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Ano: 2009  Vol. 13   Num. 1  - Jan/Mar - (11º) Print:
Seção: Original Article
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O Seguimento nas Recidivas Loco-regionais no Câncer Boca e Orofaringe
The follow Up for the Locoregional Recurrences of Oral and Oropharyngeal Cancer
Author(s):
Helma Maria Chedid1, Sergio Altino Franzi2, Ali Amar3, Carlos Neutzling Lehn4, Abrão Rapoport5, Rogério Aparecido Dedivitis6
Key words:
carcinoma de células escamosas, recidiva, resultado de tratamento, diagnóstico precoce, neoplasias bucais, neoplasia orofaríngeas squamous cell carcinoma, recurrence, treatment outcome, early diagnosis, mouth neoplasms, oropharyngeal neoplasms
Resumo:

Introdução: O seguimento de pacientes com carcinoma espinocelular de boca e orofaringe visa o diagnóstico das recidivas loco-regionais, especialmente nos primeiros dois anos, enquanto, após o terceiro ano, torna-se prioritário o diagnóstico de segundo tumor primário. Objetivo: Determinar a importância do seguimento no diagnóstico da recidiva loco-regional e na indicação de resgate e avaliar o diagnóstico e evolução das metástases à distância e segundo tumor primário. Método: Estudo retrospectivo de 276 pacientes após tratamento cirúrgico inicial com ou sem radioterapia pós-operatória, sendo 198 casos de boca e 78 de orofaringe. Resultados: O seguimento médio foi de 35,3 meses, sendo que 127 evoluíram com recidivas loco-regionais exclusivas, 20 metástases à distância e 20 segundos tumores primários. Quanto ao estádio clínico (EC), 25 eram de EC I, 11 EC II, 16 EC III e 71 EC IV. Trinta e sete recidivas na orofaringe, 90 em boca e 76 pacientes foram tratados com cirurgia de resgate e 13 com quimioradioterapia. A sobrevida livre de doença desses pacientes foi de 13% nas recidivas loco-regionais diagnosticadas até seis meses; 40% entre seis e 12 meses e de 48% quando superior a 12 meses (p = 0,00001). O estádio clínico inicial e na recidiva foram fatores importantes no tipo de tratamento de resgate, sendo que nos 89 pacientes tratados no resgate, a sobrevida livre de doença em cinco anos foi estatisticamente significante (p=0,0017). Conclusão: O seguimento do carcinoma espinocelular de boca e orofaringe é de importante no controle loco-regional da doença em cinco anos pós-tratamento de resgate.

Abstract:

Introduction: The follow up in cases of squamous cell carcinoma of mouth and oropharynx aims at diagnosing local and regional recurrences, especially during the first two years, whereas the diagnosis of second primary tumors is critical after the third year of follow up. Objective: To determine the importance of the follow up on the diagnosis of local and regional recurrences and the indication of salvage treatment and to evaluate the diagnosis and outcome of virtual metastases and the second primary tumor. Method: Retrospective study of 276 patients after initial surgical treatment with or without postoperative radiotherapy. One hundred ninety-eight cases were of mouth neoplasms and 78 cases of oropharynx neoplasms. Results: 127 cases developed exclusive locoregional recurrences, 20 distant metastases and 20 second primary tumors. The clinical stage were: 25 stage I, 11 stage II, 16 stage III and 71 stage IV. 37 recurrences in oropharynx and 90 in mouth. Seventy-six patients were surgically salvaged and 13 with chemoradiotherapy. Disease free survival of these patients was of 13% when the locoregional recurrences were diagnosed in the first six months, 40% between six and 12 months and 48% after 12 months (p = 0.00001). The initial clinical stage and in the recurrence were important factors influencing the type of rescue and in the 89 patients salvaged the 5-year free disease survival was statistically significant (p=0.0017). Conclusion: The follow up of squamous cell carcinoma of mouth and oropharynx is important for local and regional control within five years of rescue treatment.

INTRODUÇÃO

O seguimento dos pacientes portadores de carcinoma espinocelular da cabeça e pescoço inicialmente tratados com intenção curativa tem como objetivo o diagnóstico da recidiva loco-regional, especialmente em estádio clínico precoce, tendo-se como objetivo a maior probabilidade de indicação do tratamento de resgate. Na presença de suspeita clínica de recidiva loco-regional, dá-se prosseguimento à investigação com comprovação histológica da presença de doença, estadiamento clínico e exames de imagem complementares, quando necessários, para avaliação da extensão da lesão e ressecabilidade (1).

