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Ano: 1999  Vol. 3   Num. 1  - Jan/Mar Print:
Case Report
Mucocele frontal bilateral: relato de caso
Bilateral Frontal Mucocele: Report of a Case.
Author(s):
1Patrícia Paula Santoro, 2Ítalo Roberto Torres de Medeiros, 3Elisama Queiroz, 4Tanit Ganz Sanchez, 5Richard Louis Voegels, 6Ossamu Butugan
Palavras-chave:
INTRODUÇÃO

Mucoceles são pseudocistos muco-secretores revestidos por epitélio respiratório pseudoestratificado que preenchem uma cavidade paranasal. Apesar de benigna, a mucocele apresenta tendência à expansão, erodindo paredes ósseas, destruindo e deslocando estruturas adjacentes1. Consequentemente, podem provocar complicações locais, orbitárias ou até intracranianas.

A maioria das mucoceles é diagnosticada em adultos e raramente observada em crianças2. São sintomas usualmente relatados: cefaléia, rinorréia, obstrução nasal, deformidade facial, entre outros. Geralmente relaciona-se a uma condição prévia como trauma, cirurgia ou lesão expansiva. O seio frontal é o sítio mais frequente da lesão (60-65%), seguido do etmoidal (20-30%), maxilar (10%) e esfenoidal (1%).

No presente trabalho relatamos caso atípico de desenvolvimento de duas mucoceles frontais independentes em um mesmo paciente.

RELATO DE CASO

Descrevemos caso de paciente do sexo masculino, branco, 42 anos, com queixa de abaulamento em região frontal associada a proptose em olho direito com evolução de 6 meses. Referia também: cefaléia frontal de pequena intensidade, rinorréia amarelada ocasional, secreção retro-faríngea, cacosmia, discreta diplopia e déficit de acuidade visual à direita. Contava história de acidente automobilístico há 13 anos, com trauma facial importante. Paciente possuía ainda antecedente de anemia hipocrômica / microcítica devido a gastrectomia parcial com reconstrução a Billroth II, realizada na ocasião do acidente automobilístico. Negava qualquer outra doença de base. Negava etilismo. Referia tabagismo (1 maço/dia por 25 anos).

Ao exame físico apresentava-se bastante descorado. Notava-se proptose à direita, com lateralização do globo ocular, desvio septal para a direita e secreção purulenta em fossa nasal direita. Motricidade ocular extrínseca e exame de fundo de olho apresentavam-se normais. Demais dados de exame físico referentes a orofaringoscopia e otoscopia apresentavam-se dentro da normalidade.

Realizou raio X de seios da face que mostrou alargamento e velamento dos seios frontais bilateralmente (Figura1). A tomografia computadorizada evidenciou seios frontais deformados, com erosão de suas paredes posteriores e extensão à fossa cerebral anterior, comprometendo as células etmoidais à esquerda, com erosão da fóvea etmoidal e da placa crivosa. Observava-se ainda erosão da lâmina papirácea direita, com deslocamento lateral e inferior das estruturas orbitárias. O quadro tomográfico foi compatível com mucocele frontal direita e fronto-etmoidal esquerda, com preservação do septo inter-sinusal, associada a velamento de ambos os seios maxilares (Figuras 2 e 3)

Paciente foi submetido a sinusectomias frontal e maxilar bilateral, via coronal e Caldwell-Luc respectivamente. Confirmada no intra-operatório a integridade do septo frontal inter-sinusal, falando a favor de desenvolvimento de duas mucoceles independentes no mesmo paciente. Observou-se ainda grande quantidade de secreção purulenta, fétida, preenchendo ambas as mucoceles. Os seios frontais foram comunicados cirurgicamente através do septo inter-sinusal, deixando-se dreno tubular locado em seio frontal esquerdo. Paciente evoluiu bem no pós-operatório, apesar de relatar dor e edema de face importantes. Recebeu clindamicina 2,4g/dia por 14 dias, administrado oralmente; associado à lavagem da cavidade nasal com soro fisiológico. Permaneceu em avaliação periódica em nosso ambulatório, apresentando resultado estético satisfatório e ausência de recidiva por 18 meses de acompanhamento (Figuras 4 e 5).

