INTRODUÇÃO
Os tumores glômicos representam a neoplasia benigna mais comum da orelha média e a segunda mais frequente no osso temporal, levando-se em consideração o schwannoma do vestibular2, 5. São extremamente vascularizados e originam-se dos corpos glômicos, que são quimiorreceptores derivados do tecido neural localizados no osso temporal. Podem ser encontrados na região da fossa jugular (adventícia do bulbo jugular), seguindo o nervo de Arnold (ramo cranial do X par), o nervo de Jacobson (ramo cranial do IX par) e corpos glômicos (paragânglios) encontrados no canalículo timpânico, promontório coclear e na área do gânglio geniculado no osso temporal8. Podem ocorrer em outros locais da cabeça e pescoço: bifurcação da carótida (corpo carotídeo), órbita (nervo ciliar), gânglio nodoso (corpo vagal), laringe e mediastino.
Os corpos glômicos foram descritos pela primeira vez em 1941 por Guild e em 1945, Rosenwasser relatou o primeiro caso de tumor glômico na orelha média tratado cirurgicamente2, 5. Apesar da maioria dos autores concordar que o tratamento de escolha é cirúrgico, ainda existe controvérsia em relação aos tumores de maior extensão5.
O objetivo deste estudo é analisar os dados clínicos e cirúrgicos de 13 pacientes consecutivamente submetidos a exérese cirúrgica de tumores glômicos em nosso serviço.
PACIENTES E MÉTODOS
Os autores realizaram um estudo prospectivo, acompanhando consecutivamente 13 pacientes com diagnóstico de tumor glômico, atendidos na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e submetidos a tratamento cirúrgico no período de agosto de 1997 a agosto de 1999.
Todos os pacientes foram submetidos à avaliação pré-operatória que consistiu em audiometria tonal e vocal e tomografia computadorizada (CT) de ossos temporais. Os pacientes com glomus jugular também foram submetidos a ressonância magnética (RM) de crânio e angiografia, sendo realizado embolização 48 horas antes do ato cirúrgico, independentemente da sua classificação (Figuras 1, 2, 3).
Figura 1. Ressonância magnética de paciente com glômus jugular à esquerda.
Figura 2. Angiografia de paciente com glômus jugular pré-embolização do tumor.
Figura 3. Angiografia pós-embolização de tumor glômus jugular.
Foram analisados os seguintes dados: sexo, idade, quadro clínico, tipo de acesso cirúrgico e complicações pós-operatórias. Os tumores foram classificados segundo Fisch e Mattox , como pode ser visto no Quadro 1.
Quadro 1: Classificação de Fisch e Mattox para tumores glômicos (1988).
tipo A: tumor confinado à orelha média
tipo B: tumor limitado à área timpanomastóide sem envolvimento do compartimento intralabirírntico
tipo C: tumor envolvendo o compartimento intralabiríntico do osso temporal e extendendo-se para o ápice petroso, sem extensão intracraniana
- C1: erosão do forame carotídeo e região inferior do segmento vertical do canal carotídeo.
- C2: erosão completa do segmento vertical do canal carotídeo
- C3: erosão do segmento horizontal do canal carotídeo
- C4: extensão para ápice petroso, forame lacerum e seio cavernoso
tipo D1: tumores com extensão intracraniana menor que 2 cm de diâmetro
tipo D2: tumores com extensão intracraniana maior que 2 cm de diâmetro
- De: extensão intracraniana extradural
- Di: extensão intracraniana intradural
RESULTADOS
Os 13 pacientes apresentavam idade entre 22 a 61 anos (média de 45,07 anos), sendo todos do sexo feminino. 5 (38,46%) eram glomus timpânicos e 8 (61,53%) jugulares. Nenhum paciente havia sido submetido a qualquer tipo de tratamento prévio.
Os resultados foram avaliados separadamente para os pacientes com glomus timpânico e glomus jugular.
