Instado a escrever sobre questões genéricas para a revista @rquivos da Fundação Otorrinolaringologia, pareceu-me oportuno tratar de alguns aspectos da remuneração dos médicos do Estado, notoriamente iníqua, sobretudo nos hospitais universitários.
Não é justo que profissionais de tão elevado nível tenham remuneração avitada, se comparados a outros de outras carreiras a que nada ficam a dever em qualificação profissional, responsabilidade funcional ou relevância social do mister, atributos que deveriam embasar os critérios de retribuição pecuniária. Chocante é ver-se como o achatamento salarial ocorreu ao longo do tempo.
O Diário Oficial do Estado de 30/1/1963, página 33, traz a escala de vencimentos e salários da Lei 7717 de 23/1/63 e Resolução 334 de 16/1/63, onde se lê que o valor base da referência 53, inicial de médico, correspondia a 78,0625% da remuneração inicial da magistratura e carreiras a ela equiparadas. Também a carreira universitária tinha paralelismo remuneratório com a judicante. Hoje, os juízes preservam dignidade nos vencimentos e as outras carreiras mencionadas sofreram achatamento brutal, longe ainda de ter sido corrigido, mesmo com os avanços havidos no atual governo de São Paulo, que reconhece ainda serem baixos os salários dos médicos, como afirmado em reunião na APM, em 15/9/98, durante a campanha eleitoral. É de justiça ressaltar que o atual governador foi o único candidato a comparecer à sede da APM para discutir democraticamente com os médicos questões de saúde pública, embora três outros também tenham sido convidados.
Para aposentados e pensionistas, a situação ficou ainda mais dramática com a não incorporação de várias gratificações e, portanto, com a sua exclusão ao passar-se para a inatividade, como estabeleceu a LC 674 de 8/4/92, aprovada em gestão anterior, sendo seu líder na Assembléia o médico Dr. Uebe Rezeck, então deputado estadual e, hoje, prefeito de Barretos. A LC 803/95, trouxe algum acréscimo ao valor da aposentadoria, lamentavelmente não estendido aos pensionistas por aparente omissão de departamentos de recursos humanos, conforme se depreende da VG 2201/98 da Secretaria da Administração e Modernização do Serviço Público, solicitada a pronunciar-se pelo Sr. Vice-Governador e médico Dr. Geraldo Alckmin, pessoa preparada para o diálogo construtivo, disposta a ouvir e entender o justo e razoável.
Para exemplificar as condições dos hospitais universitários de um modo geral, utilizarei, pela simples facilidade, exemplos do Hospital das Clínicas. Médico do Estado, aposentado do HCFMUSP, recebia ao final do governo Fleury, R$ 197,33 bruto (documento anexo). Já o mesmo Dr. Fleury, apenas para exemplificar a clamorosa injustiça, aposentou-se, no início de 1995, como funcionário do Estado, com R$ 8.800,00 líquido, conforme suas próprias declarações (O Estado de São Paulo, 22/3/1998, página A15, Fleury pede assistência judiciária gratuita). Isso dá, bruto, R$ 13.085,27, se somados os descontos obrigatoriamente havidos de IRFP, IPESP e IAMSPE, no mínimo ou 66,3 vezes mais que a aposentadoria do médico. A eloqüência dos números dispensa comentários, mesmo que se façam ajustes por diferenças funcionais.
Os aposentados de jornadas de 30 e 40 horas semanais tiveram um tratamento desigual e desfavorável e pensionistas continuam recebendo R$ 144,70, bruto, herança do governo Fleury, conforme contracheques anexos. A eloqüência dos números dispensa comentários e torna-se mais agressiva quando se olha o Diário Oficial do Estado de 30/1/63. O médico em início de carreira tinha, àquela época, salário base correspondente a 78,0625% do iniciante na magistratura ou carreiras assemelhadas (documentos anexos). Hoje essa razão de valores está substancialmente deteriorada em detrimento do médico. Os exemplos poderiam multiplicar-se, mas, por brevidade, vou parar nesse, que é emblemático. Ademais, esse é um tema que nós médicos, conhecemos bem mais que o cidadão comum. Não se pode conviver com as privações impostas a muitos para financiar as benesses concedidas a uns poucos!
