INTRODUÇÃOA perda auditiva induzida por ruído (PAIR) é uma perda auditiva neurossensorial, predominantemente coclear, de característica irreversível. Esta doença ocorre devido a uma história prolongada de exposição ao ruído de alta intensidade e tem evolução gradual e progressiva. A perda auditiva ocorre quando há uma impossibilidade de recepção do som por lesão das células ciliadas da cóclea e inicia-se em frequências altas, geralmente em 4000 Hz (quatro quilohertz). Cessada a exposição ao ruído, a perda auditiva tende a se estabilizar.
A PAIR atinge inicialmente frequências agudas, sendo que as primeiras dificuldades surgidas são de ouvir campainhas e toques de telefone. Posteriormente, com o avanço da doença, surgem as dificuldades em todas as frequências, por isso o diagnóstico muitas vezes é tardio.
Esta é a doença ocupacional de maior incidência e a maior causa evitável de perda auditiva no mundo, segundo LOPES FILHO e CAMPOS (1). Os controles auditivos periódicos de indivíduos expostos, bem como os níveis de intensidade sonora permitidos por 8 horas de exposição diárias ao ruído são no máximo de 85 decibels e estão bem regulamentados, conforme o anexo I das normas regulamentadoras números 7 e 15 da Legislação Trabalhista Brasileira, como está exemplificado na Tabela 1 (2,3).
Os odontologistas são profissionais da saúde expostos a diversos ruídos em seus consultórios, produzidos e emitidos por canetas de alta e baixa rotação, sugador, compressor, cuspideira, peça reta, fotopolimerizador, autoclave e ar condicionado, contudo são as primeiras as consideradas como tendo maior potencial lesivo à orelha humana. Em virtude disso, diferentes estudos têm analisado a relação entre a intensidade dos ruídos no consultório odontológico, a carga horária do profissional, o tempo de atividade profissional e a perda auditiva nesses profissionais (4). O que se constata na maioria deles é que, mesmo expostos a níveis de intensidade sonora menores que 85 decibels, mas com tempo de exercício de profissão superior a cinco anos, apresentam perdas auditivas (5,6).
Para prevenir o desencadeamento ou agravamento da perda auditiva ocupacional, deve ser realizado um controle audiológico anual através de no mínimo uma audiometria, além de proteção individual. Abaixo temos na Tabela 1 o Anexo I da Norma Regulamentadora número 15, que estabelece os limites de tolerância para ruído contínuo ou intermitente (3).
Os objetivos deste trabalho são: 1) medir intensidades de ruído em consultórios odontológicos públicos e privados, provenientes das canetas movidas por motor de alta rotação e o ruído basal ambiental, verificar se apresentam intensidades lesivas para a orelha humana; 2) comparar os resultados obtidos entre o serviço público e privado.
MÉTODOOs locais de medição foram consultórios odontológicos de Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou outros serviços públicos e consultórios particulares em Jundiaí, Estado de São Paulo, Brasil, nos quais o profissional, o auxiliar e o paciente estão expostos diariamente, após contato e concordância dos envolvidos. Protocolado no SISNEP, o trabalho obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição de Ensino sob número 314/2008. Foi realizada a medição da intensidade do ruído em quatro consultórios odontológicos do sistema público de saúde e em quatro consultórios particulares. Para a medição, foi utilizado um decibelímetro marca Minipa®, modelo MSL-1352C, procedência USA, configurado da seguinte forma: tempo de resposta lento (slow), que mediu o nível de ruído em decibels (dBNA), com escala de 30 a 130 dB, por um período de cinco minutos, a uma distância de vinte centímetros da caneta e do motor de alta rotação, das marcas Dabi Atlante®, Kavo®, e Micro Dente®, utilizadas pelos diferentes profissionais em seus consultórios. Foi medida inicialmente a intensidade do ruído ambiental em cada consultório, durante cinco minutos e a esse valor denominou-se Basal. Em seguida, foi feita a medição da intensidade do ruído emitido pelo equipamento citado, também por cinco minutos. Nestas duas situações, foi calculada a média em decibels da intensidade de ruído.
