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Ano: 2010 Vol. 14 Num. 2 - Abr/Jun
DOI: 10.7162/S1809-48722010000200003
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Disfonia Espasmódica: Descrição da Doença e dos Distúrbios Neurológicos Associados |
Spasmodic Dysphonia: Description of the Disease and Associated Neurologic Disorders |
Como citar este Artigo |
Coelho MS, Macedo E, Oliveira MSB, Lobo P, Soccol AT, Koerner HN, et al. Spasmodic Dysphonia: Description of the Disease and Associated Neurologic Disorders. Int. Arch. Otorhinolaryngol. 2010;14(2):163-166 |
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Author(s): |
Marina Serrato Coelho1, Evaldo Macedo2, Marcela Schmidt Braz de Oliveira3, Paulo Lobo4, Andréa Thomaz Soccol5, Heloisa Nardi Koerner1.
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Palavras-chave: |
doenças neuromusculares, distúrbios da voz, disfonia. |
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Resumo: |
Introdução: A disfonia espasmódica (DE) é um problema que afeta a fala e a vocalização, sendo uma das mais devastadoras desordens da comunicação oral. É caracterizada por qualidade vocal tensaestrangulada, áspera e/ou entrecortada, com ataque vocal brusco e grande tensão no aparelho fonador. A etiologia da disfonia espasmódica não é clara. Alguns autores apontam para causas psicogênicas, neurológicas ou até desconhecidas.
Objetivo: Avaliar a prevalência de distonias musculares e outros sintomas neurológicos nos pacientes com diagnóstico de disfonia espasmódica.
Método: Estudo retrospectivo de 10 casos com diagnóstico de disfonia espasmódica quanto a sintomas e desordens neurológicas associadas.
Resultados: Houve franca predominância da doença no sexo feminino (9:1). A idade média do início dos sintomas foi de 32 anos, variando entre 14 e 60 anos. O tempo médio de evolução da doença foi de 10 anos. Dos pacientes avaliados, 87,5% tinham diagnóstico de distúrbios do movimento feito por neurologista, entre eles distonias orofacias (50%), tremor essencial (50%) e paraparesia espástica (12%).
Conclusão: A presença de desordens do movimento acompanhou quase que a totalidade os casos de disfonia espasmódica. Mais estudos são necessários a fim de esclarecer a base fisiopatológica da doença.
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INTRODUÇÃO
A disfonia espasmódica (DE) é um raro distúrbio da voz causado por uma distonia focal dos músculos da laringe (1). Distonia pode ser definida como um distúrbio involuntário do movimento caracterizado por contrações musculares sustentadas, determinando movimentos de torção e/ou posturas anormais. Entre o grupo de doenças caracterizado por distonia focal podem sem citados: câimbra do escrivão, torcicolo espasmódico, blefaroespasmo e disfonia espasmódica (distonia da laringe) (2).
A disfonia espasmódica acomete mais frequentemente o sexo feminino e se inicia tipicamente por volta dos 30 anos de idade (3). A disfonia espasmódica pode se apresentar de duas formas: disfonia espasmódica de adução que se trata da forma de apresentação mais comum da doença e manifesta-se com voz tensaestrangulada (fechamento intenso da laringe) e outra, bem mais rara, de abdução caracteriza-se por episódios intermitentes de soprosidade, ou afonia (dificuldade no fechamento das pregas vocais), resultando em escape de ar durante a fonação. Podendo ainda ser encontrado em alguns pacientes, um tipo adutor-abdutor combinado (4).
A etiologia da disfonia espasmódica ainda não é muito bem compreendida, assim como das outras formas de distonia focais. Alguns autores associam esses distúrbios à doenças psicológicas, neurologicas ou traumáticas (5).
Esse artigo tem como objetivo avaliar a prevalência de distonias musculares e outros sintomas neurológicos nos pacientes com diagnóstico de disfonia espasmódica, visto que uma maior ocorrência de distúrbios neurológicos nestes pacientes pode corroborar com a hipótese de uma origem neurológica como base etiológica para disfonia espasmódica.
MÉTODO
O presente estudo obedeceu às normativas do comitê de ética do HC-UFPR (Registro no CEP/HC 1778.195/2008-09).
Foram inclusos no estudo pacientes com diagnostico clínico e laringoscópico de disfonia espasmódica em acompanhamento no ambulatório de otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da UFPR.
