INTRODUÇÃO
Os osteomas são tumores ósseos benignos. Histologicamente podem ser compactos (constituídos por lamelas ósseas dispostas em camadas paralelas), esponjosos (com espaços medulares largos e sem canais de Havers) ou mistos, associando as duas formas anteriores, sendo este último o de maior freqüência.
Osteomas do osso temporal são mais freqüentemente encontrados na sua porção escamosa e mastóide, segundo extensa revisão realizada por Denia et al.7, sendo raros no meato acústico interno (MAI). São usualmente assintomáticos, representando achados radiológicos acidentais1,6 . Ocasionalmente, porém, são sintomáticos, sintomas estes derivados da compressão do VIII par, como surdez, vertigem e zumbido.
O objetivo deste estudo é descrever um caso de osteoma de MAI apresentando hipoacusia súbita e zumbido, além de apresentar uma revisão bibliográfica sobre o assunto.
RELATO DO CASO
J.A.R.O., sexo feminino, 49 anos, apresentou-se no ambulatório de otorrinolaringologia do hospital das clínicas da faculdade de medicina da universidade de São Paulo, com história de diminuição súbita da audição à direita associada a zumbido em apito há 3 anos, negando a presença de vertigem.
A paciente, que até então era hígida, não apresentava fatores desencadeantes para tais sintomas, como ingestão de drogas, infecções virais recentes, otalgia, otorréia ou exposição a ruído. Não havia história familiar ou antecedentes pessoais significativos.
Ao exame físico, a otoscopia apresentava-se normal. Os testes de diapasão eram compatíveis com uma perda neurossensorial à direita. Os demais pares cranianos estavam normais.
Os exames laboratoriais que incluíram hemograma completo, uréia, creatinina, eletrólitos, glicemia, função tireoidiana, colesterol e sorologia para sífilis, foram normais.
À audiometria (Figura 1) evidenciava-se uma perda neurossensorial severa à direita em todas as frequências, mais acentuadamente em 6000Hz, sendo normal à esquerda. O SRT foi de 65dB à direita e a discriminação, de 60% a 100dB. A audiometria das respostas evocadas do tronco cerebral mostrou alargamento do intervalo I-V no lado D. A tomografia computadorizada de ossos temporais (Figura 2) evidenciou uma lesão com densidade óssea na entrada do MAI à D, junto ao ângulo ponto cerebelar, ocupando aproximadamente 50% de seu diâmetro. Solicitada ressonância nuclear magnética (Figura 3) que evidenciou uma diminuição da abertura do MAI à direita.

Figura 1. Audiometria com disacusia neurossensorial à direita.

Figura 2. Tomografia computadorizada com lesão de densidade óssea em MAI à D.