As jornadas de 20 horas tiveram os seus proventos dobrados com a LC 840/97, enquanto os aposentados com jornadas de 40 horas foram injustiçados e não tiveram nenhum aumento, igualando-se àqueles. Ademais, quem tenha se aposentado em dois empregos de 20 horas, perfazendo as mesmas 40 horas semanais, está hoje recebendo o dobro do seu colega de 40 horas, que trabalhava em um só emprego. A distorção é chocante. Mutatis mutandis, os de 30 horas também foram prejudicados, dado que não dobraram os seus proventos. Para eles não vale o argumento da redução da carga horária, posto que inativos. O direito adquirido foi atropelado e para os da ativa, já com tempo para aposentar-se ou não, quebrou-se uma legítima expectativa de direito.
"Com ou sem a CPMF, a saúde pública vai continuar um atentado aos direitos humanos. E não apenas dos doentes, que morrem na calçada e na hemodiálise. Também dos profissionais. Não tendo salário digno, eles não mais contam com mínimas condições de trabalho" (o grifo é meu). ..."Até mesmo os hospitais privados, que estavam contratados pela Saúde Pública, já abandonaram o SUS falido e caloteiro, que teima em remunerar os médicos com R$ 2,00 a consulta. E os hospitais, com R$ 4,65 a diária de internação. Alguém se indignou com isso?" (Joelmir Beting, Excesso de fantasia, O Estado de São Paulo, 14/7/1996, página B2).
Esta é, "provavelmente, a maior promissória da nossa impagável dívida social". É a grande fraude que se pratica no Sistema, o "estelionato orçamentário praticado contra médicos e hospitais pela Previdência Social" (Joelmir Beting, Uma raça em extinção in: O Estado de São Paulo, 14/6/1991, página 5 do caderno de Economia), vitimando os doentes e prestadores de serviço, impossibilitados de recusar atendimento, ainda que gravoso, pelas imposições da lei e do código deontológico. E que a mídia comercial não parece ter interesse em enfatizar e nem faz parte dos arroubos de indignação teatral de alguns políticos da área federal, que usam os desvios praticados por uns poucos prestadores de serviço, como cortina de fumaça para tentar ocultar as suas irresponsáveis atuações em relação à saúde (dos outros), jejum de recursos, que são canalizados para o sorvedouro, rosca sem fim, do pagamento de juros pornográficos sobre uma dívida estratosfericamente alavancada. Estas são as divergências incontornáveis entre os médicos, que priorizam a vida ( a dos outros também) e os burocratas de plantão, que, a qualquer custo (inclusive a vida alheia), preservam a moeda.
Os economistas, que cuidam da macroeconomia, convivem com a riqueza e com o poder econômico e financeiro, têm dificuldade para entender os problemas da pobreza. Os médicos, que desde os bancos acadêmicos, convivem com pacientes pobres e sentem o drama que eles enfrentam quando doentes, revoltam-se com a injustiça que vêem se perpetuando e têm enorme dificuldade em aceitar as limitações que a área econômica lhes impõe.
É difícil aceitar que se emitam títulos para pagar em dia os juros dos empréstimos, ampliando o endividamento da Nação e enriquecendo ainda mais o sistema financeiro, e, ao mesmo tempo, se atrase por oito meses o reajuste de 25% para hospitais que tratam os pobres." (Adib D. Jatene, Eles não tinham razão, in: O Estado de São Paulo, 7/3/97, página A2).
