INTRODUÇÃOA amiloidose é uma doença caracterizada pelo depósito extracelular de proteínas em várias regiões do corpo (1,2). Pode ser localizada ou sistêmica, adquirida ou hereditária (3). VIRCHOW foi o primeiro a usar o termo amiloidose por causa de sua reação tipo amiloide quando tratada com ácido sulfúrico. A doença laríngea localizada foi visualizada pela primeira vez por NEUMANN e BORROE em exames de cadáveres (2,4).
Dentre os tumores benignos da laringe, a amiloidose é responsável por apenas 1% dos casos. Contudo, é o sítio mais comum da doença amiloide localizada na região de cabeça e pescoço. O sintoma mais comum é a disfonia, podendo estar presente também à dispneia e a disfagia (4).
O exame histopatológico caracteriza-se pela coloração esverdeada birrefringente quando corado pelo vermelho congo.
O tratamento preconizado é a excisão cirúrgica da lesão, a partir de microlaringoscopia. A técnica utilizada pode ser com bisturi, laser de CO2 ou acesso lateral externo em lesões extensas (1,3,5).
O nosso objetivo é relatar a evolução de um paciente com amiloidose extensa em trato aéreo-digestivo superior, cuja ressecção foi realizada de forma escalonada em quatro etapas.
RELATO DO CASOSMS, 28 anos, foi encaminhado com queixa de disfonia com 4 meses de evolução. Negava dispneia ou disfagia. O paciente apresentava uma voz abafada e com pouca projeção. A fibronasofaringolaringoscopia evidenciou uma lesão expansiva de coloração amarelada no ligamento ariepiglótico e prega vestibular do lado direito, limitado à região supra-glótica (Figura 1). Na tomografia compu¬ta¬dorizada (TC) foi evidenciada uma lesão expansiva heterogênea com contornos irregulares, se estendendo para prega vestibular e ventrículo do lado direito (Figura 2). A biópsia corada pelo vermelho congo e exami¬nada à microscopia de polarização (birrefringência esverdeada) comprovou tratar-se de amiloidose laríngea. O paciente foi encaminhado para investigação clínica quanto à presença de amiloidose sistêmica com exames adequados como: hemograma, coagulograma, AST, ALT, fosfatase alcalina, bilirrubinas totais e frações, ureia, creatinina, ácido úrico, glicemia, cálcio sérico, proteínas totais e frações, proteína C reativa, VHS, provas reumatológicas, eletrocardiograma, radiografia de tórax e ultrassonografia abdominal e todos foram negativos.
Foi submetido à ressecção cirúrgica por microlaringoscopia. A técnica utilizada foi à ressecção escalonada em quatro etapas com bisturi elétrico para ressecção da lesão laríngea. Entre a primeira e a última etapa, o intervalo foi de cerca de 2 anos.
No primeiro procedimento foi realizada a ressecção da lesão localizada na prega ariepiglótica e a maior parte da lesão da prega vestibular direita, poupando a região posterior da laringe, com o objetivo de evitar estenose nesta região. A lesão residual da região posterior da laringe, localizada acima da aritenoide, foi ressecada no segundo procedimento. Na terceira etapa, retirou-se a lesão localizada no terço posterior da prega vestibular do lado direito.
Entre a terceira e a quarta intervenção, foi observada lesão na base da língua à esquerda (Figura 3), que foi ressecada no quarto procedimento, tendo como diagnóstico histopatológico amiloidose na base da língua. Portanto, esta lesão representou um segundo foco de amiloidose no trato aéreo-digestivo superior.
No quarto e último procedimento foi ressecado foco de amiloidose localizado no terço anterior da prega vestibular do lado direito (Figura 4), além da já descrita, lesão em base de língua. O paciente está sendo acompanhado com exames laringoscópicos periódicos, sem sintomas ou sinais de recidiva da doença (Figura 5).
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Figura 1. Telelaringoscopia aonde pode ser observada lesão localizada na região supra-glótica (prega ariepiglótica e prega vestibular) do lado direito e com obstrução de aproximadamente 60-70% do ádito laríngeo.
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Figura 2. Tomografia computadorizada da região cervical, supra-glote, aonde pode ser observada lesão com densidade de partes moles na prega ariepiglótica do lado direito (esquerda) ausência de lesão na região glótica (direita).