No diagnóstico precoce da recidiva loco-regional, a cirurgia de resgate é inquestionavelmente a primeira escolha de tratamento. A radioterapia exclusiva ou a quimioradioterapia é reservada às lesões irressecáveis e/ou nos pacientes em condições clínicas precárias (2,3).

A morbidade do tratamento e o prognóstico desfavorável devem ser considerados pelo médico diante da indicação de tratamento de resgate, especialmente nas recidivas locais extensas e com indicação de resgate cirúrgico. Assim, a avaliação quanto à indicação de tratamento nas recidivas deve ser individualizada e, em algumas situações, o tratamento ideal ao paciente é o paliativo, mesmo nas lesões potencialmente ressecáveis e/ou ausência de irradiação prévia (4).

Por sua vez, os tumores de boca e orofaringe têm, na metástase à distância isolada, um evento raro de manifestação da doença, com índices de 5% a 20% (5-7). Assim, no diagnóstico exclusivo da doença localmente avançada, os baixos índices de metástase à distância podem ser utilizados como argumentos a favor do tratamento mais agressivo, ou seja, grandes ressecções e reconstruções, com limites de ressecabilidade oncológica seguros ou ainda com margens estreitas de ressecabilidade.

O tratamento da recidiva regional apresenta melhores resultados com o resgate cirúrgico, especialmente na ausência de metástase regional na apresentação inicial e que não foram submetidos ao esvaziamento cervical, sendo reservado o sucesso da cirurgia de resgate em pescoço previamente submetido a esvaziamento cervical (8,9).

Assim, o seguimento pós-tratamento inicial do paciente é importante no diagnóstico precoce das recidivas loco-regionais e/ou metástases à distância, sendo que o ideal é o retorno do paciente em curtos intervalos de tempo nos primeiros dois anos, quando ocorrem 76% das recidivas (10). Foi encontrado índice de 74% de diagnóstico das recidivas loco-regionais, sendo os primeiros 18 meses o período principal na incidência de recidivas (11).

Já os segundos tumores primários desenvolvem-se, em grande parte, no mesmo sítio anatômico do tumor inicial ou em outros sítios na cabeça e pescoço, seguidos do esôfago e pulmão (12). O objetivo do seguimento após o terceiro ano e com doença controlada pode ser particularmente visando à detecção de segundo tumor, com retornos regulares e prolongados.

O objetivo desse estudo é avaliar a eficácia do seguimento no diagnóstico precoce da recidiva loco-regional, na indicação do tratamento de resgate e sua evolução e o diagnóstico de metástases à distância e segundos tumores primários.


MÉTODO

Foi realizado estudo retrospectivo de coorte histórica longitudinal de 276 prontuários médicos de pacientes com carcinoma espinocelular de boca e orofaringe, no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2005, no Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis - Hosphel, São Paulo. Os critérios de elegibilidade foram tratamento inicial cirúrgico com intenção curativa e ausência de tratamento oncológico prévio. Foram excluídos 28 pacientes com metástase à distância na apresentação inicial, tratamento prévio e presença de tumores sincrônicos e simultâneos.

De acordo com o estadiamento clínico (EC), segundo a AJC-UICC (2002), os pacientes foram distribuídos em 26 casos de EC I; 71 EC II; 83 EC III e 96 EC IV. De acordo com o sítio anatômico, 198 casos eram de boca e 78 de orofaringe. Na boca, língua e soalho representavam 63,9% dos casos e, na orofaringe, a região tonsilar representava 64,1% dos casos.

Cento e vinte e sete pacientes evoluíram com recidivas loco-regionais, com idade média de 54,6 anos (variando de 22 a 87 anos), sendo 106 (83,5%) masculinos e 21 (16,5%) femininos. Em relação aos antecedentes de fumo e álcool, 22 pacientes não fumavam e 51 não ingeriam bebidas alcoólicas. Nos antecedentes mórbidos, 43 apresentavam relato de comorbidades clínicas (Tabela 1). A distribuição do tamanho do tumor primário (T) e a presença de linfonodos cervicais (N) nos 127 pacientes estão na Tabela 2.






