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Ano: 2000  Vol. 4   Num. 1  - Jan/Mar Print:
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Porque a reabilitação vestibular falha?
Author(s):
1Roseli Saraiva Moreira Bittar, 2Maria Elisabete Bovino Pedalini, 3Lázaro Gilberto Formigoni
Palavras-chave:
reabilitação vestibular, vertigem, exercícios.
Resumo:

A finalidade do estudo é avaliar os motivos pelos quais alguns pacientes não respondem satisfatoriamente à terapia de reabilitação vestibular, mesmo quando adequadamente realizada. A reabilitação tem se mostrado efetiva na grande maioria, mas não para todos os pacientes. São avaliados 27 pacientes, correspondentes a 23% de uma casuística inicial total de 116 casos, portadores de etiologias diversas, que não apresentaram melhora satisfatória de seus sintomas após o tratamento. Observou-se que 30% dos casos eram pacientes portadores de processos vasculares, 23% de lesões centrais, 19% de problemas psiquiátricos, 12% de hidropisia endolinfática, 8% de distúrbios metabólicos e 8% permaneceram sem diagnóstico definitivo. Conclui-se que, mesmo nos casos onde a melhora dos sintomas não foi evidente, a reabilitação vestibular funcionou como ferramenta auxiliar ao diagnóstico final.

INTRODUÇÃO

A Reabilitação Vestibular (RV) é um procedimento terapêutico moderno, fisiológico, inócuo e eficaz, cujo objetivo é restaurar o equilíbrio do paciente, acelerando os mecanismos de compensação central1,2,3,4,5. Nesse aspecto, seu uso tem melhorado a qualidade de vida dos doentes de forma surpreendente, estimulando a vida saudável e orientando o paciente a conhecer e de certa forma, controlar seus sintomas. Sua eficácia no Setor de Otoneurologia do HCFMUSP, quando considerado o total de pacientes tratados, é de 80% 6.

Cada vez mais os resultados obtidos e relatados pela literatura mundial incentivam os pesquisadores a buscar novas fronteiras de utilização desse método, que hoje já é consagrado3,4,6,7. Como terapia suplementar ou única, não há dúvida que nos dias atuais a RV é a melhor opção terapêutica nos pacientes portadores de vestibulopatias, porque além de melhorar sobremaneira o equilíbrio do doente, tem ainda função profilática, ajudando-o a restabelecer a confiança em si mesmo, reduzindo a ansiedade e melhorando o convívio social1,8,9,10.

No entanto, embora bem conduzida, algumas vezes a RV não surte os efeitos desejados e inicialmente propostos. Alguns doentes, melhoram muito pouco ou quase nada de seus sintomas, mesmo havendo empenho tanto de sua parte como por parte do terapeuta. Assim, este trabalho tem por objetivo avaliar as diversas causas pelas quais alguns pacientes não respondem de forma satisfatória ao tratamento corretamente realizado.

PACIENTES E MÉTODOS

Foram analisados 27 pacientes portadores de labirintopatias de etiologias diversas, com idades variando entre 16 e 95 anos (média = 55,5 anos), que não obtiveram melhora com a RV. Destes, 13 eram do sexo feminino e 14 do sexo masculino. Tais pacientes correspondem à porcentagem aproximada de 20% de um total de doentes submetidos à RV, conforme publicação anterior6.

Empregamos exercícios de RV baseados na proposta original de Cawthorne e Cooksey4,6,11, que estimulam as vias visuais e somatossensitivas através da movimentação dos olhos, cabeça e corpo.

Na primeira sessão e durante todo o processo terapêutico, o paciente recebeu orientação a respeito da fisiologia básica do sistema vestibular. Foram, então, ensinados a realizar exercícios domiciliares, que deveriam ser feitos diariamente, 2 vezes ao dia. O seguimento inicialmente proposto foi de 90 dias com duas reavaliações aos 30 e 60 dias. Os pacientes que não apresentaram melhora no período, foram classificados em relação ao diagnóstico.

RESULTADOS

Os diagnósticos observados nos pacientes que falharam na terapêutica da reabilitação vestibular estão visualizados na Tabela 1.