Não obstante os avanços havidos, ainda há muito por fazer para dar um atendimento mais abrangente e de melhor qualidade aos que dependem estritamente do serviço público nas suas demandas sociais básicas e remuneração digna aos médicos. A tabela e o gráfico mostram o percentual do orçamento total do Estado gasto com saúde, anualmente, no período de 1990 a 1999, sendo os dados dos 2 últimos anos os previstos nos respectivos orçamentos.
O percentual médio anual de gastos com saúde, em gestões anteriores ao governo atual (período de 5 anos), foi 9,252% com desvio padrão 1,6026 e, no governo atual, essa média caiu para 6,342% com desvio padrão 0,8669, o que representa queda significativa, embora parte dos dados sejam previsões passíveis de melhoria, o que é possível, desejável e necessário. Ademais, a maior dispersão em torno da média havida em governos anteriores, mostra pelo desvio padrão, deve-se ao maior aporte de recursos de 1990 e 1994, coincidentemente anos de eleições para governador do Estado, evidência inequívoca de abominável uso eleiçoeiro da saúde pública. Há que se dizer, entretanto, que mesmo excluídos os anos de pico eleitoreiro (1990 e 1994), a média de 1991, 1992 e 1993 foi 8,203% com desvio padrão 0,9929, ainda significativamente maior que no governo atual.Argumenta o prof. Guedes, ilustre Secretário da Saúde, que os serviços puderam ser mantidos, mesmo com recursos reduzidos, graças à administração austera e proba, o que é verossímil. Todavia, não o é menos, dizer-se que este é um setor cronicamente sacrificado e que com o percentual médio anterior teria sido propiciado um melhor e mais rápido atendimento aos mais pobres e permitido fazer justiça salarial aos servidores da Saúde, sobretudo se distribuído mais homogeneamente ao longo do tempo, já que as doenças não são programadas seguindo o calendário eleitoral e, neste aspecto, o governo atual deu um exemplo dignificador, como o atestam os números anteriormente mencionados.É um pouco de cada um de nós a responsabilidade de reverter esse quadro, mesmo pouco afeitos que somos ao manejo do contraditório, que não é próprio da nossa atividade, o que já nos custou o deslocamento das cadeiras básicas da nossa Escola para a cidade universitária, com notório prejuízo para a pesquisa e o ensino, enquanto a Faculdade de Direito preservou-se intacta, o que é admirável e digno de encômios. Façamos a mea culpa e reconheçamos que não pudemos materializar em resultados concretos a nossa indignação contra esse vandalismo cultural praticado contra uma instituição que figura entre o que temos de melhor, não obstante os esforços de muitos, o professor Carlos da Silva Lacaz à frente. Vamos juntar agora os nossos esforços para que as indignidades descritas nunca mais se repitam, até como uma homenagem aos que, na Casa de Arnaldo, foram nossos Mestres e nos legaram exemplos magníficos de dedicação ao trabalho, de probidade científica, de excelência intelectual e de grandeza moral.
Esta é, "provavelmente, a maior promissória da nossa impagável dívida social". É a grande fraude que se pratica no Sistema, o "estelionato orçamentário praticado contra médicos e hospitais pela Previdência Social" (Joelmir Beting, Uma raça em extinção in: O Estado de São Paulo, 14/6/1991, página 5 do caderno de Economia), vitimando os doentes e prestadores de serviço, impossibilitados de recusar atendimento, ainda que gravoso, pelas imposições da lei e do código deontológico. E que a mídia comercial não parece ter interesse em enfatizar e nem faz parte dos arroubos de indignação teatral de alguns políticos da área federal, que usam os desvios praticados por uns poucos prestadores de serviço, como cortina de fumaça para tentar ocultar as suas irresponsáveis atuações em relação à saúde (dos outros), jejum de recursos, que são canalizados para o sorvedouro, rosca sem fim, do pagamento de juros pornográficos sobre uma dívida estratosfericamente alavancada. Estas são as divergências incontornáveis entre os médicos, que priorizam a vida ( a dos outros também) e os burocratas de plantão, que, a qualquer custo (inclusive a vida alheia), preservam a moeda.
