INTRODUÇÃO O trauma do osso temporal é frequentemente associado com traumatismo crânio-encefálico severo. Aproximadamente 4% dos pacientes com traumatismo craniano apresentam fratura, e 14-22% destes pacientes com fratura de osso temporal (1-2-3) .As três causas mais frequentes são acidentes com veículos e motocicletas 45%, quedas 31%, e assaltos 11% (1-6-9-10). As complicações da fratura de osso temporal como perda auditiva, paralisia facial e otoliquorreia são avaliadas pelo otorrinolaringologista durante a hospitalização, o atendimento imediato é realizado na emergência pela equipe de trauma e neurocirurgia (1-2-3-5).
O diagnóstico precoce é importante para tratamento das complicações, a porção petrosa do osso temporal contém as estruturas da orelha média, interna, o sétimo e oitavo pares cranianos, as quais são vulneráveis ao trauma quando ocorre a fratura do osso. O soalho da fossa média superior a região da orelha média e mastoide, o tegmen timpânico, é um osso delgado, e seu rompimento pode produzir uma fístula na dura, com extravasamento de líquor cefaloraquidiano para a orelha, com otorreia e rinorreia via tuba auditiva, se a membrana timpânica está intacta (3-5-6 ). Algumas das maiores complicações associadas à fratura de osso temporal são perda auditiva neurossensorial e condutiva, isquemia cerebral e paralisia facial, menos comum paralisia de abducente e trigêmio, e trombose de seio sigmoide.
Os sinais clínicos do trauma de osso temporal incluem: fratura ao longo do teto do canal auditivo externo, ruptura de membrana timpânica com otorreia e otorragia, hemotímpano, fístula liquórica, perda auditiva, paralisia facial, sinal de Battle (hematoma na ponta da mastoide). As fraturas de osso temporal ocorrem em traumas com força aproximada de 1,875 lb, e frequentemente são pacientes com politraumatismo.
Na avaliação destes pacientes na emergência é realizada tomografia computadorizada (TC) de crânio, a ausência de traço de fratura não exclui a mesma em pacientes com sinais clínicos de fratura de osso temporal, e devem ser investigados com otoscopia, avaliação funcio¬nal do sétimo e oitavo par e TC ossos temporais (3-8-10). Os sinais radiológicos na TC crânio de velamento das células da mastoide, ou orelha média, pneumoencéfalo próximo à área temporal, ar na cavidade glenóidea são sugestivos de fratura de osso temporal, que poderá ser confirmada com TC ossos temporais de alta resolução (3-4-5-9). Com a TC de ossos temporais de alta resolução há melhor definição da linha de fratura e extensão, ou visualização quando está oculta como em casos de opacificação das células da mastoide ou pneumoencéfalo, avaliação do comprometimento de ossículos e canal carotídeo (2-7-8).
As fraturas de osso temporal são classificadas quando paralela à pirâmide petrosa em longitudinal, e transversa se perpendicular. Embora a avaliação clínica seja mais importante na classificação das fraturas do que os traços radiológicos. Uma nova classificação baseia-se no comprometimento ou não da cápsula ótica, sendo importantes estas informações para o prognóstico destes pacientes. A força do trauma deve ser intensa para atingir a cápsula ótica, e resulta em sequelas sérias como perda auditiva neurossensorial, paralisia facial incluindo complicações intracranianas. Os pacientes com traumatismo de crânio devem ser submetidos à avaliação otorrinolaringológica clínica, funcional e de imagem, é importante a integração das equipes de emergência, neurocirurgiões e radiologistas para diagnóstico precoce e tratamento das complicações (4-9).
O objetivo do estudo é avaliar pacientes com traumatismo crânio-encefálico que apresentaram evidencia clínica e/ou radiológica de fratura de osso temporal.
