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Ano: 1999  Vol. 3   Num. 3  - Jul/Set Print:
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Granuloma de colesterol gigante de ápice petroso: Relato de um caso
Giant cholesterol granuloma of the petrous apex: report of a case
Author(s):
1Ricardo Ferreira Bento, 2Rodrigo A. Cataldo De La Cortina, 3Tanit Ganz Sanchez, 4Walmir P. de Assis D’Antonio, 5Cláudio Márcio Yudi Ikino, 6Rubens Vuono de Brito Neto
Palavras-chave:
INTRODUÇÃO

O granuloma de colesterol do ápice petroso (GCAP) é uma entidade rara, de crescimento insidioso, que pode ser definida como uma lesão expansiva benigna, granulomatosa, contendo cristais de colesterol em seu interior e sinais de hemorragia antiga em sua periferia1. A apresentação clínica com destruição óssea e compressão de estruturas circundantes se assemelha a outras lesões do ângulo pontocerebelar mais comumente encontradas, dificultando o seu diagnóstico que muitas vezes só pode ser estabelecido com o estudo anátomo-patológico2,3. Torna-se sintomático apenas quando o tumor atinge dimensões maiores1,2,3.

Os métodos radiológicos constituem o principal instrumento para o diagnóstico de tumores do osso temporal. Nesses casos são necessárias tanto a ressonância magnética quanto a tomografia computadorizada que se complementam em informações da relação do tumor com o osso temporal e possível extensão intracraniana2,3,4,5.

Os autores apresentam um caso de granuloma de colesterol de ápice petroso de grandes dimensões e discutem a fisiopatologia, apresentação clínica, os métodos diagnósticos e as abordagens terapêuticas desta afecção.

RELATO DE CASO

P. L., 37 anos, masculino, branco, previamente hígido iniciou quadro de hipoacusia em orelha direita, acompanhado de zumbido de intensidade progressiva há 10 anos. Iniciou investigação clínica que não evidenciou alterações no exame neuro-otológico. A audiometria demontrou perda neurossensorial severa à direita e a tomografia computadorizada (TC), presença de lesão expansiva em região de ápice petroso direito, extendendo-se até fossa cerebral posterior, medindo 6 cm em seu maior diâmetro, hipercaptante e heterogênea. A angiografia descartou origem vascular da lesão.

Optou-se por tratamento cirúrgico via retrossigmoidea. A massa foi ressecada parcialmente devido à aderência da lesão com a porção intracraniana do nervo facial e tronco cerebral. No pós-operatório imediato, o paciente evoluiu com disacusia profunda e paralisia facial direita grau III na escala de House-Brackmann. Após um ano de seguimento, apresentava função facial normal. Devido ao carácter benigno da doença, optou-se pelo acompanhamento clínico e monitoramento da lesão residual com ressonância magnética (RNM).

Quatro anos após a primeira cirurgia, evoluiu com paralisia facial completa de instalação súbita. Nesta época já apresentava lesão em ângulo ponto-cerebelar de 4.1cm em seu maior diâmetro visível na RNM (Figuras 1 e 2), com velocidade de crescimento rápida.


Figura 1. Corte coronal da RNM.


Figura 2. Corte sagital da RNM.








Foi realizada nova abordagem cirúrgica, otológica e neurocirúrgica, via translabiríntica. A massa foi ressecada em sua totalidade. O nervo facial foi seccionado em sua porção intracraniana, dada a aderência com a lesão. Não sendo possível o reparo terminal do nervo por não existir coto proximal, optou-se por uma anastomose hipoglosso-facial em segundo tempo. O paciente evoluiu sem complicações maiores no pós-operatório, recebeu alta com Grau VI de House e surdez profunda à direita.

Mantém acompanhamento clínico-radiológico há 9 meses, não apresentando evidências de recidiva da lesão.

DISCUSSÃO

A primeira referência de um granuloma de colesterol data de 1894 (Manasse)6, descrevendo a presença de cristais de colesterol circundadas por células gigantes de corpo estranho e granulações no meato acústico externo e orelha média. Shambaugh7, em 1929, correlacionou a lesão com um precursor que denominou de blue drum membrane. House e Brackmann8, em 1982, foram os primeiros a descrever o efeito destrutivo da lesão no osso temporal. Desde a sua primeira descrição, muitos termos foram utilizados para identificar uma mesma entidade: cistos de colesterol, cistos achocolatados, xantomas do osso temporal e cistos unicamerais, fato que dificultou um claro entendimento da definição e da natureza desta lesão2,9. Em 1985, Graham e cols., claramente diferenciaram o Granuloma de Colesterol do cisto gigante de colesteroltanto no aspecto histológico como clínico10.