Os economistas, que cuidam da macroeconomia, convivem com a riqueza e com o poder econômico e financeiro, têm dificuldade para entender os problemas da pobreza. Os médicos, que desde os bancos acadêmicos, convivem com pacientes pobres e sentem o drama que eles enfrentam quando doentes, revoltam-se com a injustiça que vêem se perpetuando e têm enorme dificuldade em aceitar as limitações que a área econômica lhes impõe.
É difícil aceitar que se emitam títulos para pagar em dia os juros dos empréstimos, ampliando o endividamento da Nação e enriquecendo ainda mais o sistema financeiro, e, ao mesmo tempo, se atrase por oito meses o reajuste de 25% para hospitais que tratam os pobres." (Adib D. Jatene, Eles não tinham razão, in: O Estado de São Paulo, 7/3/97, página A2).
Não obstante os avanços havidos, ainda há muito por fazer para dar um atendimento mais abrangente e de melhor qualidade aos que dependem estritamente do serviço público nas suas demandas sociais básicas e remuneração digna aos médicos. A tabela e o gráfico mostram o percentual do orçamento total do Estado gasto com saúde, anualmente, no período de 1990 a 1999, sendo os dados dos 2 últimos anos os previstos nos respectivos orçamentos.
O percentual médio anual de gastos com saúde, em gestões anteriores ao governo atual (período de 5 anos), foi 9,252% com desvio padrão 1,6026 e, no governo atual, essa média caiu para 6,342% com desvio padrão 0,8669, o que representa queda significativa, embora parte dos dados sejam previsões passíveis de melhoria, o que é possível, desejável e necessário. Ademais, a maior dispersão em torno da média havida em governos anteriores, mostra pelo desvio padrão, deve-se ao maior aporte de recursos de 1990 e 1994, coincidentemente anos de eleições para governador do Estado, evidência inequívoca de abominável uso eleiçoeiro da saúde pública. Há que se dizer, entretanto, que mesmo excluídos os anos de pico eleitoreiro (1990 e 1994), a média de 1991, 1992 e 1993 foi 8,203% com desvio padrão 0,9929, ainda significativamente maior que no governo atual.
Argumenta o prof. Guedes, ilustre Secretário da Saúde, que os serviços puderam ser mantidos, mesmo com recursos reduzidos, graças à administração austera e proba, o que é verossímil. Todavia, não o é menos, dizer-se que este é um setor cronicamente sacrificado e que com o percentual médio anterior teria sido propiciado um melhor e mais rápido atendimento aos mais pobres e permitido fazer justiça salarial aos servidores da Saúde, sobretudo se distribuído mais homogeneamente ao longo do tempo, já que as doenças não são programadas seguindo o calendário eleitoral e, neste aspecto, o governo atual deu um exemplo dignificador, como o atestam os números anteriormente mencionados.
É um pouco de cada um de nós a responsabilidade de reverter esse quadro, mesmo pouco afeitos que somos ao manejo do contraditório, que não é próprio da nossa atividade, o que já nos custou o deslocamento das cadeiras básicas da nossa Escola para a cidade universitária, com notório prejuízo para a pesquisa e o ensino, enquanto a Faculdade de Direito preservou-se intacta, o que é admirável e digno de encômios. Façamos a mea culpa e reconheçamos que não pudemos materializar em resultados concretos a nossa indignação contra esse vandalismo cultural praticado contra uma instituição que figura entre o que temos de melhor, não obstante os esforços de muitos, o professor Carlos da Silva Lacaz à frente. Vamos juntar agora os nossos esforços para que as indignidades descritas nunca mais se repitam, até como uma homenagem aos que, na Casa de Arnaldo, foram nossos Mestres e nos legaram exemplos magníficos de dedicação ao trabalho, de probidade científica, de excelência intelectual e de grandeza moral.
1- Médico Assistente Doutor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do HC-FMUSP.