MÉTODOEstudo retrospectivo de pacientes internados por traumatismo cranio-encefálico (TCE) de janeiro de 2007 a janeiro de 2010. Foi realizado o levantamento de prontuários de 1997 pacientes internados com diagnóstico de TCE, destes 442 (22%) apresentaram TCE severo, com 67 óbitos (15 %) e 59 (13%) com sinais clínicos sugestivo de traumatismo de osso temporal. Dos 59 (13%) pacientes, 28 (47%) apresentaram os critérios de inclusão do estudo.
Os critérios de inclusão: pacientes internados por traumatismo crânio-encefálico que apresentaram evidência clínica e/ou radiológica (TC de crânio) de fratura de osso temporal submetidos à avaliação otorrinolaringológica e TC de ossos temporais. Os critérios de exclusão: pacientes com traumatismo crânio-encefálico que não foram submetidos à TC de ossos temporais devido à gravidade do trauma, sem condições clínicas para o exame. Foram analisados nos 28 pacientes, os sinais clínicos mais frequentes, a faixa etária, a etiologia do trauma e os achados à TC de crânio e ossos temporais.
Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos número 26/2010.
RESULTADOSNos 28 pacientes do estudo foi solicitada avaliação otorrinolaringológica por apresentarem sinais clínicos de traumatismo do osso temporal. Sendo 20 do sexo masculino e 8 feminino, a faixa etária variou 3 a 75 anos (14±19, média ± DP), prevalente entre 21-30 anos (28%) Tabela 1. O lado mais afetado foi o direito 50% (n=14), esquerdo 36% (n=10) e bilateral 14% (n=4). A etiologia do trauma foi acidentes com queda 25%, motocicletas e bicicletas 21% (n= 6), agressão física 14% (n= 4), atropelamento 11% (n=3), queda de objeto 4% (n=1) e outras causas 25% (n=7), não houve nenhum caso de ferimento por arma de fogo Tabela 2. Os sinais clínicos foram: otorragia 78% (n=22), otalgia 11% (n=3), otorreia 7% (n=2), paralisia facial 7% (n=2), hipoacusia 7% (n=2) Tabela 3. Os achados a otoscopia: otorragia 57 % (n=16), laceração de conduto auditivo externo 36% (n=10), hemotímpano 11% (n=3), normal 7% (n=2) e sinal de Battle (hematoma retroauricular associado a hemotímpano) 7% (n=2).
Os achados à TC de crânio foram: sem alterações 54% (n=15), hematoma subgaleal 18 % (n=5), hemossinus 14 % (n=4), hemorragia subaracnoidal 14 % (n=4), pneumocéfalo 11% (n=3), hematoma extradural 4% (n=1) e subdural 4% (n=1), fratura de frontal 7% (n=2), temporal 7% (n=2), parietal 4% (n=1), occipital 4% (n=1) e zigomático 4% (n=1) e na TC de ossos temporais de alta resolução as alterações encontradas foram: linha de fratura 71% (n=20), velamento da mastoide 25% (n=7), ar em cavidade glenóidea 14 % (n=4), luxação de cadeia ossicular 7% (n=2) e velamento orelha média 4% (n=1). Tabela 4. Dos 28 pacientes submetidos à TC de ossos temporais, a linha de fratura foi encontrada na TC de 20 pacientes sendo longitudinal em 64% (n=18) e transversa 7% (n=2).
DISCUSSÃOAs fraturas de osso temporal são lesões que se observam em pacientes que sofreram traumatismo crânio-encefálico (TCE), ocorrem em 5 a 10% dos traumatismos cranianos, com modernas técnicas de imagem, como TC de alta resolução, em algumas séries pode alcançar 20-40% (1-10).
Em nosso estudo, pacientes com envolvimento do osso temporal foi de 13% (n=59), destes 47 % (n=28) foram submetidos à TC de ossos temporais de alta resolução e foi visualizada a linha de fratura em 71% (n=20) dos casos, destes 7% (n=2) foi visível na TC de crânio. Em um terço da fraturas de osso temporal não é evidente na TC de crânio inicial, a TC de ossos temporais de alta resolução apresenta uma excelente sensibilidade para estas fraturas. (1-7). A ausência de fratura visível na TC de crânio não exclui a mesma, e aqueles pacientes com sinais clínicos de fratura devem ter um tratamento adequado e serem investigados (3).