A) Pacientes com glomus timpânico
1 - Quadro clínico
Encontramos hipoacusia condutiva em 80% dos pacientes e zumbido pulsátil em 60%. Apenas 1 paciente era assintomático, tendo procurado o serviço por queixas nasais e o diagnóstico feito por achado de massa avermelhada à otoscopia (Tabela 1). A audiometria tonal pré-operatória mostrava 4 pacientes (80%) com hipoacusia condutiva e apenas 1 paciente com audição normal. Após o ato cirúrgico, a audição manteve-se inalterada em 4 pacientes e 1 paciente que apresentava hipoacusia condutiva evoluiu com disacusia neurossensorial profunda (Tabela 2).
2 - Classificação do tumor
3 pacientes (60%) foram classificados como tipo A e 2 pacientes (40%) como tipo B (Tabela 3).
3 - Acesso cirúrgico
A via endaural foi utilizada em 2 pacientes (40%), a via transmastóidea com cavidade fechada em 2 (40%) e a via transmastóidea com cavidade aberta em 1 paciente (20%) (Tabela 4).
4 - Complicações pós-operatórias
Um paciente (20%) apresentou paralisia facial e disacusia neurossensorial profunda devido a dificuldades técnicas pela localização do tumor.
B) Pacientes com glomus jugular
1 - Quadro clínico
Os sintomas encontrados foram: hipoacusia (100%), zumbido pulsátil (50%), disfonia (50%), disfagia (50%), paralisia facial periférica (37,5%), otalgia (12,5%), vertigem (12,5%) e disartria (12,5%) (Tabela 1).
A audiometria tonal pré-operatória mostrou que 62,5% dos pacientes apresentavam disacusia neurossensorial (5 pacientes), 25% condutiva (2 pacientes) e 12,5% mista (1 paciente). Após a cirurgia, a mesma distribuição foi encontrada. (Tabela 2).
2 - Classificação do tumor
Verificamos que 6 pacientes (75%) eram classificados como tipo C1, 1 paciente como tipo C2 e 1 paciente como tipo D1. (Tabela 3).
3 - Acesso cirúrgico
Todos os pacientes foram abordados por via infratemporal tipo A de Fisch.
4 - Complicações pós-operatórias
Antes da cirurgia, conforme comentado no ítem Quadro Clínico, foi encontrado déficit do VII nervo craniano em 3 pacientes (37,5%), do VIII em 5 pacientes (62,5%), do IX em 4 pacientes (50%), do X em 4 pacientes (50%) e do XII em 1 paciente (12,5%). No 3o mês pós-operatório, durante o seguimento ambulatorial, 7 pacientes (87,5%) apresentavam déficit do VII nervo craniano, 5 pacientes (62,5%) do VIII nervo, 5 pacientes (62,5%) do IX, 5 pacientes (62,5%) do X, 1 paciente (12,5%) do XI e 1 paciente (12,5%) do XII nervo craniano. (Tabela 5).
Fístula liquórica e meningite ocorreu em 1 paciente (12,5%). Apenas um paciente apresentou vertigem (12,5%) (Tabela 5).
Tabela 1: Quadro clínico de apresentação dos pacientes com tumores glômicos.
Sintomas Glomus timpânico Glomus jugular
n = 5 n = 8
Zumbido pulsátil 3 4
Hipoacusia 4 8
Vertigem/tontura 0 1
Otalgia 0 1
Disfonia 0 4
Disfagia 0 4
Paralisia facial 0 3
Disartria 0 1
Assintomático 1 0
Tabela 2: Avaliação auditiva pré e pós-operatória dos pacientes com tumores glômicos.
Glomus timpânico Glomus jugular
Pré-op Pós-op Pré-op Pós-op
Normal 1 1 0 0
Condutiva 4 3 2 2
Mista 0 0 1 1
Neurossensorial 0 1 5 5
Tabela 3: Distribuição dos pacientes com tumores glômicos de acordo com a classificação segundo Fisch-Mattox (1988).