O granuloma de colesterol de ápice petroso (GCAP) é uma lesão benigna, rara, de crescimento insidioso com capacidade de destruir estruturas circundantes1,3,4. Macroscopicamente apresenta aspecto arredondado ou ovóide, com coloração amarronzada ou amarelada, determinada pela hemossiderina e pelos cristais de colesterol2,4,9. Histologicamente caracteriza-se como lesão composta de cristais de colesterol circundados e envoltos por células gigantes multinucleadas embebidas em tecido fibroso de granulação1,2,4,9.

A apresentação clínica do G.C.A.P. varia, como em todas as lesões de base de crânio, com o tamanho e localização anatômica do tumor3,5. Thedinger e cols.2, em uma série de 10 pacientes, encontraram a cefaléia (80%) como sintoma mais comum, seguida de otalgia, vertigens e diplopia (40%). A parestesia no território de V2 (segunda divisão do trigêmio) esteve presente em 30%, a perda auditiva neurossensorial em 20% e a paralisia facial em somente 10% das queixas. No caso descrito, o pacien­te iniciou o quadro com zumbido unilateral e hipoacusia ipsilateral, sem cefaléia, otalgia ou diplopia. Evoluiu com paralisia facial secundariamente, queixa pouco frequente como sintoma inicial. Lesões menores podem ser achados acidentais durante a pesquisa radiológica de pacientes com sintomas inespecíficos, como cefaléia ou tontura. Com a progressão da massa, sintomas compressivos podem associar-se (disfunção do nervo troclear, trigêmio e abducente) levando à dor facial, embaçamento visual e diplopia9. Quando ocorre acometimento mais intenso do osso temporal, paresia facial e perda auditiva neuros­sen­sorial podem ser encontradas4,9. Grandes lesões, com grande destruição óssea, podem levar a fístulas liquóricas, massas em ângulo pontocerebelar ou meningite química por extravazamento do conteúdo cístico em espaço subaracnoídeo.



Raramente, quando há acometimento do seio esfenoidal, o paciente pode apresentar rinorréia escurecida unilateral de caráter intermitente1. A tontura, o zumbido, a hipoacusia entre outros achados clínicos não são exclusivos do GCAP, porém comuns a todas as lesões de base de crânio que devem ser investigadas, sendo fundamental para o diagnóstico o uso da propedêutica armada.

A ressonância magnética (RNM) e a tomografia computadorizada (TC) são complementares e diagnós­ticas na maioria dos casos, sendo os principais métodos de investigação1,2,3,4,5,9. Na TC observa-se erosão óssea com bordas lisas, sem apresentar realce com contraste endovenoso1,2,3. Na RNM, o granuloma de colesterol maduro apresenta hiperssinal em T1 e principalmente em T22,3. A audiometria tonal pode demonstrar perda neurossensorial, como foi visto no caso descrito, porém a audiometria de tronco cerebral não é útil para diagnóstico. A eletronistagmografia pode indicar o lado acometido, mas não fornece outras informações determinantes para o diagnóstico4. O GCAP entra no diagnóstico diferencial de lesões císticas do ápice petroso, onde devemos incluir, principalmente o colesteatoma, e mais raramente mucocele, pneumatização assimétrica de ápice petroso e aneurisma carotídeo1,2,3. O diagnóstico correto das lesões císticas do ápice petroso não é preciso mesmo com toda propedêutica armada à disposição, principalmente nos casos iniciais, onde as características radiológicas descritas não são obrigatoriamente observadas3.

O colesteatoma apresenta achados semelhantes ao GCAP na TC, porém na RNM apresenta hipossinal em T1 e hiperssinal em T2, sem realce com gadolíneo1,2,5. Nos casos de pneumatização assimétrica, não se observa erosão ou realce com contraste endovenoso na TC,. Na RNM observa-se hipossinal em T2 e sem realce com gadolíneo1. Os aneurismas carotídeos mostram aumento de contraste e erosão óssea na CT, porém hipossinal em T1 com intensidade mista em T21. Nos casos de suspeita de tumor vascular ou quando a CT e a RNM não são conclusivas, é mandatória a realização de angiografia para afastar a possibilidade de aneurisma carotídeo ou glômus, pois o tratamento destas entidades é radicalmente distinto9. Os GCAP em estágio inicial não apresentam características semelhantes às observadas nos casos maduros, tornando o diagnóstico nesses casos mais trabalhoso, principalmente em relação ao colesteatoma3. Os testes de imagem utilizados para o diagnóstico em nosso caso foram a TC com contraste e a ressonância magnética, que mostraram massa expansiva em ângulo pontocerebelar com as características já citadas de granuloma de colesterol maduro, suscitando uma forte suspeita dessa lesão, já com grandes dimensões. Tanto a CT como a RNM foram fundamentais não só para o diagnóstico, mas também para fornecer dados sobre anatomia, localização e dimensões tumorais que auxiliaram na escolha e planejamento da abordagem terapêutica.

