Title
Search
All Issues
17
Ano: 2010  Vol. 14   Num. 2  - Abr/Jun
DOI: 10.7162/S1809-48722010000200017
Print:
Case Report
Versão em PDF PDF em Português Versão em PDF PDF em Inglês TextoTexto em Inglês
Afonia com Etiologia Desconhecida: Relato de Caso
Aphonia with Unknown Etiology: A Case Report
Author(s):
Valeriana de Castro Guimaraes1, Paulo Humberto Siqueira2, Victor Labres da Silva Castro3, Maria Alves Barbosa4, Celmo Celeno Porto5.
Palavras-chave:
afonia, rouquidão, doenças da laringe, estresse, voz.
Resumo:

Introdução: A afonia de conversão é definida como a perda total da voz, é uma doença rara que acomete frequentemente as mulheres. O diagnóstico é clínico, pois não há alterações nas estruturas laríngeas. Objetivo: Descrever um caso de afonia de conversão, atendida em um hospital público no Centro-Oeste do Brasil. Relato do Caso: Paciente de 32 anos, sexo feminino, com queixa de afonia há dois dias, sem outros sintomas aparentes. Os exames não revelaram alterações nas estruturas laríngeas e/ou extralaríngeas. As etapas do atendimento foram descritas desde a consulta inicial até a recuperação da paciente. Comentários Finais: É importante considerar os aspectos psicoemocionais que envolvem os pacientes com alterações vocais, uma vez que os mesmos podem originar ou alterar os sintomas e comprometer o prognóstico da doença.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos houve um crescente aumento nos estudos das desordens de conversão, esse interesse vem sendo proporcionado pela evolução da neurociência, principalmente nos trabalhos que envolvem imagens cerebrais (1).

Os distúrbios de conversão ocorrem quando há uma somatização, ou seja, o mecanismo psicológico ou psíquico é expresso sob a forma de sintomas físicos (2), dentre os quais os órgãos da laringe podem ser afetados.

A laringe é uma estrutura músculo cartilagínea com função específica de produção de som na fonação, função respiratória e esfincteriana. Por ser uma estrutura sensível, a laringe se torna vulnerável às mais variadas doenças, o que se agrava mais diante de fatores de risco como o tabagismo e etilismo (3).

Geralmente, as manifestações iniciais de um problema laríngeo surgem na forma de uma disfonia. De origem multifatorial a disfonia apresenta-se como qualquer alteração da voz em decorrência de um distúrbio funcional e/ou orgânica do trato vocal, sendo a forma mais comum dos transtornos vocais. O uso abusivo e inadequado da voz consiste em importante exemplo de causa de disfonia (3, 4).

Os transtornos psicoemocionais podem desencadear o surgimento das disfonias psicogênicas relacionadas à conversão, sendo o quadro mais comum a afonia de conversão, definida como a perda total da voz, um distúrbio que acomete frequentemente o gênero feminino (5,6,7).

A voz humana é única, e permite ao individuo comunicar-se com seus semelhantes, expressar pensamentos e emoções (3). Por vezes, os sintomas psiquiátricos muitas vezes se manifestam sobre o trato vocal (7).

Neste artigo é proposto a apresentação de um caso, cuja relevância reside no fato deste se constituir incomum no ambulatório de otorrinolaringologia, possivelmente pela raridade de sua ocorrência.

No presente relato os autores descrevem um caso de caso de afonia de conversão atendida no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, na cidade de Goiânia.


RELATO DO CASO

Paciente VCG, 32 anos de idade, sexo feminino, funcionária pública, pós-graduanda, solteira, natural de Goiânia (GO) procurou o Pronto Socorro de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás HC/UFG em junho de 2006, com o seguinte quadro clínico: afonia há dois dias, sem outros sintomas otorrinolaringológicos aparentes.

Afirmou que nos últimos seis meses apresentou dois episódios de afonia, procurando uma unidade de saúde. Foi atendida por um médico otorrinolaringologista, que através da laringoscopia indireta observou um leve edema entre as cartilagens aritenoides, sugestivo de refluxo laringo-faríngeo. Na ocasião foi prescrito omeprazol 20 mg de 12/12h, com melhora clínica do quadro após três/quatro semanas. Relatava ainda, que os alterações vocais surgiram após semanas exaustivas e estressantes de trabalho, seguidos de aulas noturnas. Refere que nos dias que antecederam os distúrbios não apresentou sinais ou sintomas diferentes, apenas cansaço e que ao amanhecer acordava afônica.

