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Ano: 1999  Vol. 3   Num. 2  - Abr/Jun Print:
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FATORES QUE INTERFEREM TEMPORÁRIA OU DEFINITIVAMENTE NO APRENDIZADO DA VOZ ESOFÁGICA
FACTORS INTERFERING TEMPORARILY OR DEFINITIVELY IN THE LEARNING OF THE ESOPHAGEAN VOICE.
Author(s):
1Maria Lúcia Cleto
Palavras-chave:
INTRODUÇÃO

O câncer de laringe, de acordo com Silverberg e Lubera em 1989, vem aumentando sensivelmente, sendo a ocorrência mais frequente das malignidades da cabe ça e pescoço.

Em 1980, a American Cancer Society estimou, a ocorrência de 10500 casos diagnosticados nos Estados Unidos com prováveis 3500 óbitos já em 1993, a ACS verificou 13000 casos novos, mas com uma sobrevida aumentada graças aos grandes avanços no diagnóstico precoce (Byrne, 1992).

No Brasil, a expectativa é de cerca de 3.000 casos por ano, sendo o sexo masculino o mais atingido. Da primeira laringectomia realizada por Billroth em 1873 até nossos dias, a evolução das técnicas cirúrgicas permitiu em muitos casos a preservação da laringe mesmo que em parte, embora num grande número de casos, a cirurgia radical seja a única conduta a ser tomada, no intuito da preservação da vida. Privado então, da comunicação oral, ao tentar falar, o paciente nada mais consegue que articular afonamente, cansando o interlocutor e entrando muitas vezes em depress ão e até mesmo desespero. Neste artigo, será considerada unicamente a voz esofageana, não em seu caráter absolutamente fisiológico, dispensando a oclusão digital no caso da válvula tráqueo-esofágica ou o uso de aparelho e pilhas no caso da eletro-laringe, mas nos casos de ocorrências várias que poderão constituir-se em bloqueios para a aquisição da voz suplente. FATORES PSICOLÓGICOS 1.

Perda da imagem corporal: a alteração da harmonia física compromete de forma drástica o equilíbrio psí- quico. 2.

Não poder falar: a constatação da ausência definitiva da voz para externar o pensamento é ponto crucial. 3.

Não poder fumar: fumantes inveterados na grande maioria, não conseguem, devido à mudança da respira ção, aspirar a fumaça pela boca e devolvê-la pela boca ou narinas. 4.

Não poder tossir: o reflexo da tosse transforma-se num ruído desagradável pela fricção da corrente aérea contra a parede da traquéia ou num assobio se a cânula estiver sendo usada. 5.

Mudança da respiração: a perda da função nasal na filtragem, umidecimento e aquecimento da corrente aé- rea substituída de forma incompleta pelo traqueostoma, é outra lacuna com a qual o laringectomizado tem que se acostumar. 6.

Remoção de secreções pelo traqueostoma: tarefa anteriormente executada na faringe nariz, é motivo de grande constrangimento, seja pelo ruído que provoca, seja pela curiosidade que desperta. FATORES ORGÂNICOS 1.

Divertículo em esôfago alto: causado por debilidade da musculatura da porção alta esofageana, esse divertículo de propulsão (divertículo de Zenker) impede o movimento elástico de abertura e fechamento da sua porção superior, onde ocorrem as contrações fônicas. 2.

Estenose esofageana: ocorrência eventual decorrente da ingestão de substância tóxica que causa estreitamento e/ou fibrose de sua parede. 3.

Odinofagia: ocorrência eventual e temporária por edema cirúrgico em alguns casos, pode causar dor a partir da simples deglutição da saliva. 4.

Disacusia severa: torna impossível a orientação para a voz esofageana devido à impossibilidade do modelo fornecido para a eructação, base na nova forma de comunicação oral, ser ouvida e reproduzida. 5.

Seqüelas de AVC: nestes casos (percepção motora ou mista) não há sequer a possibilidade de compreensão pelo paciente do que seja voz esofágica, considerando- se o bloqueio definitivo para codificação e decodifica ção de pensamento, tendo em vista a seqüela neurológica para o processo fonatório.

Espasmo ou hipertonia do segmento faringoesofageano: neste caso, a produção do som é imposs ível podendo ser necessário miofonia para propiciar alívio ao excesso de tensão na região do crico-faríngeo. 2.

Extirpação do esôfago cervical: consequência da extens ão cirúrgica, inviabiliza totalmente a produção da voz esofageana. 3.

Extirpação glosso-faríngea importante: considerandose que a voz esofageana depende em alto grau da articula ção lingual solicitada principalmente na "moldagem" da bolha de ar na cavidade oral, a mesma retornará ou será simplesmente projetada para o exterior. 4.