Todos os pacientes foram submetidos à cirurgia como tratamento inicial, sendo que 231 casos foram ao esvaziamento cervical, dos quais 150 esvaziamentos cervicais unilaterais e 81 bilaterais. Apenas 19 casos não foram submetidos inicialmente ao esvaziamento cervical por serem neoplasias em EC iniciais e ressecções de tumores no andar superior da boca. A radioterapia complementar pós-operatória foi realizada em 121 pacientes, com dose média de 60,8Gy (20Gy a 70,4Gy). Dezessete casos tinham indicação de radioterapia pós-operatória e não realizaram por complicações de ferida operatória ou clínica.

Considerou-se como recidiva loco-regional o diagnóstico realizado dentre os primeiros 36 meses de seguimento, sendo que, nos primeiros 30 dias pós-tratamento inicial, os pacientes não apresentavam evidência clínica de doença. Apenas sete casos de recidiva local foram diagnosticados após 24 meses. Em todos os casos de tratamento cirúrgico de resgate, houve confirmação histológica de carcinoma espinocelular no diagnóstico da recidiva loco-regional.

O Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde esse estudo foi realizado aprovou o projeto de pesquisa de número 497. Para a avaliação das variáveis quantitativas foram utilizados os métodos do Chi-quadrado e o teste de Fisher. Na avaliação das diferenças de sobrevida dos pacientes foram utilizados os métodos de Log-Rank e Wilcoxon e na avaliação de sobrevida o método de Kaplan-Meier. Na análise multivariada foram utilizados os modelos de Regressão de Cox e Regressão Logística. Os programas de software utilizados foram o Statistica, versão 5.1 (Statsoft South America, Inc.), Tulsa, Oklahoma (EUA) e o Epi Info, versão 3.3.2TM criado pelo CDC (Centers of Disease Control and Prevention).


RESULTADOS

O seguimento médio foi de 35,3 meses, sendo que nos pacientes com recidiva loco-regional e submetidos ao tratamento de resgate, o período de seguimento considerado padrão foi de 12 meses. Quinze (16,8%) pacientes tiveram seguimento inferior a 12 meses, sendo que, destes, seis casos com seguimento inferior a seis meses. Não houve perda de seguimento.

Dos 127 casos de recidivas loco-regionais, 89 pacientes foram submetidos ao tratamento de resgate, sendo que 76 foram à cirurgia de resgate e 13 casos restantes foram submetidos à quimioradioterapia de resgate. Dos 76 casos submetidos à cirurgia de resgate, 23 realizaram radioterapia complementar pós-operatória. Os 38 pacientes restantes com recidivas loco-regionais restantes foram encaminhados diretamente aos cuidados paliativos multidisciplinares, sendo que cinco foram por recusa a tratamento cirúrgico e/ou quimioradioterápico de resgate.

Em relação ao EC na recidiva loco-regional dos 127 pacientes, 25 eram de EC I, 11 EC II, 16 EC III e 71 EC IV. Em quatro pacientes não foi possível avaliar o EC. Quanto ao sítio da recidiva loco-regional, 37 foram em orofaringe e 90 em boca. Cinquenta e quatro destes pacientes foram submetidos à radioterapia pós-operatória, com dose média de 59,8 Gy (20 Gy a 70,4 Gy). Em 23 casos houve indicação de radioterapia complementar pós-operatória que não foi realizada, por complicação de ferida operatória em 16 deles. Nos quatro casos restantes, não houve aderência do paciente.

A indicação de tratamento de resgate radioterápico exclusivo ou quimioradioterápico deu-se nos pacientes com ausência de irradiação prévia; presença de doença irressecável; índice performance status de Karnofsky superior a 70%; clearence de creatinina superior a 30mL/m2 e recusa à cirurgia de resgate (dois casos). A radioterapia foi do tipo teleterapia, com aparelho de acelerador linear com dose média de 65,7Gy (40Gy a 72Gy) e a quimioterapia com cisplatina (CDDP), dose de 30 mg/m2/semana, em seis ciclos, com início na décima fração de radioterapia. Oito pacientes realizaram quimioterapia concomitante e os demais foram encaminhados à irradiação exclusiva. Nenhum paciente necessitou de interrupção ou pausa do tratamento por efeitos adversos.