No momento da consulta, a paciente encontrava-se em bom estado geral, afebril, sem sinais ou sintomas de rinorreia e prurido nasal. Nega etilismo, tabagismo, uso de medicamentos e abuso vocal.

Na avaliação otorrinolaringológica a orofaringoscopia, rinofaringoscopia anterior e otoscopia não apresentaram alterações.

Diante do quadro clínico foram solicitados exames laboratoriais, cujos resultados mostraram-se normais. O procedimento de videolaringoscopia não revelou lesões orgânicas nas estruturas laríngeas e/ou extralaríngeas
(Figura 1).

Com diagnóstico de afonia psicogênica, foi recomendada a ingestão hídrica abundante, juntamente com terapia vocal. A paciente foi encaminhada ao ambulatório de fonoaudiologia do hospital.

Quatro dias depois da consulta inicial, a paciente apresentou melhora significativa do quadro vocal, sendo orientada a retornar ao ambulatório de otorrinolaringologia após 30 dias. Após este período, regressou sem sinais de afonia. A paciente recebeu alta, sendo mantido o acompanhamento fonoterápico.



Figura 1. Videolaringoscopia. (A) Pregas vocais em abdução (respiração). (B) Pregas vocais em adução (fonação).
HC/UFG 2006.



DISCUSSÃO

A literatura é vasta quando se trata de distúrbios vocais, entretanto, a limitação do presente estudo é evidenciada pela escassez de estudos que abordem especificamente a afonia de conversão, podendo esses dados oferecer subsídios para novos estudos sobre a temática.

Especialistas consideram que a rouquidão persistente, pigarros, dores na garganta, dor e dificuldade ao engolir, dificuldade para respirar, cansaço vocal e perda da voz podem ser indicativos de lesões na laringe (3). No caso relatado, o exame de videolaringoscopia não visualizou alterações em nível da laringe, pregas vocais ou estruturas proximais que justificassem o distúrbio vocal.

Como sugerido na literatura, o diagnóstico da afonia é basicamente clínico, uma vez que não há lesões nos órgãos da laringe ou nas pregas vocais (8). No caso descrito as estruturas laríngeas encontravam-se normais, sem lesões.

O caso relatado trata-se de um paciente do sexo feminino. Estes achados são semelhantes aos descritos na literatura, onde a doença acomete predominantemente indivíduos deste gênero (5,6,7,9).

Estudos revelam que a presença de refluxo gastro-esofágico pode levar a alterações laríngeas, e consequentemente transtornos vocais (10). Embora, nos primeiros episódios tenha feito uso de medicamentos para esta afecção, os sintomas vocais da paciente permaneceram por semanas

Pesquisas apontam a ansiedade, depressão, conflitos de relacionamento interpessoal, dificuldades em expressar seus sentimentos ou opiniões como fatores etiológicos da afonia (5, 6, 7, 9, 11). Contrariando tais dados, no caso apresentado a paciente nega ansiedade, depressão ou algum tipo de trauma, menciona apenas o estresse diário. Sendo este possível, fator desencadeante da afonia.

A conduta médica teve por base a reabilitação vocal e aumento da ingestão de líquidos, resultando melhora significativa do quadro. Estes achados vêm ao encontro de vários estudos que apontam as terapias vocais determinantes para a pronta recuperação dos pacientes (8, 12, 13).

Estudos descrevem casos em que o distúrbio vocal permanece por semanas (9, 14), no caso apresentado em apenas quatro dias a paciente teve seu padrão vocal normalizado. Devido à rápida melhora dos sintomas, a paciente não foi encaminhada ao tratamento psicoterápico, como sugerem alguns estudos (6, 8).

Embora os avanços sejam evidentes o diagnóstico continua representando um desafio (1), entretanto, o fator psicológico desempenham um papel importante e devem ser considerados no diagnóstico, bem como no processo terapêutico de indivíduos com distúrbios vocais (11). Diante da ausência de lesões nas pregas vocais, considerou-se a agitação ou estresse diário relatado pela paciente, como possível fator desencadeante do transtorno vocal vivenciado pela mesma.

