INTRODUÇÃORinossinusites é a mais frequente infecção aguda e crônica na otorrinolaringologia e pode ser descrita como uma inflamação da mucosa nasossinusal (1). O advento de diversos antibióticos eficazes contra as infecções nasossinusais, tem contribuído expressivamente para a redução da incidência de complicações da rinossinusite (2, 3). Se não diagnosticadas prontamente e adequadamente tratadas, tais complicações podem provocar alterações visuais irreversíveis, comprometimento ósseo, comprometimento neurológico importante e até a morte (2,4).
Dentre essas complicações, as orbitárias são as mais frequentes, e estas, ocorrem na maioria dos casos entre jovens e crianças. Isto se deve a fatores anatômicos e infecções do trato respiratório superior. A celulite orbital é uma dessas complicações que se manifesta através de edema e eritema palpebral, dor local, podendo evoluir com proptose e restrição do movimento ocular (5, 6, 7).
Embora menos prevalentes, as complicações intracranianas apresentam alta taxa de letalidade (entre 10 e 20% dos casos) merecendo uma especial atenção. As complicações intracranianas mais frequentes são: meningite, abscesso epidural, empiema subdural, trombose dos seios venosos e abcesso cerebral. Na literatura, porém, não há consenso sobre a ordem de predominância de cada uma dessas complicações (3, 4, 8). Complicações simultâneas envolvendo a órbita e o espaço intracraniano simultaneamente são extremamente raras, mas devem ser tratadas agressivamente pois oferecem risco à visão e alta taxa de mortalidade (4).
Neste trabalho, iremos apresentar um relato de caso de um paciente que se apresentou com celulite pré-septal e abscesso epidural, como complicações simultâneas de uma rinossinusite aguda.
RELATO DO CASOPaciente masculino, 13 anos, buscou atendimento em ambulatório de oftalmologia referindo olho pra fora e vermelho há 3 meses. Genitora referiu que o paciente iniciou há 3 meses eritema em região periorbitária esquerda seguido de proptose ipsilateral alguns dias depois. Nega febre no período e refere episódios esporádicos de rinorreia sanguinolenta. Não apresentava dados relevantes aos antecedentes médicos e familiares.
Ao exame oftalmológico apresentava proptose discreta, distopia inferior, edema de pálpebra superior e sinais flogísticos em olho esquerdo. Acuidade visual normal bilateral. Foi realizada tomografia computadorizada (TC) de crânio e seios paranasais na qual se constatou área com densidade de partes moles preenchendo totalmente o seio maxilar esquerdo, as células etmoidais esquerdas e parcialmente, os seios esfenoidais esquerdo e direito, destruição do teto da órbita esquerda, com sinais de infiltração de partes moles adjacentes ao globo ocular esquerdo (Figuras 1 e 2) e lesão hipodensa , extra-axial localizada na região frontal esquerda, medindo 4,6 X 4,1 cm nos seus maiores eixos, realce de contraste e efeito compressivo com apagamento de sulcos da convexidade e ventrículos sem alterações (Figuras 3 e 4).
Foi realizado internação clínica em enfermaria do ser¬viço de oftalmologia para realização de hemocultura se¬guida de antibioticoterapia por via parenteral (Oxacilina 8g/dia, Ceftriaxone 3g/dia e Metronidazol 1,5g/dia) e solicita¬da avaliação com neurocirurgia e otorrinolaringologia. Não houve crescimento bacteriano na amostra sanguínea enviada.
Em avaliação otorrinolaringológica, foi realizada a endoscopia nasossinusal que evidenciou presença de edema e drenagem de secreção mucopurulenta em meato médio à esquerda. Diante do diagnóstico de rinossinusite aguda complicada com celulite pré-septal e abscesso intracraniano, a equipe de otorrinolaringologia decidiu pela cirurgia endoscópica nasossinusal com drenagem do seio maxilar e etmoide anterior à esquerda que transcorreu sem intercorrências. Foi optado também pela equipe de neurocirurgia intervir cirurgicamente, sendo realizado drenagem do abscesso intracraniano. Mantido internado com antibioticoterapia venosa e introduzido corticoterapia no pré e pós-operatório, além de lavagem nasal com solução salina hipertônica. O paciente saiu de alta 15 dias após a cirurgia e permaneceu em uso de antibioticoterapia por via oral durante 6 semanas. Não houve crescimento bacteriano em cultura da secreção drenada.