DISCUSSÃOA amiloidose é uma doença rara, caracterizada pelo depósito extracelular de proteínas e de etiologia ainda desconhecida. Bioquimicamente, pode apresentar-se de várias formas distintas, sendo as mais importantes a AL, AA e AB. O tipo AL é derivado de células plasmáticas que contém cadeias leves de imunoglobulina kappa e lambda, pode ser localizado ou sistêmico, e está associado ao mieloma múltiplo. O tipo AA é formado pelo amiloide sérico A, é uma amiloidose sistêmica, e está associado a doenças inflamatórias crônicas. O tipo AB é associado à doença de Alzheimer e casos familiares ocasionais (2).
O local preferencial para a amiloidose laríngea são as pregas ariepiglóticas e vestibulares, e o sintoma mais frequente é a disfonia (1,3,6). Raramente a amiloidose laríngea compõe manifestação da doença sistêmica, sendo, quase sempre, doença restrita à laringe (3,4). O paciente relatado apresentou-se inicialmente com queixa de disfonia e foi evidenciada uma lesão que atingia prega ariepiglótica, pregas vestibulares e ventrículo laríngeo do lado direito, sem comprometer as pregas vocais. A doença sistêmica foi excluída após investigação específica.
A lesão amiloide deve ser retirada cirurgicamente, e sempre que possível de maneira conservadora (1,2,3,5,6). Outros tratamentos como corticoesteroides, radioterapia e quimioterapia mostraram-se ineficazes (5). Para doença ampla ou com múltiplas recidivas, KENNEDY e PATEL usaram a técnica de acesso lateral externo, demonstrando bons resultados nos dois casos submetidos ao tratamento cirúrgico (4). Entretanto, a abordagem externa para ressecção de amiloidose laríngea extensa está relacionada à cicatriz cervical e a certo grau de morbidade (disfagia e disfonia). O paciente relatado foi abordado por microlaringoscopia, com a remoção da lesão sendo realizada com bisturi elétrico, em quatro etapas, visando evitar ressecções amplas e possível formação de sinéquias e estenose laríngea. O resultado foi satisfatório, pois o paciente apresentou completa remissão dos sintomas e a lesão foi completamente ressecada.
Enfatizamos que esta conduta é possível quando estamos diante de um paciente cooperativo, no qual temos segurança de que o seguimento será feito de maneira satisfatória.
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Figura 3. Telelaringoscopia aonde pode ser observada lesão localizada na base da língua, lado esquerdo, de coloração amarelada.
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Figura 4. Telelaringoscopia aonde pode ser observada lesão residual anterior, ressecada no último procedimento.
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Figura 5. Telelaringoscopia de controle após o quarto procedimento, sem sinais de lesão na região supra-glótica (prega ariepiglótica e prega vestibular).
COMENTÁRIOS FINAISA amiloidose é uma doença rara que o otorrinolaringologista deve pensar como diagnóstico diferencial nas lesões laríngeas. Quando diagnosticada, deve ser afastada a possibilidade de doença sistêmica associada. O tratamento cirúrgico de lesões extensas pode ser realizado a partir de microlaringoscopia em duas ou mais etapas. Este tipo de abordagem mostrou-se eficaz e segura no tratamento de um paciente com amiloidose localizada no trato aéreo-digestivo superior (região supraglótica e base de língua).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Dedo H, Izdebski K. Laryngeal amyloidosis in 10 patients. Laryngoscope. 2004, 114:1742-6.
2. Alaani A, Warfield AT, Pracy JP. Management of laryngeal amyloidosis. J Laryngol Otol. 2004, 118:279-83.
3. Penner C, Muller S. Head and neck amyloidosis: a clinicopathologic study of 15 cases. Oral Oncology. 2006, 42:421-9.
4. Kennedy TL, Patel NM. Surgical management of localized amyloidosis. Laryngoscope. 2000, 110:918-23.
5. Avitia S, Hamilton JS, Osborne RF. Surgical rehabilitation for primary laryngeal amyloidosis. Ear Nose Throat J. 2007, 86:206-8.
6. Thompson LDR, Deringer GA, Wenig BM. Amyloidosis of the larynx: a clinicopathologic study of 11 cases. Mod Pathol. 2000, 13:528-35.
1 Graduação. Médico Residente.
2 Otorrinolaringologista. Ex Médico Residente.
3 Doutor em Ciências pelo programa de Pós-graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP. Médico Assistente.
Instituição: Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM). São Paulo / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Thiago Chianca Ferreira - Rua Francisco José Longo, 210 - Apto. 72 - Chácara Inglesa - São Paulo / SP - Brasil - CEP: 04140-060 - Telefone: (+55 11) 7691-3738 - E-mail: thiagocferreira@yahoo.com.br
Artigo recebido em 12 de Maio de 2009. Artigo aprovado em 27 de Julho de 2009.