Glomus timpânico Tipo A: 3
Tipo B: 2
Glomus jugular Tipo C1: 6
Tipo C2: 1
Tipo D1: 1
Tipo D2: 0
Tabela 4: Tipo de acesso cirúrgico utilizado na abordagem dos tumores glômicos.
Glomus timpânico Glomus jugular
Endaural 2
Transmastóidea - cavidade fechada 2
Transmastóidea - cavidade aberta 1
Infratemporal tipo A de Fisch 8
Tabela 5: Complicações pré e pós-operatórias recentes nos pacientes com glomus jugular avaliados até o 3o mês pós-operatório de seguimento ambulatorial.
Complicações: Pré -operatório Pós-operatório recente
(até o 3o mês pós-op)
VII 3 7
VIII 5 5
IX 4 5
X 4 5
XI 0 1
XII 1 1
Fístula liquórica 0 1
Meningite 0 1
Vertigem 0 1
DISCUSSÃO
Os tumores glômicos são caracterizados por um "glomus" (do latim-bola) de vasos sanguíneos, geralmente capilares, delimitados por células epiteliais uniformes.
O crescimento tumoral geralmente é lento e normalmente são tumores histologicamente benignos, podendo ser malignos em cerca de 1 a 13% dos casos7. Entretanto, estes tumores são perigosos, pois possuem capacidade de destruição óssea e invasão de estruturas adjacentes. A taxa de mortalidade é de aproximadamente 6%, sendo atribuída à progressão local do tumor2. O diagnóstico é sugerido pelo quadro clínico característico com zumbido pulsátil, hipoacusia e otoscopia evidenciando uma massa avermelhada. O envolvimento de pares cranianos é decorrente do crescimento tumoral, sendo o nervo facial o mais frequentemente acometido. Os pares bulbares (IX, X e XI) também podem estar comumente comprometidos.
O principal exame complementar é a CT de ossos temporais que mostra bem a destruição óssea causada pelo tumor. Em tumores maiores, a RM de crânio e a angiografia são necessárias para a avaliação do acometimento do Sistema Nervoso Central (SNC) e de grandes vasos (carótida interna). Todos os glomus jugulares independentemente do tamanho realizam estudo angiográfico em nosso serviço. As opções terapêuticas podem ser paliativas (radioterapia, embolização ou a combinação de ambos) ou definitiva (cirurgia isolada ou associada à radioterapia ou embolização)6. O tratamento deve ser individualizado levando-se em consideração a idade do paciente, local e tamanho do tumor. A maioria dos autores concorda que o tratamento de escolha para estes tumores é a excisão cirúrgica, porém para os tumores jugulares extensos, o melhor tratamento ainda é controverso já que a cirurgia apresenta riscos de vida e complicações debilitantes. A radioterapia não tem demonstrado um controle adequado do crescimento tumoral a longo prazo, podendo ser, entretanto, uma alternativa apropriada para os pacientes que não podem ser submetidos a procedimento cirúrgico.
Na literatura, encontramos uma predominância de pacientes do sexo feminino (de 4 a 6 vezes em relação ao masculino), geralmente entre a quinta e sexta década de vida4, 5. Neste estudo, todos os pacientes acompanhados eram do sexo feminino, com idade média de 45,07 anos, mostrando uma faixa etária mais jovem, podendo ser atribuída a uma maior precocidade no diagnóstico.
