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Ano: 2010  Vol. 14   Num. 1  - Jan/Mar Print:
Case Report
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Meningo-encefalocele Esfenopalatina: Um Desafio Diagnóstico e Terapêutico
Sphenopalatine Meningoencephalocele: A Diagnosis and Therapeutic Challenge
Author(s):
Jimmy Ali Saadallah Ayoub1, Patricia Fernanda Furlan Xavier2, João Flavio Nogueira Junior3, Mauricio Yoshida4, Aldo Cassol Stamm5, Nivaldo Alonso6.
Palavras-chave:
fenda labial, meningocele, base do crânio, encefalocele.
Resumo:

Introdução: Encefaloceles e mieloceles são deformidades de fácil diagnóstico clínico, porem em alguns casos este diagnóstico pode estar dificultado pela ausência de sinais clínicos e queixas. Objetivo: O presente trabalho pretende relatar o caso de um paciente do sexo masculino, de 2 anos de idade, com uma meningocele transesfenoidal, sem sintomatologia, associada a discretas alterações no exame físico e tratada através de cirurgia endoscópica transnasal. Relato de Caso: Tratamento cirúrgico de meningocele transesfenoidal em um paciente de 2 anos de idade, através de cirurgia endoscópica transnasal, utilizando retalho de mucosa septal nasal bilateral, pediculado na artéria esfenopalatina. Conclusão: A abordagem da meningoencefalocele, utilizando retalhos de mucosa septal mostrou-se uma opção viável e eficaz em pacientes pediátricos.

INTRODUÇÃO

Meningoencefalocele basal é uma rara entidade patológica que ocorre em 1:35000 nascimentos (1,2). Caracteriza-se pela herniação do tecido neural através de um defeito nas estruturas ósseas da base do crânio (3,4,5).

A meningoencefalocele transesfenoidal associa-se com anomalias do desenvolvimento facial, do sistema óptico e do encéfalo (1,5,6,7). As malformações faciais estão quase sempre presentes e as características encontradas incluem hipertelorismo, fissura nasal mediana, base nasal alargada, fenda labial ou palatal, síndrome da fenda facial medial ou crânio bífido oculto frontal (8,9).

A encefalocele transesfenoidal geralmente é assintomática ou um achado ocasional, sendo a apresentação mais comum a de uma massa localizada na linha media craniana (5). As manifestações clinicas, quando presentes, em parte dependem da idade do paciente. Na ausência de alterações faciais, o diagnóstico pode ser retardado para a adolescência ou idade adulta, quando rinorreia, meningite ou defeito visual progressivo inexplicável incitam uma avaliação diagnóstica (8,10,11).

Algumas crianças podem apresentar vários sinais e sintomas, incluindo meningite, obstrução nasal, malformações craniofaciais ou fistula liquorica, porem em alguns casos, a lesão pode passar indetectável ate ser detectada ocasionalmente em um exame de imagem.

A TC e a RNM são necessárias para confirmar o diagnóstico de meningoencefalocele transesfenoidal, para definir a presença de elementos neurais e vasculares na herniação e revelar os defeitos nas estruturas ósseas (5,13). A RNM é o exame de escolha para o diagnóstico deste tipo de malformação (12,14). A TC tridimensional pode ser útil para o planejamento de reparos craniofaciais complexos (12, 14).

O objetivo deste relato é de apresentar o caso de um menino de 2 anos de idade, que apesar da escassez de sinais físicos e clínicos, foi diagnosticada meningocele, abordada com cirurgia endoscópica transnasal, utilizando retalho de mucosa septal nasal bilateral, pediculado na artéria esfenopalatina.


RELATO DO CASO

Paciente RS, 2 anos, sexo masculino, procurou nosso serviço em maio de 2008 com queixa de episódios frequentes de sinusite e otite média aguda, uso constante de antibióticos de amplo espectro. Na oroscopia constatou-se a presença de frênulo labial superior e diástase dos incisivos superiores, porem não havia descontinuidade de mucosa no palato e nem anormalidade da úvula.

