménière refratária ao tratamento clínico submetidos a shunt endolinfático-subaracnoídeo ou shunt endolinfático-mastoídeo ou à introdução de válvula de Denver no saco. Nenhuma diferença significativa no controle da vertigem ou na estabilização da audição foi observada nos grupos. Sucesso na resolução da vertigem ocorreu em menos de 60% dos pacientes, independendo do procedimento utilizado. Por esse motivo, abandonaram esses procedimentos a favor da neurectomia vestibular, que controla a vertigem em mais de 90% dos casos.
FILIPO (25) comparou 20 pacientes submetidos à descompressão do saco endolinfático a outros 20 com os mesmos critérios pré-operatórios que recusaram a cirurgia. Observou melhora da vertigem em 50% dos pacientes operados e em 30% dos não operados .
Obtivemos 66% de controle da vertigem até três anos de seguimento. Nossos resultados são semelhantes aos de alguns autores (26,27) e também aos de PORTMANN (13) na sua série anterior de pacientes. Os resultados desse último autor (13) melhoraram com o auxílio da ECoG associada ao teste do glicerol como meio de diagnóstico e de prognóstico.
Alguns autores compararam a descompressão do saco endolinfático à descompressão desse com a introdução de Silastic no seu interior, não tendo encontrado resultados diferentes para o controle da vertigem nos grupos de pacientes estudados (27,28).
BRACKMANN e NISSEN (21) e LUETJE (22) compararam os resultados da descompressão do saco endolinfático aos do shunt endolinfático-subaracnoídeo. Resultados análogos foram encontrados nos dois grupos para o controle da vertigem.
Há trabalhos na literatura contestando a eficácia da descompressão do saco endolinfático. THOMSEN e col. (29) compararam dois grupos de pacientes com doença de Ménière submetidos à cirurgia. Um grupo foi submetido à descompressão do saco endolinfático com a introdução de Silastic no seu interior e o outro grupo à mastoidectomia simples. O controle da vertigem foi o mesmo nos dois grupos (70%). BRETLAU e col. (30) fizeram seguimento dos pacientes estudados nesse último trabalho citado por nove anos e concluíram que o controle da vertigem se manteve em 70% nos dois grupos, sugerindo o efeito placebo da cirurgia em questão.
Embora existam contestações sobre a descompressão do saco endolinfático, acreditamos nos benefícios dessa cirurgia e achamos que ela deve ser tentada como um dos primeiros procedimentos cirúrgicos no tratamento dessa doença pelos resultados que pode obter, pela sua baixa morbidade e baixa repercussão na audição.
CONCLUSÃOA cirurgia de descompressão do saco endolinfático é útil para o tratamento da vertigem na doença de Ménière e deve ser indicada como um dos primeiros procedimentos cirúrgicos, principalmente nos pacientes com perda leve ou moderada da audição, pelos resultados que costuma alcançar e pelo seu baixo risco de complicações. Obtivemos 66% de controle da vertigem e 22,2% de melhora da audição nos pacientes operados.
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1. Doutor em Otorrinolaringologia pela Universidade de São Paulo - FMUSP. Responsável pelo Setor de Otologia do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.
2. Doutor em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - EPM. Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Santo Amaro.
3. Médico Residente de 2º Ano. Médico Residente em Otorrinolaringologia do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Instituição: Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Nelson Álvares Cruz Filho - Rua Maestro Cardim, 770 - Bela Vista - São Paulo / SP - Brasil - CEP: 01323-001 - Telefone: (+55 11) 3266-5105 - E-mail: nelsoncruzfilho@uol.com.br
Artigo recebido em 29 de Julho de 2009. Artigo aprovado em 4 de dezembro de 2009.