INTRODUÇÃOEsofagite erosiva - lesão da mucosa do esôfago causada tanto por agentes extrínsecos como por agentes intrínsecos - é alteração corriqueiramente encontrada em centros de diagnóstico em gastroenterologia, muito frequentemente relacionada à Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE). DRGE trata-se, pela elevada prevalência, de um problema de saúde pública, de evolução crônica, recorrente e com comprometimento das atividades do cotidiano (1).
A associação entre DRGE e alterações laríngeas vem sendo debatida desde 1960 (2). Estudos recentes sugerem associação entre sintomas laríngeos, sintomas faríngeos e refluxo extra-esofágico, como sendo apresentação atípica da Doença do Refluxo Gastroesofágico (3).
Os sintomas otorrinolaringológicos podem ser enquadrados em uma entidade denominada Refluxo Laringofaríngeo (RLF), definido como sendo o resultado de conteúdo gástrico retrógrado para a luz laringofaríngea, quando então, entra em contato com o trato aerodigestivo superior (4). A maioria dos pacientes com RLF não apresenta sintomas clássicos de DRGE como pirose e regurgitação (5). Postula-se que aproximadamente 50-60% das laringites crônicas de difícil manejo tenham relação com DRGE (2).
São inexistentes na literatura estudos que relacionem o grau de esofagite com a presença e o grau de lesões laríngeas. Tal questão mostra-se importante, uma vez que modifica o tratamento proposto, bem como melhora significativamente e de forma mais rápida e eficaz a qualidade de vida dos pacientes corretamente tratados, de acordo com a extensão da sua doença.
O objetivo geral deste estudo é determinar a prevalência das alterações laríngeas em pacientes com esofagite erosiva, avaliados no Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná - HC/UFPR. E nosso objetivo específico é correlacionar a presença de alterações laríngeas em comparação com o grau de esofagite erosiva.
MÉTODOEstudo transversal de prevalência realizado nos Serviços de Endoscopia Digestiva e de Endoscopia Per-Oral do Hospital de Clínicas / UFPR.
Foram avaliados todos os pacientes submetidos à Endoscopia Digestiva Alta no Serviço de Endoscopia do HC/UFPR, de forma eletiva, durante o período de fevereiro 2009 a setembro de 2009. Aqueles pacientes com esofagite erosiva foram classificados de acordo com os critérios de Los Angeles (Gráfico 1) e responderam ao questionário (Gráfico 2). A seguir, submeteram-se a laringoscopia direta, sempre pelo mesmo examinador,com uso de laringoscópio rígido, sendo avaliado a presença de alterações laríngeas, bem como a natureza destas lesões (hiperemia, nódulos nas cordas vocais, edema, sinais de laringite posterior), e como o grau de gravidade dessas alterações.
Os dados foram organizados em um banco de dados criado no programa Epi-Info 6.0. A análise estatística foi realizada no programa "SPSS for Windows". O teste do qui-quadrado foi utilizado para avaliar a relação entre as variáveis do estudo. O nível se significância adotado foi menor que 5% (p < 0,05).
O protocolo seguiu as condições estabelecidas na Resolução MS 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Após os pacientes serem informados da finalidade do estudo, todos consentiram por escrito a sua participação. O trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do HC/UFPR (0292.0.208.000-08).
RESULTADOSTrinta pacientes concluíram o estudo. Desses, 16 eram do sexo masculino (53,3%) e 14 do sexo feminino (46,6%). A idade média foi de 49,1 anos, variando entre 27 e 81 anos.
Os pacientes com sintomas típicos de refluxo gastroesofágico corresponderam a 96,6%; dentre esses, 36,6% apresentavam sintomas atípicos.
Os pacientes foram classificados de acordo com os achados endoscópicos de acordo com a classificação de Los Angeles. Dezoito possuíam alterações compatíveis com classe A(60%), 7 com classe B (7%) e 5 com classes C + D (16,6%).
Dos 18 pacientes que apresentaram alterações endoscópicas compatíveis com classe A de Los Angeles (60%); desses 73%(13) apresentaram laringoscopia normal e 27,7%(05) possuíam alterações compatíveis com laringite posterior. Apenas 22%(4) dos pacientes apresentavam sintomas atípicos - desses, 50% com alterações laringoscópicas.
Dentre os 07 pacientes classificados como classe B de Los Angeles(23,3%), 42,8%(3) apresentaram laringite posterior. Três queixaram-se de sintomas atípicos (42,8%), dos quais 2 laringoscopias apresentaram alterações.
As classes C e D foram diagnosticadas em 5 pacientes (16,6%); todas as laringoscopias apresentaram alterações: 3 laringites posterior, 1 fenda triangular posterior e 1 vasculodisgenesia. Todos os pacientes eram sintomáticos.
A presença de alterações laringoscópicas foi mais prevalente nas esofagites mais severas (classes C e D de Los Angeles) quando comparada aos graus mais leves (classes A e B), diferença estatisticamente significativa (p<0,05).
Gráfico 1. Classificação de Los Angeles para esofagite - A - classe a; B - classe b; C+D - classes c+d.