A endoscopia nasal realizada com nasofaringolaringoscópio flexível Pentax 3,2mm, evidenciou rinopatia alérgica, laringite posterior e hipertrofia de adenoides, que ocupavam, segundo o laudo do exame, 50% das coanas. O estudo tomográfico de crânio e seios da face e a reconstrução tridimensional evidenciou fenda média craniana em forma de funil (Figura 2). A ressonância magnética de crânio e seios da face evidenciou uma meningocele transesfenoidal invadindo a porção posterior da cavidade nasal (Figura 3). Após uma criteriosa avaliação pré operatória, o tratamento de escolha foi a cirurgia endoscópica transnasal, utilizando retalho de mucosa septal nasal bilateral, pediculado na artéria esfenopalatina.

A cirurgia foi realizada sob anestesia geral. Foi realizada uma vasoconstrição tópica nasal. Em seguida uma endoscopia nasal foi realizada utilizando-se um endoscópio de 4-mm, com uma ótica de 0-graus. A lesão encontrava-se na região posterior do septo nasal. Foi realizada infiltração da porção anterior do septo nasal com uma solução de xilocaina e adrenalina (1:100.000), seguida da incisão anterior da mucosa septal a direita, descolamento mucopericondral e periostal a direita e a esquerda apos incisão septal transfixante.

Duas incisões paralelas no sentido antero-posterior, a partir da incisão inicial, foram realizadas com objetivo de criar um retalho pediculado na artéria esfenopalatina a direita (Figura 4). A esquerda três incisões foram realizadas com objetivo de criar o mesmo retalho pediculado na artéria esfenopalatina ipsilateral. A cartilagem septal foi removida e reservada para uso, se necessário, na reconstrução do defeito ósseo da base do crânio. Foi realizada a dissecção completa da meningocele. O disrafismo ósseo da base do crânio (esfenoide) tinha o formato de um "V" que impede a utilização de cartilagem ou telas para sustentação da meningocele reduzida, por esta razão o uso do retalho de mucosa nasal tornou-se uma solução eficaz (Figura 5).

Assim, apos rotação dos retalhos no sentido posterior, aplicou-se cola de fibrina, seguida pela colocação de Gelfoam e por fim inseriu-se e uma sonda de Folley que é inflada com intuito de ocupar o rinofaringe mantendo os retalhos posicionados, esta permaneceu por dois dias, com a criança sedada em UTI pediátrica. Após dois dias a sonda de Folley foi retirada e a criança acordada. Nenhum sinal de fistula liquórica foi observado. Após cinco dias de internação hospitalar a criança recebeu alta sem sinais de fistula liquórica e infecção.

O acompanhamento do paciente ocorre através de consultas ambulatoriais onde é realizada endoscopia nasal cautelosa. O paciente encontra-se com 120 dias de pós-operatório e não foram observadas complicações até o momento.


DISCUSSÃO

A falta de alterações faciais no exame físico e manifestações clinicas que possam chamar a atenção do médico para uma avaliação tomográfica detalhada do crânio e seios da face, dificulta o diagnostico da meningoencefalocele. Uma face aparentemente normal, omite anormalidades cranianas que podem resultar em complicações graves e fatais se mal conduzidas pelos especialistas. A manifestação de patologias comuns de vias aéreas superiores nesta faixa etária, aliada ao laudo de um exame endoscópico nasal, sem complementação radiológica, pode resultar em um procedimento cirúrgico inadequado neste caso.

Assim, este caso também demonstra a importância do estudo tomográfico do crânio e seios da face em pacientes dirigidos as especialidades de cirurgia craniomaxilofacial e otorrinolaringologia. Os exames radiológicos aliados a reconstruções tridimensionais, são fundamentais tanto para diagnostico, quanto para planejamento cirúrgico, quando possível.