Os pacientes foram avaliados por meio de questionário quanto à disfonia espasmódica e sintomas associados, além de outras distonias e sintomas neurológicos.
Foram considerados como portadores de outros distúrbios neurológicos aqueles pacientes que já apresentavam diagnostico prévio pelo neurologista.
Foi realizada revisão dos prontuários médicos (otorrinolaringológicos e neurológicos) e revisão de literatura sobre o tema.
RESULTADOS
Foram avaliados 10 pacientes com diagnóstico de disfonia espasmódica. Destes, oito responderam ao questionário. Houve franca predominância do sexo feminino (9:1).
A idade média do início dos sintomas foi de 32 anos, variando entre 14 e 60 anos. O tempo médio de evolução do quadro foi de 10 anos.
Todos os oito pacientes referiram piora dos sintomas com o passar dos anos.
Em todos os casos, os pacientes definiram-se como ocupando uma posição de responsabilidade na família ou trabalho. Em 50% dos casos houve relato de tensão emocional e 25% de flutuações de humor.
Sete dos oito pacientes foram submetidos à injeção de toxina botulínica, havendo melhora significativa em 100% dos casos.
Quanto à avaliação de desordens de movimento, todos os oito apresentaram alguma queixa, e sete (87,5%) tinham diagnóstico de distúrbios do movimento feito por neurologista, entre eles distonias orofacias (50%), tremor essencial (50%), paraparesia espástica (12%). Uma deterioração subjetiva da escrita foi relatada por 3 pacientes (37%).
DISCUSSÃO
De acordo com dados da literatura a disfonia espasmódica trata-se de uma afecção que acomete principalmente o sexo feminino. Este mesmo dado foi encontrado em nosso estudo, no qual 90% da amostra estudada era composta por mulheres (3,4).
Caracteristicamente a disfonia espasmódica é considerada como idiopática, sendo um distúrbio no qual a voz está prejudicada por contrações incontroláveis dos músculos laríngeos. Frequentemente os sintomas são confundidos com outros comportamentos, uma vez que esta desordem é exacerbada por estresse, fadiga ou hábitos compensatórios mal adaptados e estados emocionais alterados.
De qualquer forma, a etiologia da DE é tema ainda não totalmente esclarecido. Alguns sustentam a hipótese de que a disfonia espasmódica possa se tratar de um distúrbio de base psicogênica (2).
No presente estudo, houve relato de tensão emocional em 50% dos casos e flutuação do humor em 25%. Em outro estudo 21% dos pacientes associaram o início dos sintomas da disfonia com algum distúrbio emocional (5). LIU et al. mostraram maiores índices de ansiedade, depressão e distúrbios de somatização entre os pacientes com disfonia espasmódica em comparação com os controles normais. Neste estudo, o estado emocional e qualidade de vida foram avaliados após o tratamento realizado com toxina botulínica e o resultado mostrou melhora nessas variáveis após o tratamento. Dessa forma os autores sugerem que os sintomas emocionais dos pacientes com disfonia espasmódica sejam principalmente secundários ao distúrbio da voz (6). Na casuística apresentada por AMINOFF et al. nenhum dos pacientes com disfonia espasmódica estudados apresentavam distúrbios psiquiátricos documentados (7).
Atualmente alguns autores têm levantado à hipótese de que a disfonia espástica seja uma distonia focal laríngea devido a uma disfunção no gânglio basal e muitas são as distonias focais que podem manifestar-se junto a ela como: blefaroespasmo, torcicolo espasmódico e câimbra do escrivão (8).
O artigo de ROBE citado por BEHLAU (1990) (9), apresenta alterações nos traçados eletromiográficos de 90% de um grupo de 10 pacientes portadores de disfonia espástica. Tal estudo representa um marco na evolução do conceito de disfonia espástica, tendo direcionado fortemente a atenção dos pesquisadores em questão, para a natureza neurológica da doença.
Outro estudo que sugere que a origem da disfonia espasmódica possa estar no sistema nervoso é o realizado por KOSAKI et al. Os autores realizaram análise histológica do nervo laríngeo recorrente de pacientes com disfonia espasmódica comparando com controles e notaram uma maior porcentagem de fibras nervosas nos feixes analisados dos pacientes com disfonia espasmódica em comparação com controles normais (10).