Quarenta e cinco dias após a cirurgia o paciente apresentava-se estável e sem queixas. Exame oftalmológico e neurológico sem alterações. À tomografia de controle com sinais de craniotomia frontal esquerda (decorrente da intervenção cirúrgica), sem outros achados (Figura 5).
![](imagesFORL/15-02-18-fig01.jpg)
Figura 1. Tomografia computadorizada dos seios paranasais (corte coronal com janela para parte óssea) com áreas com densidade de partes moles preenchendo totalmente o seio maxilar esquerdo e células etmoidais à esquerda além de destruição do teto da órbita à esquerda.
![](imagesFORL/15-02-18-fig02.jpg)
Figura 2. Tomografia computadorizada dos seios paranasais (corte coronal com janela para parte óssea) com áreas com densidade de partes moles em seio esfeinodal esquerdo e parcialmente à direita.
![](imagesFORL/15-02-18-fig03.jpg)
Figura 3. Tomografia computadorizada de crânio evidenciando abscesso intracraniano.
DISCUSSÃOO paciente apresentado neste relato de caso é um adolescente do sexo masculino o que converge com os dados da literatura. Estudos anteriores, porém, não chegaram a uma explicação científica sobre a prevalência no sexo masculino. Já com relação à faixa etária, a maior incidência de IVAS (infecções de vias aéreas superiores) e a presença de osso diploico com maior grau de vascularização nas paredes dos seios destes pacientes geram esta condição (9).
O comprometimento orbital secundário à rinossinusite se deve a extensão direta da infecção através dos espaços perivasculares e deiscências ósseas da lâmina papirácea ou por tromboflebite das veias oftálmicas, facilitada pela inexistência de válvulas neste sistema venoso (4, 5, 7). A classificação proposta por Mortimore e Wormald baseia-se em achados tomográficos subdividindo as celulites orbitárias em pré e pós-septal (10). A celulite pré-septal, assim como no nosso estudo, manifesta-se com proptose ocular, edema e hiperemia palpebral além de dores durante movimentação ocular. Os reflexos pupilares e a acuidade visual do paciente, no entanto, apresentavam-se normais.
As complicações intracranianas da rinossinusite se devem à tromboflebite retrógrada ou por extensão direta através de deiscências congênitas ou traumáticas, erosão de parede sinusal ou forames pré-existentes. O seio frontal é o mais acometido (46%) seguido pelo etmoide, esfenoide e maxilar (4, 5, 8). Entretanto, a TC revela que no caso apresentado, não houve acometimento do seio frontal e a disseminação intracraniana ocorreu provavelmente através do seio etmoidal formando um abscesso epidural. Clinicamente, os pacientes com esta condição, apresentam cefaleia, febre, vômitos, letargia e alterações de comportamento (4, 8). Como no nosso caso o paciente não apresentava estes sintomas, alertamos para a necessidade do exame de imagem para complementação diagnóstica. Jones et col (8) encontrou 15% de envolvimento intracraniano silencioso em pacientes com edema periorbitário secundário à rinossinusite.
Segundo Herrmann et col (4), crianças com 7 anos ou mais têm maior risco de desenvolver simultaneamente complicações orbitárias e intracranianas. Eles encontraram no estudo fatores de risco para complicações intracranianas em crianças admitidas com complicação orbital decorrente de rinossinusite aguda. Esses fatores incluíam: maiores de 7 anos de idade, falta de resposta ao tratamento inicial, alterações neurológicas, opacificações do seio frontal na TC, abscesso orbital lateral ou superior, necessidade de drenagem do abscesso orbital, sexo masculino e africanos ou americanos.
O tratamento preconizado normalmente requer internação hospitalar, avaliação multidisciplinar e antibioticoterapia endovenosa de largo espectro. A indicação cirúrgica é fundamental nos casos de abscesso e em pacientes que não respondem ao tratamento clínico inicial (4, 7, 11). No paciente deste estudo, optou-se pelo tratamento clínico associado à cirurgia endoscópica nasossinusal e drenagem neurocirúrgica do abscesso intracraniano.
![](imagesFORL/15-02-18-fig04.jpg)
Figura 4. Tomografia computadorizada de crânio com apagamento de sulcos da convexidade.