O sinal clínico de trauma de osso temporal inclui fratura ao longo do teto do canal auditivo externo, ruptura de membrana timpânica com otorreia, otorragia, hemotímpano e hematoma na ponta da mastoide (sinal de Battle). As complicações são perda auditiva neurossensorial e /ou condutiva, fístula perilinfática e liquórica, e paralisia facial (1-4-7-6-9-10). No estudo, o principal sinal clínico foi otorragia em 78% (n=22) dos casos, os outros sinais foram: otalgia 11% (n=3), otorreia 7 % (n=2), paralisia facial 7% (n=2) e hipoacusia 7% (n=2). Os achados a otoscopia mais frequentes foram: otorragia 57% (n=16), seguida de laceração de conduto auditivo externo 36% (n=10), hemotímpano 11% (n=3) e sinal de Battle (hematoma retroauricular associado a hemotímpano) 7% (n=2). Nossos resultados foram semelhantes aos de PLAZA MAIOR et al (10) que observaram a otorragia em 70,45% dos casos e também foi o achado mais frequente a otoscopia (38,64%), os outros sinais clínicos foram hipoacusia e paralisia facial e a otoscopia. foi o hemotímpano.
Nos nossos pacientes que apresentaram paralisia facial, ocorreu após o trauma, com recuperação espontânea e sem indicação cirúrgica, semelhante ao estudo de Bordie et al, que em 73% dos seus casos ocorreu depois do trauma inicial, com recuperação espontânea. SARAHYA et al (1), relataram que na maioria dos casos de paralisia facial são tardios ao trauma, e a descompressão do nervo facial está indicada nos casos imediatos e nos tardios que não apresentam boa evolução.
Embora a resolução da TC crânio seja inadequada para o diagnóstico de fratura de temporal, proporciona indícios de lesão, quando há opacificação no temporal ou próximo, pneumocéfalo local, velamento de seio esfenoide, ar na cavidade glenóidea (2-4-7-8). Os achados que indicavam no presente estudo comprometimento do osso temporal na TC de crânio foram: hemossinus 14 % (n=4), pneumocéfalo 11% (n=3), fratura de temporal 7% (n=2). Enquanto na TC de ossos temporais de alta resolução dos 28 pacientes, foi visualizada linha de fratura em 20 casos, sendo 64% (n=18) longitudinal e 7% (n=2) transversa, outros achados foram: velamento da mastoide 25% (n=7), ar em cavidade glenóidea 14% (n=4), luxação de cadeia ossicular 7% (n=2) e velamento orelha média 4% (n=1). Comparando os achados na TC de crânio e ossos temporais, nossos resultados foram concordantes com a literatura (1-3-7). A TC de alta resolução de ossos temporais proporcio¬nam definição da linha de fratura e sua extensão para cadeia ossicular, canal carotídeo e gânglio geniculado (2).
As causa mais frequentes de traumatismos de osso temporal são os acidentes de trânsito 45%, as quedas 31% e os assaltos 11% (1-5-6-9-10). No estudo, encontramos as quedas em 25% (n=7) dos casos, os acidentes com motocicletas e bicicletas 21% (n= 6) e outras causas 25% (n=7), não houve nenhum caso ferimento por arma de fogo.