TABELA 1

NOME IDADE SEXO DIAGNÓSTICO

AASG 53 F SÍNDROME DE MÉNIÈRE
AOF 36 M SÍNDROME DO PÂNICO
ARB 69 M DIABETE DESCOMPENSADO
JBJ 57 M LESÃO CENTRAL PÓS TCE
FN 55 M IVB SEVERA
AN 47 M HERNIAÇÃO CEREBELAR
FVS 62 F IVB SEVERA
JS 75 M IVB SEVERA
FPB 72 M IVB SEVERA
VSA 16 M LESÃO CENTRAL PÓS TCE
AJB 40 F SINDROME DE MÉNIÈRE
MDO 69 F IVB SEVERA
IGA 49 F SÍNDROME DESMIELINIZANTE
MLS 56 F DIABETE DESCOMPENSADO
TC 72 F LESÃO CENTRAL PÓS ANESTESIA
SALS 26 M DISTÚRBIO PSIQUIÁTRICO
GMS 79 F DISTÚRBIO PSIQUIÁTRICO
SC 51 M SÍNDROME DO PÂNICO
MAO 50 F DISTÚRBIO PSIQUIÁTRICO
CAS 50 M LESÃO CENTRAL PÓS TCE
MCR 74 F HAS INSTÁVEL
DG 71 F SEM DIAGNÓSTICO DEFINITIVO
MMJ 27 M SEM DIAGNÓSTICO DEFINITIVO
MAL 33 F SÍNDROME DE MÉNIÈRE
FP 95 M ARRITMIA CARDÍACA
AA 62 M IVB SEVERA
MIA 54 F IVB SEVERA

Legenda: TCE - trauma crânio encefálico; IVB - insuficiência vértebro basilar; HAS - hipertensão arterial sistêmica



Gráfico 1. Diagnóstico sindrômico dos pacientes submetidos a reabilitação vestibular.


Como podemos observar, apenas dois pacien­tes ficaram sem diagnóstico definitivo, corres­pondendo a 7,4% da amostragem. As causas vasculares predominaram, sendo estabe­lecidas em 8 pacientes (29,6%). As lesões de origem central ocorreram em 6 casos (22,2%), enquanto os distúrbios psiquiátricos foram diagnosticados em 5 pacientes (18%). Já os processos instáveis ocorreram em 5 pacientes: hidropisia em 3 casos (11%) e descompensação metabólica em outros 2 casos (7,4%).

Os resultados podem ser visualizados no Gráfico 1.

DISCUSSÃO

Nossa finalidade através da RV foi constituir um novo padrão de informação periférica ao sistema nervoso central, tornando-o mais independente de informações vestibulares e reestru­turando assim seu sistema de resposta como um todo2,3.

Podemos observar algumas características que reúnem nossos casos em alguns grupos:

1. Indicação inadequada

Uma das principais diretrizes que o médico deve respeitar na indicação da RV é tratar a etiologia desencadeante da vestibulopatia. Para haver resposta adequada, é preciso que o processo seja estável, ou seja, não aconteça em surtos ou crises. Nesse aspecto, devem ser corrigidos anteriormente à indicação da RV, os processos de flutuação auditiva que ocorrem na hidropisia endolinfática, como as disfunções hormonais, metabólicas, etc. Há ainda os processos desmielinizantes em evolução e o caso de herniação do cerebelo, doenças neurológicas, que merecem anteriormente outro tipo de abordagem.



2. Instabilidade vasomotora

Aqui podemos incluir os casos de enxaquecas descompensadas, arritmias cardíacas ou hipertensão não controlada, que geram surtos de hipofluxo cerebral e do labirinto, por vezes severos, podendo inclusive levar à perda da consciência. Podemos considerar ainda, os casos de uso de medicamentos anti-hipertensivos em dose elevada, que dependendo de seu grupo farmacológico, podem causar hipotensão postural.elevada, que dependendo de seu grupo farmacológico, podem causar hipotensão postural.

3. Limitação física

Colocamos neste tópico os doentes que apresentam dificuldade ou impossibilidade na realização dos exercícios em função de problemas anatômicos e/ou funcionais severos. Alguns pacientes classificados com IVB severa podem ser incluídos neste tópico. Como exemplo, citamos a estenose de artéria vertebral, as lesões de coluna cervical, que levam à dor ou a um prejuízo considerável de fluxo sangüíneo do tronco cerebral por ocasião dos movimentos cervicais. Nestes casos, torna-se sacrificante a movimentação do pescoço e existe indicação de avaliação de cirurgia vascular desobstrutiva ou ortopédica. Outros casos a serem considerados são os pacientes que apresentam limitação de deambulação, pois neste caso, os exercícios de marcha não podem ser realizados, comprometendo o resultado do tratamento.

4. Problemas psiquiátricos

Neste grupo estão os pacientes que apresentam má evolução qualquer que seja o tratamento, medicamentoso ou fisioterápico, indicado para o processo vestibular. São portadores de síndromes ansiosas de gravidade variável, síndromes depressivas, síndrome do pânico e outros processos que necessitam auxílio de drogas de uso psiquiátrico e/ou psicoterapia.

5. Lesões pós trauma crânio encefálico

As tonturas oriundas de traumatismo crânio encefálico podem apresentar diversos sítios de origem, resultando em sintomatologia de difícil tratamento. Mesmo com a execução correta dos exercícios, não observamos melhora importante do quadro.

Quando consideramos a indicação da RV em Síndrome de Menière, devemos sempre tentar estabilizar o processo etiológico gerador da síndrome, podendo-se ainda optar pela RV como terapia de auxílio ao paciente, ensinando-o a lidar com os sintomas durante as crises2,3,12. Nesse aspecto, os pacientes deixam de ter medo e passam a utilizar estratégias de compensação como por exemplo, a fixação visual.

