A tuberculose foi um grande flagelo da humanidade, tendo dizimado, em época de epidemias, populações em quase sua totalidade. Chegou a ser conhecida como "peste branca", tal era a sua violência e contágio.
Há anos atrás, o tratamento era praticamente contemplativo, ou seja, superalimentação, repouso e, no Brasil, o paciente era enviado para tratamento em Belo Horizonte, onde o clima seco, saudável e sem poluição favorecia muito a cura. O pneumotórax (isolamento da parte doente do pulmão) era feito, e esporadicamente uma ou outra cirurgia, que se limitava, de um modo geral, a aliviar dores por abscessos ou derrames.
Em Belo Horizonte, havia numerosos sanatórios, alguns particulares e outros públicos, tendo sido instalado o Júlia Kubitschek como o mais completo do Brasil, no Barreiro, num consórcio formado pelo então IAPC, IAPI, IAPTEC, Ipase e IAPFESP. Eu era conselheiro representando o Ipase e participei de sua montagem em 1960.
Como chefe do Serviço Médico do Ipase, era constantemente solicitado a conseguir vagas para pacientes de outros Estados. A quantidade era tão grande que tivemos de estabelecer um dia somente para atendê-los, no ambulatório, às sextas-feiras. Numerosos sanatórios e pensões sanatoriais instalaram-se para os de menor poder aquisitivo, principalmente em Santa Efigênia.
Na década de 40, nós, ainda rapazes, ligávamos magreza à doença e tínhamos medo de namorar moças do interior que fossem magras (de um modo geral os tuberculosos eram magros). Há até o caso de um amigo meu que namorou uma bem gordinha e posteriormente soube que ela estava em Belo Horizonte em tratamento. Ficou quase doido e eu obtive do médico que a assistia, meu conhecido, a informação de que ela não era contagiante. Mesmo assim, ele tirava RX do tórax, praticamente, de 15 em 15 dias, tal o pavor.
O advento da estreptomicina e da hidroestreptomicina, ácido para aminossalicílico, e atualmente o antibiótico rifampicina, bem como outros recentes medicamentos fizeram desaparecer os sanatórios, pois o tratamento passou a ser ambulatorial, sendo a doença praticamente erradicada. Agora novas estatísticas mostram o seu recrudescimento, com quase 100 mil pessoas afetadas no Brasil, o que preocupa as autoridades do setor de saúde.
Tudo isso lembra-me o caso de um paciente que me procurou alegando cuspir e escarrar sangue. Examinei-o e concluí que era um pequeno vaso do nariz o responsável pelo sangue eliminado, que normalmente ia para a garganta. Mas disse-lhe que era rotina fazer uma radiografia do tórax nesses casos e fiz o pedido. No dia seguinte ele voltou com a chapa normal e eu dei-lhe os parabéns. Ele fitou-me e disse: "Doutor, o senhor me fez gastar 15 cruzeiros (preço da chapa na época) à toa, pois o exame está normal!" Eu não agüentei e quase pulei nele, dizendo-lhe: "Você escarra sangue e ao invés de ficar alegre porque comprou sua tranqüilidade por 15 cruzeiros, além de morar em Belo Horizonte, desejava uma caverna no pulmão para justificar o que gastou?" O paciente foi ficando cada vez menor na cadeira, entendeu a bobagem que havia falado e me pediu desculpas.
Fica o lembrete aos pacientes. Nem sempre o médico pede exames para dar positivo, às vezes o faz para obter um resultado negativo, para afastar possíveis doenças mais graves. E, nesses casos, o doente deve ficar é bastante alegre.
Cópia autorizada do livro "Diário de um Médico", do otorrinolaringologista Adelmar Cadar.