A decisão da terapêutica é baseada no tamanho, localização e comportamento da lesão, na anatomia e status auditivo do paciente, e é iminentemente cirúrgica. A via de acesso também depende da localização e tamanho da lesão, da presença ou não de audição e da experiência do cirurgião. Seis vias de acesso são utilizadas atualmente: translabiríntica-transcoclear; fossa média; fossa infratemporal; transesfenoidal; suboccipital e transpalatal-transclival5. Algumas assumem compromisso com a preservação auditiva e todas atentam para a preservação de córtex cerebral, nervos cranianos, cerebelo e estruturas vasculares. No caso descrito, optou-se por uma abordagem translabiríntica, pois não havia preocupação com a preservação do nível auditivo, além de proporcionar uma ampla exposição do ângulo ponto-cerebelar e fossa cerebral posterior.

A grande maioria dos autores preconiza como objetivo do tratamento cirúrgico a drenagem e aeração permanente da mastóide e ouvido médio, mantidas com cateter de Sylastic locado na mastóide até o ápice petroso5,9. Alguns autores, entretanto, acreditam que a simples drenagem do granuloma não é tratamento definitivo, devendo ser retirada a massa em sua totalidade na tentativa de diminuir a possibilidade de recidivas que podem ocorrer com a perda da aeração proporcionada pela cirurgia4. É importante lembrar que o acompanhamento com RNM ou TC deve realizado anualmente para resguardar-se de uma possível recidiva da lesão4,5,9.

Apesar de raro, o granuloma de colesterol de ápice petroso sempre deve ser considerado no diagnóstico diferencial das lesões de base de crânio, considerando suas características na TC e RNM para definição diagnóstica e abordagem terapêutica.

Referências Bibliográficas

1. Ahmed, MS; Smoucha, EE; Davis, RP; Brook,S: Cholestreol Granuloma cyst of the petrous apex. Arch. Otolaryngol Head Neck Surg, 124:108-110, 1998.

2. Thedinger, BA; Nadol, JB; Montgomery, WW; Thedinger, BS; Greenber, JJ: Radiographic Diagnosis, Surgical Treatment and Long Term Follow up of Cholesterol Granulomas of Petrous Apex. Laringoscope, 99: 896-907, 1989.

3. Chang, P; Fagan, PA; Atlas, MD; Roche, J: Imaging destructive lesions of the petrous apex. Laringoscope, 108: 599-604, 1998.

4. Gherini, SG; Brackmann, DE; LO, WWM; Solti-Bohman, LG: Cholesterol Granuloma of the petrous apex. Laringoscope, 95: 659-664, 1985.

5. Franklin, DJ; Jenkins, HA; Horowitz, BL; Coker, NJ: Management of petrous apex lesions. Arch Otol Head Neck Surg, 115: 1121-1125, 1989.

6. Manasse, P: Uber granulationsgeschwulst mit Fremdkoerriesenzellen. Virchows Arch, 136: 245, 1894.

7. Shambaugh, GE: The Blue Drum Membrane. Arch Otolaringol 10: 238-240, 1929.

8. House, JL; Brackmann, DE: Cholesterol Granuloma of the cerebellopontine Angle. Arch Otolaringol, 108: 504-506, 1982.

9. Lustig, LR; Cheung, SW; Jackler, RK: Subcochlear petrous cholesterol granuloma involving the infratemporal fossa. Otolaryngol Head Neck Surg, 119: 685-689, 1998.

10. Graham, MD; Kemink, JL; Latack, JT; Kartush, JM: The giant cholesterol cyst of the petrous apex: a distinct clinical entity. Laringoscope, 95: 1401-1406, 1985.

Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Trabalho apresentado em forma de poster no I Congresso de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Ricardo Ferreira Bento - Rua Pedroso Alvarenga, 1255, conjunto 22 - Cep: 04531-012 - São Paulo - SP - Telefone: (0xx11) 3167-6556 - Fax: (0xx11) 881-6769 - E-mail: rbento@ibm.net

1- Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da F.M.U.S.P.

2- Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da F.M.U.S.P.

3- Médica Doutora da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da F.M.U.S.P.
4- Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da F.M.U.S.P.
5- Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da F.M.U.S.P.
6-Médico Pós-Graduando (Doutoramento) Assistente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da F.M.U.S.P.
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