Por fim, a reconstrução da fenda craniana e abordagem da meningoencefalocele através de cirurgia endoscópica transnasal, mostrou se uma opção viável e eficaz quando realizada em um centro especializado. A utilização do retalho de septo nasal, pediculado na artéria esfenopalatina, permitiu a separação da meningocele da cavidade nasal, mesmo sem correção do disrafismo craniano, minimizando a probabilidade de meningite ao longo da vida deste paciente. Isto ocorre devido a nutrição sanguínea do retalho, proveniente diretamente da artéria esfenopalatina, tornando-o num tecido mais robusto, sendo útil no fechamento do defeito craniano.

Por outro lado, a cirurgia causa uma perfuração septal posterior importante, que pode resultar em crostas, sangramentos, dentre outras complicações. Nos adultos a sua utilização é bem descrita, porém em pacientes pediátricos ainda é restrita e menos descrita na literatura. Existem alguns estudos a respeito de complicações com estes retalhos, como mucoceles, sinéquias, necrose e infecção em adultos. Estudos por períodos longos de acompanhamento ainda não existem porem os estudos em vigência demonstram que estes retalhos tornaram-se um tratamento seguro e confiável para os defeitos da base do crânio.



Figura 1. (A) Corte Coronal de TC, (B) Reconstrução com Osirix, demonstrando bifidez da lâmina perpendicular do etmoide e fenda média craniana.




Figura 2. Vista (A) superior e (B) inferior de reconstrução tridimensional, com Osirix, a partir de TC,demonstrando disrafia (fenda) média craniana.




Figura 3. (A) Corte Sagital, (B) Corte Coronal, (C) Corte Axial de RNM em T2 demonstrando meningocele transesfenoidal.




Figura 4. (A, B) Endoscopia Nasal mostrando meningocele envolvida por mucosa nasal. (C) Retalho de mucosa de septo nasal a direita, pediculado na artéria esfenopalatina. (D) Dissecção da meningocele.




Figura 5. (A) Ressecção da meningocele. (B, C, D) Aspecto final dos retalhos septais pediculados, ocupando rinofaringe.




CONCLUSÃO

Nos apresentamos uma reconstrução bem sucedida de uma meningoencefalocele congênita, omitida por uma face sem alterações, diagnosticada após realização de tomografia computadorizada e RNM de crânio e seios da face. Meningoencefalocele presente no rinofaringe, sujeita a complicações por presença de infecções constantes de vias aéreas superiores e por isso corrigida por cirurgia endoscópica transnasal, com a utilização do retalho de septo nasal pediculado na artéria esfenopalatina. Nenhuma complicação ocorreu com o retalho nasal e o defeito da base do crânio foi corrigido com sucesso.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1. Residente do 2º Ano de Cirurgia Geral do Hospital Professor Edmundo Vasconcelos.
2. Especialista pela SBORL em Otorrinolaringologia. Otorrinolaringologista do Instituto Felippu de Rinologia.
3. Residente do 3º ano de Otorrinolaringologia do Hospital Professor Edmundo Vasconcelos.
4. Cirurgião Plástico (Especialista pela SBCP). Médico do Hospital Professor Edmundo Vasconcelos.
5. Associate Professor Federal University of São Paulo. Associate Professor Federal University of São Paulo Director of São Paulo ENT Center - Hospital Professor Edmundo Vasconcelos.
6. Professor Livre Docente da FMUSP. Diretor do Serviço de Cirurgia Craniomaxilofacial - Hospital Edmundo Vasconcelos Professor Livre Docente da FMUSP.









Instituição: Serviço de Cirurgia Plástica, Craniomaxilofacial e Otorrinolaringologia do Hospital Professor Edmundo Vasconcelos. São Paulo / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Jimmy Ayoub - Rua Martiniano de Carvalho, 611 - Apto. 82 - Bela Vista - São Paulo / SP - Brasil - CEP: 01321-001 - Telefone: (+55 11) 5080-4000 - E-mail: jimmymed@bol.com.br. Artigo recebido em 13 de Janeiro de 2009. Artigo aprovado em 15 de Março de 2009.
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