Gráfico 2. Relação entre alterações na endoscopia, na laringoscopia e presença de sintomatologia em grupos separados de acordo com classificação de Los Angeles - A - endoscopia; B - laringoscopia; C+D - sintomatologia.
DISCUSSÃOSegundo a American Bronchoesophagological Association, os sintomas mais comuns de RLF são: pigarro (97%), globus faringeus (95%) e rouquidão e (95%) (9).
KOUFMAN (10) foi o primeiro a distinguir a DRGE do RLF, em seu estudo com 899 pacientes constatou que pigarro era encontrado em 87% dos pacientes com RLF e em apenas 3% dos pacientes com DRGE; já queimação retroesternal estava presente em 83% dos pacientes com DRGE, enquanto que, ocorria em apenas 20% dos pacientes com RLF.
Há três formas de confirmar RLF: (1) melhora dos sintomas após tratamento clínico com modificações do estilo de vida e medicação; (2) observação endoscópica da mucosa atingida; (3) demonstração de eventos de refluxo em estudos de monitorização de pH e estudo de impedância multicanal (4).
VAEZI (11) afirma que a EDA tem positividade de apenas 50% de lesão endoscópica esofágica em pacientes com sintomas típicos de DRGE, já em pacientes com RLF esse número alcança apenas 20%. Devido a baixa sensibilidade da EDA e pHmetria, e a baixa especificidade da laringoscopia, o tratamento empírico com IBP vem sendo considerado o primeiro passo no diagnóstico de manifestações extra-esofágicas do RGE(2). Naqueles pacientes em que não houver resposta outro diagnóstico deve ser investigado.
Os achados endoscópicos geralmente demonstram sinais não específicos, porém, sugestivos de RLF: hiperemia, estreitamento e edema concentrado principalmente na laringe posterior (laringite posterior). O exame endoscópico (seja por laringoscópio rígido ou flexível) deve ser realizado em todos os pacientes com suspeita de RLF (12). Em estudo publicado por YLITALO (12), 74% dos granulomas de contato na laringe estavam relacionados ao RLF. O pseudosulco foi encontrado 2,5 vezes mais frequentemente em pacientes com RLF (13). Entretanto, apenas 70% dos pseudosulcos estão relacionados ao RLF.
Os tecidos laríngeos inflamados são mais facilmente lesados durante a intubação, apresentam maior risco de formação de granulomas e úlceras de contato, e frequentemente estão envolvidos em estenoses subglóticas sintomáticas e doenças de vias aéreas inferiores (4).
BENINI et al (14), ao estudar o efeito do dano da mucosa, tanto laríngea quanto esofágica, como causador da diminuição do limiar da tosse, incluíram no estudo apenas pacientes com esofagite, num total de 21 pacientes estudados, encontraram incidência de laringite posterior em 13 pacientes (61,9%).
Em estudo realizado por TOROS et al (5), somente 11% dos pacientes com sintomas de RLF apresentaram alterações compatíveis com RGE a endoscopia.
Tal como ocorre na DRGE, a reposta ao tratamento do Refluxo Laringofaríngeo (RLF) com inibidores da bomba de prótons (IBP) tem sido descrito como altamente variável (15). Diferentemente da DRGE, o tratamento para RLF, em muitos casos, deve ser mais agressivo e prolongado, para atingir total resolução (10).
O tratamento de pacientes com RLF baseia-se no uso de inibidores da bomba de prótons em dose dobrada, divididas em duas tomadas, 30 - 60 minutos antes das refeições (4). Se após 3 meses de tratamento adequado com modificações de hábitos de vida e doses adequadas de IBP não houver resposta, há necessidade de exames complementares para confirmação diagnóstica.
Quando ocorre falha do médico assistente em reconhecer o RLF, os pacientes podem ter sintomas prolongados e demora para cicatrização das lesões, bem como serem submetidos a custos desnecessários, muitas vezes elevados, por diagnóstico inadequado (16).
CONCLUSÃOAs alterações laríngeas são achados frequentes nos pacientes com esofagite, sendo mais prevalentes quanto maior o grau da lesão esofágica. O médico assistente deve, portanto, utilizar ambos os exames no seu arsenal diagnóstico para pacientes com queixas típicas e atípicas de DRGE.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Kenneth RV, Donald OC. Practice Guidelines: Update Guidelines for the Diagnosis and Treatment of Gastroesophageal Reflux Didease. American Journal of Gastroenterology. 2005, 100:190-200.
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1 Médica Residente em Otorrinolaringologia do HC-UFPR.
2 Doutor. Professor do Serviço de Otorrinolaringologia do HC-UFPR.
3 Doutor. Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do HC-UFPR.
4 Médico. Residente do Serviço de Gastroenterologia do HC-UFPR.
5 Mestre. Professor do Serviço de Gastroenterologia do HC-UFPR.
Instituição: Hospital de Clínicas da UFPR. Curitiba / PR - Brasil. Endereço para correspondência: Marina Serrato Coelho - Rua Francisco Juglair, 298 301 B - Curitiba / PR - Brasil - CEP: 81200-230 - Telefone: (+55 41) 3360-1800 - E-mail: ma.serrato@hotmail.com
Artigo recebido em 27 de Janeiro de 2010. Artigo aprovado em 21 de Abril de 2010.