Não foi realizada análise estatística dos resultados, devido ao tipo de registro gráfico do decibelímetro utilizado e ao fato de que o objetivo principal do estudo foi o de determinar se as intensidades aferidas seriam lesivas para a orelha humana.
RESULTADOSConsultórios odontológicos do sistema público de saúde de Jundiaí (Gráfico 1):
1. Basal, com ruído ambiental (conversação): média de 56,4 dB. Motor de alta rotação (Dabi Atlante®, tempo de uso de quatro anos e meio, tempo de exposição de 3 horas diárias), média de 77,2 dB;
2. Basal, com ruído ambiental (conversação, ventilador, e consulta na cadeira ao lado): média de 61,7 dB. Motor de alta rotação (Dabi Atlante®, tempo de uso de quatro anos, tempo de exposição de 4 horas diárias), média de 73,7 dB;
3. Basal, com ruído ambiental (conversação): média de 67,1 dB. Motor de alta rotação (Kavo®, tempo de uso indefinido, tempo de exposição um terço da carga horária do profissional), média de 75,0 dB;
4. Basal, com ruído ambiental (rádio e ventilador): média de 63,6 dB. Motor de alta rotação (Kavo®, tempo de uso superior a um ano, tempo de exposição indefinido), média de 77,3 dB.
Consultórios odontológicos particulares de Jundiaí (Gráfico 2):
1. Basal, com ruído ambiental (conversação, sugador, som ambiente): média de 60,7 dB. Motor de alta rotação (Kavo®, tempo de uso de um ano, tempo de exposição de três horas diárias), média de 79,1 dB;
2. Basal, com ruído ambiental (conversação, sugador, som ambiente): média de 60,7 dB. Motor de alta rotação (Kavo®, tempo de uso de cinco anos, tempo de exposição de cinco horas diárias), média de 83,1 dB;
3. Basal, com ruído ambiental (Ar condicionado, sugador e conversação): média de 58,4 dB. Motor de alta rotação (Kavo®, tempo de uso de dois anos, tempo de exposição de três horas diárias), média de 75,5 dB;
4. Basal, com ruído ambiental (som ambiente, conversação, sugador): média de 63,0 dB. Motor de alta rotação (Micro Dente®, tempo de uso de cinco anos, tempo de exposição de três horas diárias), média de 76,0 dB.
DISCUSSÃO A preocupação com as perdas auditivas de origem ocupacional se deve ao fato de que essa é a doença ocupacional de maior incidência e a maior causa evitável de perda auditiva no mundo. Cessada a exposição ao ruído, tende a se estabilizar, sendo portanto a detecção da mesma a ação profilática mais efetiva. Ruídos emitidos por eletrodomésticos, que foram motivo de preocupação das autoridades no passado quanto à manutenção da saúde auditiva nos lares, restaurantes e demais locais onde são utilizados esses aparelhos, têm se reduzido com o aperfeiçoamento tecnológico (7). Assim também os antigos motores de alta rotação de uso odontológico apresentavam teto sonoro superior a 85 decibels e há muitos trabalhos na literatura comprovando perdas auditivas nesses profissionais, contudo os modernos, sob manutenção técnica periódica e adequadamente lubrificadas, apresentam nível de ruído inferior a 85 decibels, segundo SCULLY et al (5), achado coincidente com o que observamos nos equipamentos analisados. O Gráfico 1 mostra as intensidades médias em decibels de ruído basal e dos motores de alta rotação aferidos nos consultórios odontológicos do serviço público no município de Jundiaí -SP e o Gráfico 2 mostra os mesmos achados em consultórios odontológicos particulares no município de Jundiaí - SP, podendo-se observar que nenhum dos valores extrapola o limite de 85 dB. Mesmo que consideremos que os profissionais podem ter outros locais de atuação e estes achados correspondam a um único período de trabalho, o máximo preconizado pela Norma, que é de 85 dB, é considerado para 8 horas de exposição contínua. Tais achados nos animam, por estarem de acordo com a Legislação Brasileira. Esta confirmação nos tranquiliza sob o aspecto preventivo das perdas auditivas ocupacionais em profissionais da área odontológica, até alguns anos atrás motivo de grande preocupação dos profissionais da área de medicina preventiva (4). Quanto à somatória das médias de ruído basal e dos motores de alta rotação, os Gráficos 3 e 4 comparam os achados nos consultórios odontológicos de serviços particular e público no município de Jundiaí - SP, demonstrando que o ruído basal médio foi 2,4% maior no serviço público devido ao ruído ambiental elevado, enquanto o ruído médio dos motores de alta rotação foi 3,3% maior nos consultórios das clínicas privadas. Por esse motivo, devem ainda ser realizados esforços para que sejam abandonados e trocados todos os equipamentos odontológicos arcaicos.