Após tal período iniciou novamente quadro de embaçamento visual à direita, sem outras queixas. Solicitada nova tomografia que mostrou recidiva de mucocele frontal bilateralmente (Figuras 6 e 7). Submetido a sinusectomia fronto-etmoidal endonasal bilateral. No intra-operatório foi evidenciado abaulamento em região fronto-etmoidal direita, sendo a mesma aberta e drenada, com saída de grande quantidade de secreção purulenta. Também aberta região de recesso frontal esquerdo, sem que se observasse drenagem de secreção purulenta. Ampliada a região do recesso frontal à direita. Paciente recebeu alta no primeiro dia pós-operatório, apresentando excelente evolução, sem queixas de dor ou edema. Encontra-se há 2 meses sendo acompanhado, sem qualquer evidência de recidiva. A telescopia de fossas nasais evidenciou recesso frontal pérvio à direita, com mucosa de aspeto normal.


Figura 1. RX de seios paranasais mostrando abaulamento e velamento de seios frontais bilateralmente.


Figura 2. CT de seios paranasais, corte coronal. Mucocele frontal bilateral.


Figura 3. CT de seios paranasais, corte axial. Septo frontal inter-sinusal íntegro.


Figura 4. CT de seios paranasais, corte coronal. Controle pós-operatório.


Figura 5. CT de seios paranasais, corte axial. Discreto edema mucoso pós-operatório.


Figura 6. CT de seios paranasais, corte coronal. Recidiva de mucocele frontal bilateralmente


Figura 7. CT de seios paranasais, corte axial. Recidiva bilateral, com seios frontais comunicados.


DISCUSSÃO

Mucoceles são estruturas delineadas por epitélio, contendo muco em seu interior e preenchendo totalmente uma cavidade paranasal. Podem se expandir através de erosão da estrutura óssea adjacente 3,4,5,6,7. São sequelas comuns de obstrução sinusal por rinossinusite crônica, hiperplasia mucosa ou polipose nasal8. Apesar de sua aparência benigna, as mucoceles apresentam comportamento agressivo, podendo expandir no tecido ósseo e provocar erosão do mesmo9. Alargamento gradual com isquemia, enzimas proteolíticas e mediadores enzimáticos resultam em destruição óssea, com expansão a estruturas adjacentes: outros seios, órbita, clivus, base do crânio ou intracraniana8.

A maioria das mucoceles é diagnosticada em adultos, podendo ocorrer em qualquer faixa etária. Não se observa predominância de sexo. São raramente observadas na população pediátrica, exceto em pacientes que apresentam fatores predisponentes para obstrução como trauma, cirurgia, lesão expansiva, sinusite crônica, alergia ou fibrose cística1,2,9.

A depender da sua localização, as mucoceles podem se manifestar através de deformidade facial, cefaléia, rinorréia purulenta, obstrução nasal, dor ocular, limitação da mobilidade extra-ocular, exoftalmo, proptose, estrabismo, diplopia, epífora, quemose, dacriocistite;1,2,3,10. Quando a mucocele se torna infectada denomina-se mucopiocele, podendo cursar com sinusite, celulite orbitária, eritema, febre e dor2,6. Em raros casos pode existir extensão intracraniana com meningite, abscesso subdural ou cerebral, pneumoencéfalo ou fístula liquórica2,8,9. No caso descrito o paciente apresentava erosão das paredes dos seios frontais e extensão à fossa cerebral anterior.

Vários fatores etiológicos podem levar à obstrução dos óstios de drenagem, incluindo inflamatórios (alergia, infecção crônica, estado inflamatório crônico, disfunção mucociliar), neoplásicos (osteoma, nasoangiofibroma juvenil, carcinoma), pós-operatórios (procedimento de Caldwell-Luc), pós-traumáticos (iatrogênicos, acidentes), geralmente com longa evolução10,11,12,13,14,15,16. O caso relatado é típico, sendo o diagnóstico de mucocele estabelecido 13 anos após trauma facial importante.

Na formação da verdadeira mucocele existe uma destruição óssea local, remodelação e expansão, sendo vários os mecanismos propostos na literatura6,7,8. O seio frontal é o sítio mais frequente de lesão (60-65%), seguido do seio etmoidal (20-30%), seio maxilar (10%) e seio esfenoidal (1%)9,11,17. Por vezes não se pode determinar o sítio primário da mucocele devido à progressiva osteólise das paredes ósseas adjacentes, com destruição de importantes parâmetros anatômicos, além de velamentos em outros seios por obstrução da drenagem dos mesmos11,18,19. Relato de dupla mucocele frontal em um mesmo paciente não foi encontrado na literatura pesquisada.