Figura 3. Ressonância magnética de ouvido com diminuição da abertura do MAI à D.
DISCUSSÃO
A maioria dos casos de surdez súbita neurossensorial são atribuídos a causas idiopáticas, vasculares ou virais. A investigação requer exames laboratoriais, avaliação audiométrica e exames de imagem do meato acústico interno, podendo-se seguir com a ressonância nuclear magnética, se necessário2.
A estenose óssea do meato acústico interno é uma rara afecção, podendo ser de origem congênita ou adquirida. Assim, podemos citar como causas de estenose de MAI as malformações congênitas, a otosclerose extensa, patologias ósseas generalizadas, hiperostose craniana, a doença de Paget, a síndrome de Camurati-Engelmann, a turricefalia, osteopetrose, hipofosfatemia, displasia fibrosa, célula pneumatizada em ápice petroso, além da deficiência de vitamina A em experimentos animais e os tumores ósseos benignos: exostose e osteoma4.
O relato mais antigo de osteoma de MAI foi descrito por Moos e Steinbrugge em 1882 em um cadáver do sexo feminino.
Osteomas e exostoses são diferenciados segundo os critérios de Graham8, considerando exostoses como massas bilaterais, múltiplas e de base alargada e osteomas como unilaterais, isolados e pedunculados. Microscopicamente, são constituídos por lamelas ósseas com poucos osteócitos e rico em canais fibrovasculares, enquanto as exostoses camadas paralelas e concêntricas de subperióstio rico em osteócitos e sem canais fibrovasculares. No entanto, Coakley3 afirma que esta diferenciação entre osteoma e exostose não ocorreria em MAI, onde exostose clinicamente não existiriam.
A etiologia destas lesões é desconhecida, porém trauma, infecções e hereditariedade são possíveis causadores. São mais prevalentes em mulheres e raros antes da puberdade7 (Tabela 1), provavelmente devido à participação hormonal em sua gênese. A idade média é de 41 anos e são 2,6 vezes mais freqüentes em mulheres que em homens. Clerico4 descreve um caso onde associou o batimento da artéria cerebelar ântero-inferior com osteoma de MAI, onde ocorreria um trauma constante contra a parede posterior do MAI originando uma osteíte ossificante que terminaria com a formação do osteoma.
Osteomas de MAI são infreqüentes e pouco sintomáticos. Pelo MAI passam estruturas como o nervo facial, coclear, vestibulares superior e inferior e a artéria labiríntica, porém nenhum caso com sintomatologia de sétimo par craniano foi ainda relatado3 .
Entre os 7 casos de osteoma de MAI com sintomatologia única há predomínio de perda auditiva em 5 deles, sendo 2 progressivas e 3 súbitas; 1 caso manifestou-se com vertigem isolada e 1 paciente com zumbido apenas. A perda auditiva é o sintoma mais comum: nos 12 pacientes revisados, 9 apresentavam perda auditiva, sendo súbita em 3 deles, 7 com vertigem, e 7 com zumbido.
Clerico et al.4 descreveram um caso com sintomas de vertigem incapacitante, zumbido e perda auditiva, onde após brocagem da lesão e secção do nervo vestibular, obtiveram melhora apenas da vertigem.
Ramsay e Brackmann1 descrevem um caso com a mesma sintomatologia e com melhora de todos os sintomas após cirurgia, sendo o único caso descrito com cura da perda auditiva, Doan e Powell11 descrevem um caso de osteoma de MAI com perda auditiva corrigida por cirurgia sem comprovação audiométrica.
Clerico e Roberto4,13 descreveram casos nos quais os pacientes apresentavam, além da vertigem e zumbido, perda auditiva, sintoma este não corrigido por cirurgia.
Outros autores 3,5 descrevem que após a descompressão do VIII par, obtiveram melhora dos sintomas de zumbido e vertigem, únicos sintomas presentes antes da cirurgia.
Assim, dos 6 casos submetidos à cirurgia, todos os 5 que apresentavam vertigem no pré-operatório tiveram regressão deste sintoma com a cirurgia. Em nenhum dos casos a surdez súbita foi indicação cirúrgica
Em nosso caso, a manifestação clínica do osteoma foi de surdez súbita unilateral há 3 anos e zumbido. A surdez súbita já foi descrita por outros autores 2,9 como sintoma de osteoma de MAI, e por ser um tumor de acesso difícil, a cirurgia ter risco de paralisia facial, a disacusia ser em geral definitiva e ser um tumor benigno de crescimento lento, optou-se pelo tratamento conservador, não afastando o tratamento cirúrgico da lesão caso sintomas de paralisia facial e vertigem intratável clinicamente fossem constatadas.
Vale lembrar que a ressonância nuclear magnética é o exame de escolha na suspeita de tumores retrococleares, porém, devido à sua incapacidade de fornecer detalhes sobre as estrututras ósseas, poderá fornecer resultados negativos na detecção de osteoma de MAI, como descrito por alguns autores3,4,5,9. Assim sendo, a tomografia computadorizada permanece como exame de escolha na detecção de lesões ósseas do osso temporal.
As cirurgias propostas são a remoção do osteoma, a remoção do tumor com neurectomia vestibular ou apenas a neurectomia vestibular.
Neste caso, por apresentar somente surdez súbita e zumbido não é, em nossa opinião, indicação para cirurgia devido à natureza benigna da lesão, aos riscos cirúrgicos de paralisia facial, sendo acompanhado periodicamente tanto clínica quanto radiologicamente. Caso o paciente apresente vertigem intratável ou paralisia facial periférica a cirurgia de descompressão de MAI deve ser realizada.
CONCLUSÃO
Apresentamos um caso de osteoma do meato acústico interno manifestando-se com surdez súbita e zumbido, o que nos faz incluir esta patologia no diagnóstico diferencial da surdez súbita
REFERÊNCIAS
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3. Coakley, D. J., Turner, J., Fagan, P. A.- Osteoma of the internal auditory canal: case report. The Journal of Laryngology and Otology, 110: 158-160, 1996.
4. Clerico, D. M., Fontonella, S., Jahn, A. F.- Osteoma of the internal auditory canal. Case report and literature review. Annals of Otology, Rhinology, Laryngology, 103: 619-623, 1994.
5. Estrem, S. A., Vessely, M. B., Oro, J. J.- Osteoma of the internal auditory canal. Otolaryngology, Head and Neck Surgery, 108: 293-297, 1993.
6. Beale, D. J., Phelps, P.D.- Osteomas of the temporal bone: a report of three cases. Clinical radiology, 38: 67-69, 1987.
7. Denia, A., Perez, F., Canalis, R. R., Graham, M. D. - Extracanalicular osteomas of the temporal bone. Archives of Otolaryngology, 105: 706-709, 1979.
8. Graham, M. D. - Osteomas and exostoses of the external auditory canal. A clinical, histopathologic and scanning electron microscopic study. Annals of Otology, Rhinology, Laryngology, 88: 566-572, 1979.
9. Boedts, M., Hermans, R., Feenstra, L.- Osteomas of the internal auditory canal. Acta oto-rhino-laryngologica belga, 51: 191-193, 1997.
10. Smelt, G. J. C.- Exostoses of the internal auditory canal. The Journal of Laryngology and Otology, 98: 347-350, 1984.
11. Doan, H. T.- Exostoses of the internal auditory canal. The Journal of Laryngology and Otology, 102: 173-175, 1988.
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13. Roberto, M., Ettorre G. C., Iurato, S.- Stenosis of the internal auditory canal. The Journal of Laryngology and Otology, 93: 1211-1216, 1979.
14. Valenzuela, A. T.- Osteoma del conducto acústico interno. Presentación de un caso y revisión de la bibliografía. Gaceta Médica Mexicana, 134: 355-357, 1998.
15. Wright, A.; Corbridge, R.; Bradford, R. – Osteoma of the internal auditory canal. British Journal of Neurosurgery, 10 (5): 503-506, 1996.
Endereço para correspondência: Rafael Burihan Cahali, Rua Macau, 232 - Ibirapuera - CEP 04032-020 São Paulo - SP -Telefone: (011) 570-1299.Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP - Serviço do professor Aroldo Miniti.
1- Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
2- Doutorando do Curso de Pós Graduação da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
3- Assistente Doutora da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
4- Professor Assistente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.