Extirpação uni ou bilateral do hipoglosso: também neste aspecto, não haverá vibração e mobilidade adequada da língua. 5.

Fístula tráqueo-esofágica: o escape de ar de forma anômala inviabiliza a coordenação aéreo-fonatória. 6.

Traqueíte e bronquite: causando ruído do ar abrupto e constante (anteriormente era a tosse habitual), interp õe-se todo o tempo à erigmofonia. 7.

Anosmia: devido à extirpação da laringe, a respiração passa a ser feita via traqueostoma e a função olfatória fica anulada. SEQÜELAS RADIOTERÁPICAS 1.

Mucosite radiológica: caracterizada por irritações cutâneas de diferentes aspectos (escaras, crostas, pequenas bolhas) em volta do traqueostoma, chegando muitas vezes a diminuir a abertura do mesmo.

Causa desconforto e dispnéia. 2.

Xerostomia: o alcance da radiação às vezes envolve as glândulas salivares que involuem, tornando a língua excessivamente seca, dificultando a formação do bolus e causando desconforto.

Este quadro regride em alguns casos. 3.

Espessamento mucoso: a mucosa bucal, assim como a saliva, tornam-se muito densas, chegando a interferir na mobilidade lingual.

Neste caso também pode ocorrer normalização. 4.

Pescoço lenhoso: caracterizado pelo enrijecimento da musculatura atingida pela radiação, dificulta a livre movimenta ção e flexão cervical.

Ocorre em alguns casos. 5.

Ageosia: ocorrência eventual, parece estar ligada aos casos de involução das papilas gustativas. ALTERAÇÕES FUNCIONAIS 1.

Rajadas de ar pelo traqueostoma: caracterizadas por um ruído seco, ritmado e constante, resultam do escape não controlado do ar corrente.

O treino respiratório conscientizado corrigirá esta falha. 2.

Tensão excessiva na fonação: é resultado da abertura insuficiente da boca e simultânea elevação excessiva do dorso da língua. 3.

Impossibilidade de injetar o ar: ocorre sempre por espasmo do segmento faringo-esofageano.

Não insistir e encaminhar o paciente ao cirurgião que verificará necessidade de miotomia. 4.

Voz muito fraca: consequência provável de hipotonia do segmento faringo-esofágico ou insuficiência do fole pulmonar causado por fraqueza generalizada ou problemas pulmonares.

Fazer pressão com o polegar e o 2º e 3o dedos juntos, lateralmente ao traqueostoma ou acima dele. 5.

Voz desconectada: causada pelo insucesso nas tentativas iniciais para produzir a bolha de ar e conseqüentemente sonorizá-la.

Muitos paciente fazem injeções múltiplas de ar, fazendo pausas entre as palavras e automatizando-as depois na fala. 6.

Sons consonantais parasitas: são o resultado de treino inicial com uma única consoante que assimilada, integra-se no início dos outros fonemas. 7.

"Klunking": é o ruído da bolha de ar em sua penetra- ção no esôfago, com força extrema, surgindo a intervalos ritmados e audíveis simultaneamente à nova voz. 8.

Dificuldade para ser entendido ao telefone: muitas vezes o interlocutor desliga devido ao ruído do estoma ou zunido da eletro-laringe ou ainda ao som provocado pelo fechamento da válvula.

O problema será resolvido se o bocal for levado em direção ao nariz e não da boca e falar normalmente. CONCLUSÃO Considerando-se todos os fatores responsáveis pela não aquisição da voz esofageana, sem dúvida as de ordem psicológica são os grandes vilões, excetuando-se obviamente as causas orgânicas e seqüelas cirúrgicas. Sendo a voz representante natural do pensamento humano, a impossibilidade total de sua manifestação condena o laringectomizado ao mutismo involuntário. Os laringectomizados que faziam uso profissional da voz, são naturalmente, os mais duramente atingidos.

Sexo, idade, nível sócio-econômico, profissão e local de resid ência (campo ou cidade) fornecem dados para uma aná- lise comparativa, muitas vezes com resultados surpreendentes. Como vimos então, a característica de enorme relev ância e diferenciadora do ser humano é a voz que o interliga com os semelhantes, inclusive em outros idiomas que não o nativo.

Assim, no laringectomizado "a reabilita ção prévia através da abordagem precoce das condutas a serem tomadas" (Meyers, E.D. e col.) propicia a sua reintegração pessoal para que só então possa reintegrarse com o mundo que o rodeia através da nova voz.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência: Av. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 6º andar - Sala 6021 . São Paulo . CEP 05403-000.

1- Fonoaudióloga da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, responsável pelo setor de Laringectomizados.
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