O tipo de recidiva loco-regional de acordo com o sítio anatômico e o tratamento instituído nos 127 casos de recidivas estão esquematizados no Quadro 1.




A mediana do intervalo de tempo pós-tratamento inicial e diagnóstico das 127 recidivas loco-regionais está no Gráfico 1.


Gráfico 1. Distribuição das recidivas loco-regionais em relação ao intervalo entre tratamento inicial e diagnóstico.



Em relação ao intervalo de tempo entre o diagnóstico da recidiva loco-regional e o tratamento inicial dos 127 pacientes, foram diagnosticados no período de um a seis meses de seguimento, 59 pacientes com recidiva loco-regional; de seis a 12 meses, 43 pacientes e no período superior a 12 meses, 25 pacientes. Quanto aos resultados da sobrevida livre de doença em cinco anos nos 127 pacientes com recidiva loco-regional, foram obtidos 13% nas recidivas loco-regionais até seis meses pós-tratamento inicial; 40% nas recidivas loco-regionais entre seis meses e 12 meses; e 48% nas recidivas loco-regionais após 12 meses do tratamento inicial (p = 0,00001).

Relacionando-se o tempo de recidiva loco-regional com a indicação de resgate cirúrgico, obtiveram-se 61% de cirurgia de resgate até seis meses; 51% entre seis e 12 meses e 72% no período superior a 12 meses de seguimento. A sobrevida livre de doença pós-tratamento de resgate (cirurgia com ou sem radioterapia pós-operatória e quimioradioterapia) dos 89 pacientes foi estatisticamente significante (p=0,0009) - Gráfico 2.


Gráfico 2. Sobrevida livre de doença pós-resgate em relação ao intervalo de tempo entre o tratamento inicial e a recidiva loco-regional.



Dentre os 89 casos tratados na recidiva loco-regional, foram observados 53 casos de tratamento na recidiva local exclusiva, 25 na regional exclusiva e 11 na loco-regional. Quanto à realização de resgate cirúrgico, 62% e 74% foram por recidivas locais e regionais exclusivas, respectivamente versus 31% de cirurgias nas recidivas loco-regionais (p = 0,004). Ao considerar-se o tipo de recidiva tratada no resgate, a sobrevida livre de doença há cinco anos foi estatisticamente significante (p=0,02) - Gráfico 3.


Gráfico 3. Sobrevida livre de doença pós-resgate em relação ao tipo de recidiva loco-regional.



O EC no diagnóstico da recidiva loco-regional demonstrou diferença estatisticamente significante na sobrevida livre de doença há cinco anos pós-tratamento de resgate dos 89 pacientes (p = 0,018) - Gráfico 4.


Gráfico 4. Sobrevida livre de doença pós-resgate em relação ao estadiamento clínico na recidiva loco-regional.



O estadiamento clínico inicial e na recidiva loco-regional, em relação à realização de cirurgia de resgate, foram estatisticamente significantes - Tabela 3.




O estadiamento clínico inicial e na recidiva avaliados concomitantemente nos 89 pacientes, em relação à indicação de tratamento de resgate, demonstrou importância significativa quanto à sobrevida livre de doença em cinco anos (p = 0,026) - Gráfico 5.


Gráfico 5. Distribuição do estádio clínico inicial e na recidiva loco-regional em relação a sobrevida livre de doença pós-tratamento de resgate.



A sobrevida livre de doença a cinco anos dos 89 pacientes submetidos ao tratamento de resgate foi de 42,5% e a sobrevida global, 47,5%. A sobrevida livre de doença de acordo com o tipo de tratamento, cirurgia, cirurgia e radioterapia pós-operatória e quimioradioterapia foi estatisticamente significante (p=0,0017) - Gráfico 6.


Gráfico 6. Distribuição da sobrevida livre de doença pós-resgate em relação ao tipo de tratamento de resgate.



A sobrevida global em cinco anos dos 270 pacientes com seguimento foi de 50,9%, enquanto que a sobrevida global dos pacientes submetidos a tratamento de resgate foi de 45%.