As fraturas de temporal são encontradas relativamente iguais entre os dois lados, as bilaterais ocorrem em 10-15% dos pacientes, a média de idade é 41 anos, e 22% abaixo dos 17 anos, e 81% ocorrem no gênero masculino. No estudo, os resultados foram semelhantes à literatura(1), com predomínio do gênero masculino em 71,4% (n=20) dos casos e em 28,6% (n=8) do gênero feminino, a faixa etária variou 3 a 75 anos, prevalente entre 21-30 anos. Em relação ao lado, no estudo o direito foi o mais afetado, a fratura foi visualizada em 50% (n=14), o lado esquerdo ocorreu em 36% (n=10) dos casos e os resultados das fraturas de temporal bilaterais em 14% (n=4) foram semelhantes aos achados de SARAIYA et al (1) e PLAZA MAIOR et al (10).
As fraturas longitudinais ocorreram em 70 a 80% das fraturas de temporal e as transversas em torno de 20% (2-6-8). Dos 28 pacientes submetidos à TC de ossos temporais, em 20 pacientes a fratura foi visualizada, sendo 64% (n=18) longitudinal e em 7% (n=2) transversa, resultados semelhante LEE et al (2), ISHMAN et al (6) e HOLLAND et al (8), em que a fratura longitudinal foi a mais frequente.
Nos pacientes com traumatismo crânio-encefálico que apresentarem sinais clínicos de fratura de osso temporal, é fundamental a avaliação radiológica dos ossos temporais, ausência de fratura na TC de crânio não exclui a mesma. Com a TC de ossos temporais de alta resolução há um detalhamento da linha de fratura e suas extensões, com prevenção e tratamento precoce das complicações e informações para o planejamento cirúrgico.
CONCLUSÃOA fratura do osso temporal é frequentemente associada ao traumatismo cranio-encefálico severo, e a tomografia computadorizada de alta resolução de ossos temporais permitem a avaliação da fratura e de suas extensões, assim como o envolvimento de estruturas importantes como cadeia ossicular, cóclea, vestíbulo, canais semicirculares e nervo facial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Saraiya PV, Aygun N. Temporal bone fractures. Emerg Radiol. 2009, 16(4):255-65.
2. Lee HJ, Lum C, Means K, Chandraseklar S, Brown L, Holodny A. Temporal bone fractures and complications:correlation between high-resolution computed tomography and audiography. Emerg Radiol. 1998, 5(1):08-12.
3. Waldron J, Hurley SEJ. Temporal bone fractures: a clinical diagnosis. Archives of Emergency Medicine. 1988, 5:146-50.
4. Marques MPC. Trauma de osso temporal. Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, 1999, 65(6):519-2.
5. Brodie HÁ, Thompson TC. Management of complications from 820 temporal bone fractures. The American Journal of Otology. 1997, 18(2):188-97.
6. Ishman SL, Friedland DR. Temporal bone fractures: Traditional Classification and Clinical Relevance. Laryngoscope. 2004, 114:1734-41.
7. Johnson DW, Hasso AN, Stewart III CE, Thompson JR, Hinshaw Jr DB. Radiology. 1984, 151(2):411-15.
8. Holland BA, Zawadzki MB. High-resolution CT of temporal bone trauma. AJNR. 1984, 143:391-95.
9. Little SC, Kesser BW. Radiographic classification of temporal bone fractures:clinical predictability using a new system. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2006, 132(12):01-08.
10. Plaza Mayor DG, Pérez Martinez C, Martinez San Millán J, Denia Lafuente A. Temporal bone fracture: review of 40 cases (44 traumatic injuries). An Otorrinolaringol Ibero Am. 1998, 25(6):531-46.
1) Título de Especialista em Otorrinolaringologia. Pós-graduanda Nível de Mestrado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos.
2) Médico (a). Estagiário (a) do Serviço de Otorrinolaringologia da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos.
Instituição: Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos. Santos / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Myrian Marajó Dal Secchi - Avenida Ana Costa, 254 - Conj. 72 - Santos / SP - Brasil - CEP: 11060-000 - Telefone (+55 13) 3234-7736 - E- mail: dalsecchi@uol.com.br.
Artigo recebido em 9 de Junho de 2011. Artigo aprovado em 19 de Setembro de 2011.