Apesar de existirem trabalhos que sugerem perdas auditivas em dentistas expostos a ruídos inferiores a 85 dB, os ruídos emitidos pelos equipamentos aferidos neste trabalho estão dentro dos limites aceitos para não causar PAIR, conforme a Legislação Brasileira, possibilitando readequações profissionais quanto ao seu tempo de exposição.
Gráfico 1. Intensidades médias em decibels do ruído basal e dos motores de alta rotação aferidos em quatro consultórios odontológicos do serviço público em Jundiaí - SP.
Gráfico 2. Intensidades médias em decibels de ruído basal e dos motores de alta rotação aferidos em quatro consultórios odontológicos particulares em Jundiaí - SP.
Gráfico 3. Comparação entre a somatória das médias do ruído basal de consultórios odontológicos de serviços particular e público em Jundiaí -SP.
Gráfico 4. Comparação entre a somatória das médias de ruído dos motores de alta rotação de consultórios odontológicos de serviços particular e público em Jundiaí -SP.
CONCLUSÕES1. As intensidades de ruído aferidas, provenientes dos equipamentos utilizados nos consultórios odontológicos, tanto públicos quanto privados, encontram-se abaixo dos limites considerados nocivos à saúde auditiva.
2. No serviço público, a intensidade de ruído basal é superior à dos consultórios particulares, contudo a dos motores de alta rotação é maior nos consultórios particulares.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Lopes Filho O, Campos CAH. Tratado de Otorrinolaringologia. São Paulo, Roca, 1994. p.941.
2. www.mte.gov.br/legislação/normas_regulamentadoras/nr_07_.pdf
3. www.mte.gov.br/legislação/normas_regulamentadoras/nr_15_.pdf
4. Trucco RE. Traumatismo acústico del odontólogo. Rev Fed Odontol Colomb. 1985, 34(151):103-10.
5. Scully C. Occupational hazards to dental staff. Br Dent J. 1991, 171:237-44.
6. Ruschel CV, Ziembowicz LAB, Sleifer P, Mattos AP. Perda auditiva induzida pelo ruído em cirurgiões-dentistas. Rev Bras Odontol. 2005, 62(1,2):25-7.
7. Toledo RN et al. Medida do nível de ruído produzido por aparelhos eletrodomésticos. Acta Awho. 1999, 18(3):124-7.
1 Doutor em Medicina pela UNIFESP. Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí - SP.
2 Médica graduada na Faculdade de Medicina de Jundiaí - SP. Médica Residente de Otorrinolaringologia do CEMA-SP.
3 Médico graduado na Faculdade de Medicina de Jundiaí - SP. Médico Residente de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Jundiaí - SP.
4 Médico graduado na Faculdade de Medicina de Jundiaí - SP. Médico Residente de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí - SP.
Instituição: Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ). Jundiaí / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Edmir Américo Lourenço - Rua do Retiro, 424 - 5. andar. conjuntos 53 e 54 - Bairro: Anhangabaú - Jundiaí / SP - Brasil - CEP: 13209-000 - Telefone: (+55 11) 4521-1697 e 4521-3181. Celular: (+55 11) 8303-3871 - E-mail: edmirlourenco@ibest.com.br
Artigo recebido em 19 de Outubro de 2010. Artigo aprovado em 10 de Dezembro de 2010.