Dos 89 pacientes submetidos ao tratamento de resgate, 41 estavam vivos e sem doença, com um seguimento médio de 25,7 meses (considerado a partir da data da primeira recidiva em todos os casos, inclusive nos pacientes que desenvolveram segunda recidiva loco-regional). Trinta e oito pacientes morreram pela doença loco-regional e a distância; dois morreram por outras causas não relacionadas ao tumor primário tratado e oito estavam vivos e com doença no período de seguimento considerado no estudo.

No período de seguimento, foram diagnosticados 20 (7,2%) casos de metástases à distância, sendo múltiplas em três casos e com tempo de diagnóstico de 10,4 meses (mediana). Os sítios de metástases a distância de maior frequência foram pulmão (30,4%); pele (26,1%); ossos (13%); axilas (7,3%); cérebro (7,3%); base do crânio (7,3%); pleura (4,3%) e musculatura paravertebral (4,3%).

Quanto ao desenvolvimento de segundo tumor primário, foram diagnosticados 20 casos, sendo 11 casos com tumor primário na cabeça e pescoço e com sobrevida livre de doença a cinco anos de 70%. Dentre estes, o diagnóstico em seis casos foi no primeiro ano de seguimento; cinco casos no segundo ano; três casos no terceiro ano; quatro casos no quarto ano; um caso no quinto ano e um caso no sexto ano.

Em relação às comorbidades clínicas dos pacientes submetidos ao tratamento de resgate, dois deles morreram por outras causas e com controle loco-regional e a distância da doença. Ainda, a comorbidade não foi responsável por retardo e/ou interrupção da quimioradioterapia de resgate. Na data da última avaliação, dentro do período considerado nesse estudo, os demais pacientes submetidos ao resgate morreram em decorrência da doença.

O estadiamento clínico na recidiva loco-regional, a realização de radioterapia prévia e o sítio anatômico da recidiva foram os fatores preditivos para o tratamento de resgate na análise multivariada - Tabela 4.




Aplicação da regressão logística; Const. ßO=10,17; n=122 recidivas loco-regionais, sendo excluídos os pacientes com estádio clínico Tx ou Nx na recidiva loco-regional.

Na análise multivariada dos 89 pacientes submetidos ao tratamento de resgate, o tipo de resgate e o intervalo de tempo entre o tratamento inicial e a recidiva foram fatores significativos na sobrevida livre de doença - Tabela 5.




DISCUSSÃO

O intervalo de tempo entre o diagnóstico da recidiva loco-regional e tratamento inicial é considerado fator prognóstico na indicação do tratamento de resgate. É impossível a distinção clínica entre doença residual ou desenvolvimento de um novo tumor dentro do mesmo campo de cancerização (13); sendo assim, a definição de recidiva local é arbitrária. Portanto, nos casos das recidivas até seis meses de pós-tratamento inicial, a manifestação clínica de doença pode ser doença residual (3,13). Diante de manifestação precoce de doença pós-tratamento inicial, as recidivas loco-regionais costumam apresentar-se clinicamente como lesões extensas e, muitas vezes, com necessidade de reconstrução. Quando de apresentação cervical, comumente estão relacionadas à presença de doença linfonodal volumosa e com ruptura capsular. Ainda, os limites de ressecabilidade no tumor primário podem ser estreitos, fato que nos leva a uma situação semelhante à presente na recidiva, ou seja, a presença de doença ativa no leito cirúrgico (macroscópica ou microscópica). Nesse estudo, 46,4% das recidivas loco-regionais de carcinoma espinocelular de cavidade oral e orofaringe foram diagnosticadas em até seis meses de seguimento, com sobrevida livre de doença a cinco anos de 13%, o que permite supor a persistência ou doença residual, considerados resultados encontrados na literatura, variando de zero a 26,7% de sobrevida global a cinco anos (3,14).

Por outro lado, as recidivas consideradas tardias, após 12 meses de tratamento inicial, comumente cursam com melhores resultados no controle da doença. Stell (1991) (15) demonstrou que o intervalo de tempo de diagnóstico da recidiva loco-regional e o tratamento inicial foi estatisticamente significante na análise univariada e multivariada. Na análise univariada, apresentou 20% a menos de controle da doença em cinco anos nas recidivas tardias. Nossos resultados são semelhantes, com 19,7% dos diagnósticos de recidivas loco-regionais após 12 meses de seguimento, com sobrevida livre de doença em cinco anos de 48% (p = 0,00001). Goodwin (4), por sua vez, é o único autor a relatar, em estudo de metanálise de 1633 pacientes com carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço de vários sítios, que o tempo de recidiva não obteve significância estatística no controle da recidiva loco-regional após o resgate cirúrgico.