Dessa forma é importante o diagnóstico diferencial frente as afonias, uma vez que, os aspectos psicoemocionais que envolvem o indivíduo podem ser somatizados para as estruturas laríngeas, sendo toda a carga afetiva transmitida ao trato vocal, ocasionando o surgimento das alterações ou distúrbios vocais (14).


COMENTÁRIOS FINAIS

Os aspectos psicológicos que envolvem os pacientes devem ser considerados em quaisquer distúrbios, uma vez que os mesmos podem originar ou alterar os sintomas e comprometer o prognóstico da doença.

Os antecedentes clínicos que precedem o surgimento de uma alteração vocal devem ser levantados pelos especialistas, possibilitando uma intervenção adequada, considerando que a voz reflete e transmite a personalidade de uma pessoa.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Aybek S, Kanaan RA, David AS. The neuropsychiatry of conversion disorder. Curr Opin Psychiatry. 2008, 21:275-80.

2. Hurwitz TA. Somatization and conversion disorder. Can J Psychiatry. 2004, 49:172-8.

3. Guimarães VC, Viana MADESR, Barbosa MA, Paiva MLF, TavaresJAG V, Camargo LA. Cuidados Vocais: questão de prevenção e saúde. Rev C S Col [periódico na internet] 2008 out. [Citado em 10 de dezembro 2008]; [cerca de 5 p.] Está disponível em: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/

4. Jardim R, Barreto SM, Assunção AA. Condições de trabalho, qualidade de vida e disfonia entre docentes. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro. 2007, 23:2439-61.

5. Bhatia MS, Vaid L. Hysterical aphonia an analysis of 25 cases. Indian J Med Sci. 2000, 54:335-8.

6. Butcher P. Psychological processes in psychogenic voice disorder. Eur J Disord Commun. 1995, 30:467-74.

7. Tsuruga K, Kobayashi T, Hirai N, Kato S. Foreign accent syndrome in a case of dissociative (conversion) disorder. Seishin Shinkeigaku Zasshi. 2008, 110:79-87.

8. Maniecka-Aleksandrowicz B, Domeracka-Ko³odziej A, Rózak-Komorowska A, Szeptycka-Adamus A. Management and therapy in functional aphonia: analysis of 500 cases. Otolaryngol Pol. 2006, 60:191-7.

9. Kuljiæ B. Cognitive-behavioral therapy of conversion aphonia]. Vojnosanit Pregl. 2004, 61:695-8.

10. Leuchter I, Monnier P, Brossard E, Schweizer V. Gastroesophageal reflux: a possible cause of paroxysmal laryngeal dyspnea. Rev Med Suisse. 2008, 4:1113-7.

11. Willinger U, Völkl-Kernstock S, Aschauer HN. Marked depression and anxiety in patients with functional dysphonia. Psychiatry Res. 2005, 30:85-91.

12. Du JQ, Yang BQ, Liu JX. Diagnosis and treatment and prevention of iatrogenic functional aphonia. Zhonghua Er Bi Yan Hou Tou Jing Wai Ke Za Zhi. 2006, 41:641-3.

13. Van Harten PN, Schutte HK. Psychogenic aphonia an effective and rapidly treatable conversion Ned Tijdschr Geneeskd. 1992, 136:790-3.

14. Rubin JS, Greenberg M. Psychogenic voice disorders in performers: a psychodynamic model.J Voice. 2002, 16:544-8.









1 Doutoranda. Responsável pelo Serviço de Audiologia da Clínica de Otorrinolaringologia HC/UFG.
2 Especialista em Otorrinolaringologia. Professor Assistente da Clínica de Otorrinolaringologista da Faculdade de Medicina - UFG.
3 Médico. Residente da Clínica de Otorrinolaringologista.
4 Doutora. Professora Titular da Faculdade de Enfermagem - UFG.
5 Doutor em Medicina. Professor Emérito da Faculdade de Medicina - UFG.

Instituição: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás. Goiânia / GO - Brasil. Endereço para correspondênica: Valeriana de Castro Guimarães - Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Goiás - Primeira Avenida, s/n - Setor Leste Universitário - Goiânia / GO - Brasil - CEP: 74605-020 - Telefone: (+55 62) 3269-8360 - E-mail: valeriana.guimaraes@gmail.com

Artigo recebido em 1º de Maio de 2009. Artigo aprovado em 19 de Julho de 2009.
  Print:

 

All right reserved. Prohibited the reproduction of papers
without previous authorization of FORL © 1997- 2024