Em relação ao glomus timpânico, encontramos zumbido pulsátil em 60% dos pacientes e hipoacusia condutiva em 80%. Woods e cols. relataram 76% de zumbido pulsátil e 52% de hipoacusia condutiva9. Esta predominância de sintomas se deve à localização do tumor na orelha média, interferindo no mecanismo de transmissão sonora e pela intensa vascularização do tumor. Quanto ao acesso cirúrgico, foi realizado exérese por via endaural em 2 pacientes (40%), por via transmastóidea com cavidade fechada em 2 pacientes (40%) e por via transmastóidea com cavidade aberta em 1 paciente (20%). A opção da via de escolha baseou-se na extensão tumoral, avaliada tanto em exames de imagem (CT de ossos temporais) como em achados intra-operatórios. A excisão tumoral via endaural é indicada somente quando é possível a visualização completa de todas as bordas da tumoração 1. Em tumores maiores, a via transmastóidea permite uma melhor abordagem, sendo que a cavidade aberta permite um melhor controle do sangramento1.
O único caso de complicação foi devido a dificuldades técnicas encontradas no intra-operatório através da via endaural, onde verificou-se que a massa tumoral se localizava sobre o nervo facial e a sua ressecção provocou a lesão do nervo (o qual foi suturado com enxerto de nervo sural no próprio ato cirúrgico) e do canal semicircular lateral.
Nos pacientes com glomus jugular, todos apresentavam hipoacusia em graus variados, principalmente do tipo neurossensorial (75%). O zumbido também foi uma queixa freqüente (100%), embora somente metade dos pacientes apresentavam zumbido do tipo pulsátil. Woods e cols. relataram presença de zumbido pulsátil em 77,77% dos pacientes e hipoacusia em 60,6% dos pacientes9. Este quadro é devido ao grau de invasão tumoral de estruturas da orelha média e interna, comprometendo a sua função. Os déficits de nervos cranianos foram encontrados com alta freqüência na avaliação pré-operatória, principalmente paralisia facial (VII nervo) em 37,5% dos pacientes, disfagia (IX e X nervos) e disfonia (X nervo) em 50% dos pacientes. No trabalho realizado por Woods e cols, foi encontrado comprometimento de pares cranianos em menores proporções, sendo do VII nervo em 12%, IX em 21% e X em 31%9. Esta distribuição acometendo mais comumente os IX e X nervos cranianos está relacionada a localização inicial do tumor no forame jugular. As complicações pós-operatórias encontradas foram principalmente relacionadas aos nervos cranianos, devido a dificuldade de ressecção pela extensão tumoral. Houve um aumento do déficit de nervo facial de 37,5% para 87,5% no pós-operatório recente (3º mês pós-operatório), fato devido à manipulação do nervo durante a cirurgia, não havendo secção anatômica em nenhum paciente. Um paciente apresentou meningite secundária a fístula liquórica pela ferida cirúrgica.
CONCLUSÃO
Os tumores glômicos apresentaram prevalência importante no sexo feminino, apresentando-se com sintomas de hipoacusia em 92,3% e zumbido em 53,85% dos casos. O tratamento cirúrgico foi eficaz em todos os casos. As complicações pós-operatórias foram relacionadas a deficit de nervos cranianos e mais comum nos tumores jugulares mais extensos.
Referências BIBLIOGRáficas
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4. Glasscock, ME; Jackson, CG; Dickins, JRE; Wiet, RJ. - Panel discussion: glomus jugulare tumors of the temporal bone. The surgical management of glomus tumors, Laryngoscope, 89: 1640-1654, 1979.
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9. Woods, CI; Strasnick, B; Jackson, CG. - Surgery for glomus tumors - the otology group experience, Laryngoscope, 103 (Suppl):65-70,1993.
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho apresentado no I Congresso Triológico de Otorrinolaringologia realizado de 13 a 18 de novembro de 1999, em São Paulo, SP.
Endereço para correspondência: Ricardo F. Bento - Rua Pedroso Alvarenga, 1255, cj.22 - Cep: 04531-012 - São Paulo - SP - Tel: (0xx11) 3167-6556 Fax: (0xx11) 881-6769 - E-mail: rbento@attglobal.net
1- Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
2- Médicos Residentes da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
3- Médicos Residentes da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
4- Médico Assistente Doutor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
5- Médico Pós Graduando da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
6- Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.