Resultados pobres na cirurgia de resgate nas recidivas loco-regionais diagnosticadas até seis meses pós-tratamento inicial e resultados promissores no controle loco-regional nas recidivas loco-regionais tardias são demonstrados em várias publicações na literatura (2,3,16). Os resultados desse estudo apresentam-se com índices de sobrevida livre de doença em cinco anos superiores, quanto ao tratamento cirúrgico de resgate.

Então, pode-se entender que a recidiva loco-regional precoce (até seis meses) estaria relacionada a uma doença no estádio clínico inicial avançado, enquanto que a recidiva loco-regional tardia (após 12 meses) estaria associada à doença de estádio clínico inicial. Todavia, há casuísticas na literatura que não demonstram associação do estádio clínico inicial do paciente com o tempo de recidiva loco-regional (4). Entretanto, tivemos indicação de tratamento de resgate com intenção curativa em 74,6% das recidivas loco-regionais precoces, sendo que 52,4% eram de estádio clínico avançado (III e IV) na admissão do paciente e apenas 22% eram de estádio clínico precoce (I e II) na admissão e com achados de significância estatística na relação da cirurgia de resgate com o estádio clínico inicial. Uma vez que a doença é diagnosticada clinicamente na presença de tumor no exame loco-regional, a definição de recidiva local torna-se difícil e é arbitrária, pois a manifestação da mesma pode ser doença residual ou persistente no leito do tumor primário ou, ainda, um novo tumor no mesmo sítio inicialmente tratado.

Portanto, estamos diante de fatores prognósticos paradigmáticos, uma vez que, grande parte dos resultados do tratamento de resgate, em especial nesse estudo, a cirurgia de resgate, é pobre na presença de recidiva loco-regional diagnosticada precocemente. Sendo assim, a cirurgia de resgate diagnosticada nos primeiros seis meses de seguimento não é o tratamento ideal para todos os pacientes com recidiva loco-regional de estádio clínico avançado (III e IV), mesmo com doença ressecável e paciente com índice performance status superior a 70%. Talvez, o comportamento biológico do tumor seja distinto na apresentação inicial e na recidiva loco-regional, traduzindo-se em genótipo tumoral como uma "nova" doença, com um fenótipo de apresentação igual ao exame loco-regional.

Apenas 10,2% dos pacientes realizaram radioterapia exclusiva ou quimioradioterapia de resgate, enquanto que, na literatura, os índices de irradiação no resgate variam de 8,6% a 28,9% (9,17-21). Todavia, obtivemos resultados surpreendentes e promissores na sobrevida livre de doença há um ano (17,6%), já que 69,2% dos casos eram de estádio clínico avançado (III e IV) na recidiva loco-regional e, ainda, comparando-se com resultados de zero até seis a sete meses de controle da doença. Schwatrz et al (3) foram os únicos autores demonstrando 12,6% de sobrevida livre de doença, achado este, semelhante aos nossos.

Boysen et al (22) demonstraram resultados semelhantes aos deste estudo, no qual o desenvolvimento de segundo tumor primário é constante, a partir do terceiro ano de seguimento e não há decréscimo de sua incidência com o tempo. Consideramos nosso seguimento adequado no diagnóstico de segundo tumor primário, baseando-se nos sintomas e sinais do paciente e realização anual de radiografia simples de tórax e endoscopia digestiva alta (no seguimento dos tumores de orofaringe), com índice de diagnóstico de 7,4% no período compreendido nesse estudo, uma vez que a realização de pan-endoscopia e tomografia computadorizada de rotina pode detectar um tumor maligno de esôfago ou pulmão assintomático. Entretanto, a relação custo-benefício e o baixo controle da doença nesses locais podem levar a questionar a validade desses exames rotineiros no seguimento do carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço (12). Uma crítica pode ser o baixo índice de diagnóstico das metástases a distância nesse estudo dentro do período considerado, haja vista que a detecção de doença é basicamente pelos relatos do paciente e sinais ao exame físico. Vale ressaltar que 61% das recidivas loco-regionais e metástases a distância de carcinoma espinocelular na cabeça e pescoço foram diagnosticados através dos sintomas dos pacientes relatados ao médico e evidência de lesão ao exame, enquanto que somente 39% foram detectadas através de exames, sem evidência de doença na consulta médica (23).