![](imagesFORL/15-02-18-fig05.jpg)
Figura 5. Tomografia computadorizada de crânio 30 dias após drenagem cirúrgica, sinais de craniotomia frontal esquerda.
COMENTÁRIOS FINAISA TC foi suficiente no caso apresentado para a realização do diagnóstico. Recomenda-se entretanto, que nos casos de pacientes com complicações da rinossinusite, a investigação da extensão intracraniana seja aprofundada, mesmo quando esta, a princípio não seja tão evidente. Observar que, o paciente do caso relatado, não apresentava sintomas compatíveis com complicações intracranianas devendo-se ter uma atenção especial na avaliação de imagem, podendo ser complementada com a ressonância magnética, quando bem indicada. Dada a natureza polimicrobiana dessas infecções, uma antibioticoterapia agressiva guiada por cultura é indicada. Esta terapia, acompanhada por uma equipe multidisciplinar, como neste caso, aumenta consideravelmente o índice de sucesso terapêutico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Mitchell R, Kelly J, Wagner J. Bilateral orbital complications of pediatric rhinosinusitis. Archives Otolaryngology Head and Neck Surgery. 2002 Aug; 128:971-74.
2. Chaudhry I A, Shamsi FA, Elzaridi E, Al-Rashed W, Al-Amri A, Al-Anezi F, Arat Y O. Outcome of treated orbital cellulitis in a tertiary eye care center in the middle east. Ophthalmology. 2007 Feb; 114:345-54.
3. Góis C R T, Pereira C U, D'Ávila J S, Melo V A. Complicações intracranianas das rinossinusites. Arquivos Internacionais de Otorrinolaringologia. 2005(9): Num 4.
4. Herrmann B W, Forsen Jr J W. Simultaneous intracranial and orbital complications of acute rhinosinusitis in children. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology. 2004 May; 68:619-25.
5. Reid J R. Complications of pediatric paranasal sinusitis. Pediatric Radiology. 2004 Dec; 34:933-42.
6. Vairaktaris E, Moschos M M, Baltatzis S, Kalimeras E, Vgoustidis D A, Pappas Z, Moschos M N. Orbital cellulitis, orbital subperiosteal and intraorbital abscess. Report of three cases and review of the literature. Journal of Cranio-Maxillofacial Surgery. 2009 Apr; 37:132-36.
7. Howe L, Jones N S. Guidelines for the management of periorbital cellulitis/abscess. Clinical Otolaryngology. 2004 Dec; 29:725-28.
8. Jones N S, Walker J L, Bassi S, Jones T, Punt J. The intracranial complications of rhinosinusitis: can they be prevented ?. Laryngoscope. 2002 Jan; 112:59-63.
9. Gallagher R M, Gross C W, Philips C D. Suppurative intracranial complications of sinusitis. Laryngoscope. 1998; 108:1635-42.
10. Mortimore S, Wormald P J. The grooter schuur hospital classification of the orbital complications of sinusitis. Journal of Laryngology and Otology. 1997 Jun; 111: 719-23.
11. Eufinger H, Machtens E. Purulent pansinusitis, orbital cellulitis and rhinogenic intracranial complications. Journal of Cranio-Maxillofacial Surgery. 2001 Jan; 29: 111-17.
1 Médica Residente de Otorrinolaringologia pelo Hospital Universitário Professor Edgard Santos - UFBA - 2o ano.
2 Médico Residente de Otorrinolaringologia pelo Hospital universitário Professor Edgard Santos - UFBA - 3o ano.
3 Médica Otorrinolaringologista.
4 Doutor, Médico Otorrinolaringologista. Pesquisador associado do serviço de Otorrinolaringologia e Imunologia do Hospital Universitário Professor Edgard Santos - UFBA.
5 Doutor, Médico Otorrinolaringologista. Professor e Chefe do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Professor Edgard Santos.
Instituição: Departamento de Otorrinolaringologia - Hospital Universitário Edgard Santos - Universidade Federal da Bahia (UFBA). Salvador / BA - Brasil. Endereço para correspondência: Luana Alves de Souza - Rua Clemente Ferreira, 139 - Apto 201 - Canela - Salvador / BA - Brasil - CEP: 40110-200 - Celular: (+55 71) 9606-2333 - E-mail: lua_goias@hotmail.com
Artigo recebido em 6 de Agosto de 2009. Artigo aprovado em 14 de Dezembro de 2009.