O subgalato de bismuto é um composto de metal pesado, relativamente insolúvel, pobremente absorvível e de importância reconhecida desde o início de século, usado em feridas abertas, angina de Plaut-Vincent, sífilis e no controle do odor das colostomias. É agente de atividade adstringente, cujo uso como hemostático nas adenoamigdalectomias tem-se intensificado nos últimos trinta anos1.
Sua forma usual de aplicação resulta da adição de 13 mg do sal de subgalato de bismuto a 10 ml de solução salina 0,3% e 0,35ml de adrenalina 1:1000, misturados até consistência de "pasta" e aplicada generosamente nas gases utilizadas como "tamponamento" provisório da rinofaringe e das lojas amigdalianas, após a realização das adenoamigdalectomias.
O subgalato de bismuto tem efeito nos primeiros passos da via intrínseca da cascata de coagulação, reduzindo o tempo de tromboplastina parcial ativada de > 300 segundos para até 40,2 segundos, em experimentos in vitro com sangue total. Seu mecanismo na coagulação está relacionado à ativação do fator de Hageman (fator XII), sem, agir sobre o tempo de protrombina e trombina do plasma normal. A adição experimental do subgalato de bismuto ao plasma deficiente de fator VII, resultou em diminuição do tempo de coagulação, em contraposição a ineficácia, frente a deficiência de qualquer fator da via intrínseca1. A associação com adrenalina favorece a formação do coágulo por retração dos cotos vasculares e promoção da adesividade plaquetária3.
Na prática, o uso do subgalato de bismuto reduz o tempo cirúrgico, em média de 26,4%, o material utilizado na hemostasia como as gases, cauterizações e os fios de sutura3 (Tabela I) e da perda sangüínea, em 22%, após a retirada das amígdalas palatinas. No entanto, não altera a intensidade e a freqüência de eventos do pós-operatório, como a dor, náuseas, febre ou o tempo médio da reintrodução da alimentação4.
A literatura é pobre na descrição dos efeitos colaterais e tóxicos do uso do subgalato de bismuto. A opacidade radiológica na orofaringe é achado pouco freqüente, porém descrito no R-X de cavum solicitado no pós-operatório. A opacidade estende-se da nasofaringe ao leito tonsilar, diminuindo lentamente com o tempo. Sua importância está relacionada a possíveis diagnósticos diferenciais dessa região5.
Foi descrito em modelos com ratos, que as partículas de subgalato de bismuto podem causar o acometimento pulmonar, por aspiração através da cânula traqueal ou vazamentos ao redor do cuff, levando até a penumonite intersticial reativa, e à maior incidência de pneumonias bacterianas. Por isso é necessário alertar os cirurgiões para os riscos, e estimulá-los a manobras de prevenção da aspiração, de contenção e limpeza do excesso do composto utilizado6,7.
Na Austrália, o subgalato de bismuto é utilizado em altas doses (uma a três colheres de sopa, 3 vezes ao dia) em pacientes com colostomias, para diminuir o odor e aumentar a consistência das fezes. Após uso prolongado, algumas complicações já foram descritas: sintomas de "mal estar", lentidão, disestesia (progredindo para falta de memória) e comprometimento da coordenação motora. Todos estes sintomas foram reversíveis, quando a terapia foi interrompida.
Outros efeitos adversos do subgalato de bismuto foram distúrbios gastrointestinais, lesões irritativas das mucosas, dermatoses, insuficiência renal e agressão hepática; porém, nenhum efeito adverso ou tóxico foi descrito com o uso do subgalato de bismuto nas adenoamigdalectomias2.
O interesse prático da utilização do subgalato de bismuto nas adenoamigdalectomias deve-se, primariamente, às suas qualidades hemostáticas, além da redução no tempo de duração da cirurgia e perda sangüínea intra-operatória.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Thorisdottir, D.; Ratnof, O. D.; Maniglia, A. J. - Activation of Haemann factor (factor XII) by bismuth subgallate, a haemostatic agent. Journal of Laboratory and Clinical Medicine 112:481-186,1988.
2. Maniglia, A. J.; Kushner, H.; Cozzi, L. - Adenotonsillectomy: a safe outpatient procedure. Archives of Otolaryngology Head and Neck Surgery 115:92-94,1989.
3. Wormald, P. J.; Sellar, S. L. - Bismuth subgallate: a safe means to a faster adenotonsillectomy. The Journal of Laryngology and Otology 108:761-762,1994.
4. Callannan, V.; Curran, A. J.; Smyth, D. A.; Gormley, P. K. - The influence of bismuth subgallate and adrenaline paste upon operative time and operative blood loss in tonsillectomy. The Journal of Laryngology and Otology, 16:206-208,1995.
5. Tannous, W. N.; Azouz, E. M.; Tewfik, T. L. - Pitfall to avoid pharyngeal opacities caused by bismuth subgallate. Canadian Association of Radiologists Journal , 40(6):312,1989.
6. Cozzi, L. M.; Megeriam, C. A.; Dugue, C.; Barcelo, M.; Abdulkarim, F. W.; Arnold, J. E.; Maniglia, A. J. - Pulmonary sequelae of intraparenchymal bismuth subgallate. Laryngoscope, 102(6):597-599,1991.
7. Fenton, J. E.; Blayney, A. W.; O'Dwyer, T. P. - Bismuth subgallate - its role in tonsillectomy. The Journal of Laryngology and Otology, 109:203-205,1995
1- Mestre e Doutorando pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp.
2- Graduando da Faculdade de Ciências Médicas da PUC de Campinas / SP.
Endereço para correspondência: Dr. Cláudio Cidade Gomes, Clínica de ORL - Instituto Penido Burnier, Avenida Andrade Neves, 611 - Botafogo - CEP:13013-161 - Campinas / SP - Telefone: (019) 236-1027
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