A sobrevida livre de doença em cinco anos de 70% dos pacientes tratados por segundo carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço corrobora os achados de literatura, em que o controle da doença assemelha-se aos casos de recidiva loco-regional diagnosticadas tardiamente (4). Ainda, em algumas situações, torna-se difícil o diagnóstico de segundo tumor na mesma área de cancerização prévia ou de recidiva diagnosticada tardiamente que permaneceu quiescente por mais de dois anos (2,11).

A incidência de metástase a distância isolada em trabalhos na literatura no seguimento do carcinoma espinocelular de cavidade oral e orofaringe apresenta índices de 5%, 7% e 20%, respectivamente; sendo que obtivemos metástase a distância isolada em 45% dos pacientes, com exceção de um caso, todos eram de estádio clínico avançado na admissão do pacientes (5-7). Esse resultado assemelha-se a outros, em que se encontrou maior índice de metástase a distância isolada e na presença de doença avançada inicialmente na cavidade oral e orofaringe (15). O diagnóstico de metástase à distância para base do crânio pode ser questionado como recidiva local ou regional, todavia, foram considerados os dados levantados nos prontuários médicos e com dificuldade de interpretação no diferencial de recidiva local, regional e metástase para base de crânio. Ambos os casos foram inicialmente irradiados por doença avançada em soalho e base de língua e presença de linfonodos em nível II comprometidos pela doença. Um dos casos foi diagnosticado com metástases a distância múltiplas.

Avaliando-se a sobrevida livre de doença e a sobrevida global a cinco anos dos pacientes em seguimento, observamos que os pacientes com câncer de cavidade oral e orofaringe apresentam baixos índices de morte por outras causas após o tratamento inicial. A principal causa de morte é representada pela recidiva loco-regional e a distância. Avaliando-se a sobrevida livre de doença e a sobrevida global a cinco anos dos pacientes submetidos ao tratamento de resgate, observamos que os pacientes com carcinoma espinocelular de boca e orofaringe apresentaram baixos índices de morte por outras causas. A principal causa de morte é representada pela recidiva loco-regional, demonstrando que o evento de diagnóstico da recidiva é o principal fator prognóstico da doença quando correlacionado à variável comorbidade e à neoplasia.

Assim, as diretrizes de seguimento ambulatorial dos nossos pacientes mostraram-se adequadas no diagnóstico da recidiva loco-regional, com ênfase na doença em estádio clínico precoce, assim como o prioritário e rápido manejo do paciente. As consultas ambulatoriais são mensais nos primeiros 18 meses e passando a serem bimestrais até o terceiro ano. A partir daí, trimestral até os cinco anos e após cinco anos, semestral.


CONCLUSÃO

A importância do seguimento nos pacientes com carcinoma espinocelular de cavidade oral e orofaringe é fator fundamental na sobrevida livre de doença após o tratamento de resgate das recidivas loco-regionais, assim como o estádio clínico na recidiva, especialmente em estádio clínico precoce (I e II), na indicação do tipo de tratamento de resgate.


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1. Mestranda do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis - Hosphel, São Paulo. Cirurgiã do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis - Hosphel, São Paulo.
2. Doutor em Medicina pelo Curso de Pós-graduação em Oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Docente do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis - Hosphel, São Paulo.
3. Doutor em Medicina pelo Curso de Pós-graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Docente do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis - Hosphel, São Paulo.
4. Doutor em Medicina pelo Curso de Pós-graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis - Hosphel, São Paulo.
5. Livre Docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis - Hosphel, São Paulo.
6. Doutor em Medicina pelo Curso de Pós-Graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Professor Titular de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Metropolitana de Santos.

Instituição: Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis - Hosphel. São Paulo / SP - Brasil.

Endereço para correspondência:
Rua Cônego Xavier, 276, 10º andar
São Paulo / SP - Brasil - CEP: 04231-030

Artigo recebido em 02 de Janeiro de 2009.
Artigo aprovado em 25 de Fevereiro de 2009.
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