A anatomia dos seios paranasais é complexa e apresenta grande variação. Quando existe a formação de uma mucocele, a erosão óssea e consequente destruição de parâmetros anatômicos, torna difícil o entendimento da anatomia local. Consequentemente, faz-se necessário realizar uma avaliação radiológica precisa antes do planejamento cirúrgico. Mucoceles podem ser facilmente diagnosticadas através de tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM). A TC oferece informação bem detalhada sobre a estrutura óssea, através de cortes axiais e coronais14. Já a RM apresenta excelente contraste para partes moles; apesar de não oferecer muitos detalhes ósseos, é útil para descartar neoplasias como diagnóstico diferencial em casos de grandes mucoceles2,8.

Considerando o diagnóstico diferencial, pode-se citar inúmeras condições inflamatórias, congênitas, císticas e neoplásicas: meningocele, rabdomiossarcoma, hemangioma, neuroblastoma, schwannoma, condroma, condromixoma, adenoma hipofisário, cisto retrobulbar, entre outros2,14. Quando existe expansão e destruição, também é necessário considerar carcinoma adenóide cístico, plasmocitoma e tumores odontogênicos17. Confirmação diagnóstica se faz através de exame histopatológico, mostrando epitélio colunar pseudoestratificado com preservação das células globosas (globet cells) e áreas de hiperplasia e metaplasia. O osso adjacente mostra atividade osteoclástica e osteoblástica, o que fala a favor da teoria dinâmica de reabsorção e neoformação óssea2.

Tratamento cirúrgico deve ser recomendado em todos os casos identificados de mucocele8. Seu principal objetivo consiste na completa remoção da lesão e da mucosa sinusal, marsupializando a mesma para a cavidade nasal, prevenindo assim a recorrência2,14. Considerando técnica cirúrgica, procedimentos externos radicais costumavam ser o tratamento de escolha, com o inconveniente de serem procedimentos traumáticos, associados a relativa morbidade. Técnicas osteoplásticas associadas a procedimentos de Lynch são tradicionalmente recomendados para mucoceles frontais12. Já a sinusectomia frontal realizada através de abordagem coronal é um procedimento mais agressivo no tocante à incisão, podendo também ser associada à técnica osteoplástica, principalmente quando a abordagem via Lynch não é suficiente para abordar a parte superior da lesão. No paciente em questão, optou-se inicialmente por tal procedimento devido à extensão e bilateralidade da lesão. Tal técnica cirúrgica permitiu acessar amplamente os dois seios frontais, além de comunicá-los através da abertura do septo inter-sinusal.

Atualmente, abordagens endoscópicas mais conservadoras têm sido indicadas com bons resultados, excelente visibilidade, mínima morbidade, baixo risco de complicações, sem a necessidade de incisões externas3,7,8. A recidiva é rara, em geral ocorrendo quando existem condições associadas. No caso descrito, o paciente apresentou recidiva do quadro de mucocele frontal bilateral, fato também não encontrado na literatura pesquisada, sendo reabordado através da técnica endoscópica, com excelente evolução até o momento.

Aspecto importante, independentemente da técnica utilizada, é o cuidado pós-operatório, com auxílio de antibióticos, irrigações nasais e frequente limpeza da cavidade cirúrgica8.

CONCLUSÃO

Atentamos para a raridade do caso de ocorrência simultânea de duas mucocele frontais independentes em um mesmo paciente, assim como a recorrência do caso, também bilateralmente. Relato semelhante não foi encontrado na literatura pesquisada. O estudo tomográfico criterioso foi imprescindível na avaliação diagnóstica pré-operatória, permitindo planejamento cirúrgico mais adequado para a abordagem da doença.

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Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Dra. Patrícia Paula Santoro - Rua Mal. Hastimphilo de Moura, 338, Bl. C-5A 05641-900 São Paulo - SP - E-mail: p.santoro@mailcity.com

1- Doutoranda do curso de Pós-Graduação da FMUSP.
2- Doutorando do curso de Pós-Graduação da FMUSP.
3- Médica Residente.
4- Médica Assistente Doutora.
5- Médico Assistente.
6- Professor Associado.
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