AMINOFF et al. analisaram uma amostra de 12 pacientes dos quais 50% apresentavam outros distúrbios neurológicos além da disfonia espasmódica, entre eles: tremor postural, discinesia bucolingual, blefaroespasmo e torcicolo espasmódico (7).
Outros autores estudaram 168 pacientes com diagnostico de disfonia espasmódica e, com relação a outros distúrbios neurológicos coexistentes, 11% apresentavam câimbra do escrivão e 26% tremor essencial, em contraste com apenas 4% do grupo controle (P=0,0001) (5).
Em nosso estudo, 87,5% dos pacientes possuíam diagnóstico de distúrbios do movimento feito por neurologista, entre eles: distonias orofacias (50%), tremor essencial (50%), paraparesia espástica (12%). Uma deterioração subjetiva da escrita foi relatada por 3 pacientes (37%).
Quanto às modalidades terapêuticas, não há nenhuma evidência que mostre a eficácia da fonoterapia ou psicoterapia no alivio dos sintomas dos pacientes portadores de disfonia espasmódica. Conduto essas estratégias podem melhorar a efetividade de outros tratamentos por reduzir comportamentos de hiperfunção da voz (11).
Em 1988 BLITZER et al. relataram o uso da toxina botulínica A para o tratamento de pacientes com disfonia espasmódica. Desde então essa terapia tem se tornado o principal pilar no tratamento dessa desordem vocal (12).
A toxina botulínica A age diminuindo a forca de contração muscular das cordas vocais por interferir na liberação de acetilcolina na junção neuromuscular. Esta paralisia parcial reduz os efeitos do espasmo de adução na produção da voz. Este efeito dura em media 3 meses, depois do qual é necessário nova aplicação (13).
Em nosso estudo 100% dos pacientes tratados com injeção de toxina botulínica apresentaram melhora significativa. Nossa avaliação da melhora do paciente foi feita de maneira subjetiva através da opinião do paciente, assim como CASSERLY et al. (14) acreditamos que esta seja uma maneira adequada de se avaliar o resultado desse tratamento, visto que não se trata de tratamento curativo e sim para alívio sintomático.
BLITZER et al. publicaram um estudo com uma casuística de 900 pacientes com disfonia espasmódica tratados com toxina botulínica ao longo de 12 anos de seguimento. Neste estudo pacientes com disfonia dos adutores tiveram uma recuperação média de 90% da função normal com duração media de 15,1 semanas. Entre os pacientes com distúrbios dos abdutores houve uma recuperação média de 66% com duração de 10,5 semanas (15). Outros estudos também mostram resultados satisfatórios com uso da toxina botulínica (16, 17, 18).
Múltiplas intervenções cirúrgicas foram propostas para o tratamento da disfonia espasmódica variando desde a secção do nervo laríngeo recorrente ate a tireoplastia tipo II. Porém a maioria desses procedimentos falham na resposta a longo prazo e não oferecem grandes vantagens em relação a terapia botulínica (19,20,21).
CONCLUSÃO
Em nosso estudo a presença de desordens do movimento acompanhou quase que a totalidade os casos de disfonia espasmódica. Com relação à presença de distúrbios psiquiátricos associados não é possível por este estudo estabelecer uma relação com a disfonia espasmódica, visto que distúrbios do humor apresentam elevada prevalência na população geral. O tratamento com toxina botulínica apresenta resultados temporários, porém satisfatórios, e constituem a principal opção terapêutica atual. Mais estudos são necessários a fim de esclarecer a base fisiopatológica e a associação entre esses distúrbios, visto que poderemos encontrar terapias ainda mais satisfatórias caso uma etiologia exata seja revelada.
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1 Médica Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do HC-UFPR. 2 Doutor. Médico do Serviço de Otorrinolaringologia do HC-UFPR. 3 Médica Estagiária do Serviço de Otorrinolaringologia do HC-UFPR. 4 Médico. 5 Médica Otorrinolaringologista.
Instituição: Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Curitiba / PR - Brasil. Endereço para correspondência: Marina Serrato Coelho - Rua Francisco Juglair, 298 301 B - Curitiba / PR - Brasil - CEP: 81200-230 - Telefone: (+55 41) 3360-1800 - E-mail: ma.serrato@hotmail.com
Artigo recebido em 1º de Outubro de 2009. Artigo aprovado em 21 de Abril de 2010.
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