Embora tenhamos encontrado casos de IVB e TCE sem resposta ao tratamento, devemos considerar que muitos desses pacientes apresentam boa evolução quando indicada a RV, ficando a terapia como um método de auxílio ao especialista, principalmente nos casos onde há indicação de cirurgia neurológica ou vascular6. Em nossa casuística pessoal, a absoluta maioria dos pacientes portadores desses diagnósticos apresentam resultado satisfatório.

Como podemos observar, a grande maioria dos pacien­tes que não responderam ao tratamento constitui-se de idosos, o que não quer dizer que o idoso responde mal à RV. Alguns pacientes que apresentam severos quadros de instabilidade e desequilíbrio secundários à falta de irrigação adequada do cérebro, encontram na RV alívio importante de seus sintomas. Nossa casuística de melhora de pacientes idosos portadores de síndromes de desequilíbrio conseqüentes à baixa irrigação é maior que 70%, chegando alguns deles a ficarem assintomáticos sem qualquer medicação.

Incluímos ainda na limitação física, os pacientes que não deambulam, como paraplégicos ou portadores de problemas severos de locomoção, embora a contra-indicação seja relativa, pois ainda podemos tentar a estimulação de outras vias aferentes não comprometidas: visual ou proprioceptiva cervical. Da mesma maneira, o paciente deficiente visual poderá ser intensamente estimulado através de sua propriocepção, ainda que os resultados não sejam tão animadores. Assim, a RV apresenta ainda a finalidade de estabelecer um importante diagnóstico diferencial entre os casos que devem ou não usar medicação ou ter indicação cirúrgica.

Realmente difíceis são os pacientes portadores de problemas psiquiátricos, pois a tontura que apresentam não é decorrente de uma lesão específica, mas de um complexo conjunto de alterações neurológicas e comportamentais. Para esses casos, apenas o tratamento psiquiátrico adequado surte o efeito desejado. Como comentado anteriormente, ainda aqui, a RV funciona como terapia auxiliar ao profissional médico no correto diagnóstico da patologia de origem.

Um outro aspecto interessante diz respeito a alguns casos que eventualmente mudam suas características clínicas durante ou após o tratamento de RV. Muitas vezes, uma síndrome vertiginosa de complexa localização, passa a apresentar um claro diagnóstico de origem, em vista da melhora de alguns aspectos trabalhados na terapia, facilitando assim seu tratamento. Nesse caso não há falha, mas sim um resultado parcial que nos auxilia na correta abordagem dos doentes que precisam de tratamentos associados.

Referências BILIOGRáficas

1. Pennington, KM; Keith, RW. Vestibular rehabilitation. Head Neck Surg, 5:324-9,1997.

2. Dix, MR. The physiological basis and pratical value of head exercises in the treatment of vertigo. Practitioner, 217:919-24, 1976.

3. Norré, ME; Weerdt, W. Treatment of vertigo based on habituation. J Laryngol Otol, 94:971-77, 1980.

4. Hamid, M.A. Vestibular and Balance Rehabilitation. IN: Hughes,G.B. & Pensak,M.L., Clinical Otology. Editora Thieme - New York, 1997

5. Pfaltz, CR. Vestibular compensation physiological and clinical aspects. Acta Otolaryngol, 95:402-6, 1983.

6. Pedalini, MEB; Bittar, RSM; Formigoni, LG; Cruz, OLM; Bento, RF; Miniti. A Reabilitação vestibular como tratamento da tontura: experiência com 116 casos. Arquivos da Fundação Otorrinolaringologia, 3(2):74-8, 1999.

7. Nandapalan, V; Smith, CA; Jones, AS; Lesser, THJ. Objetive measurement of the benefit of walking sticks in peripheral vestibular balance disorders, using the Sway Weigh balance platform. J Laryngol Otol, 109:836-40, 1995.

8. Cohen, H. Vestibular rehabilitation improves daily life function. Am J Occup Ther, 10:919-25, 1994.

9. Luxon, LM. The medical management of vertigo. J Laryngol Otol. vol III. p.1114-1121, 1997.

10. Cohen, H. Occupation and visual/vestibular interaction in vestibular rehabilitation. Otolaryngol Head Neck Surg, 112:526-32, 1995.

11. Cooksey, FS. Rehabilitation in the vestibular injuries. Proc R Soc Med, 39:273-75, 1946.

12. Bittar, RSM; Pedalini, MEB; Formigoni, LG. Reabilitação vestibular: Uma arma poderosa no auxílio a pacientes portadores de tontura. Rev. Bras. ORL, 65(3):266-9, 1999.

Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP .- Serviço do Prof. Aroldo Miniti.
Endereço para correspondência: Dra. Roseli Bittar - Hospital das Clínicas - Divisão de Clínica Otorrinolaringológica - Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 6o andar, sala 6002 - Tel: (0xx11) 3069-6288 - Fax: (0xx11) 280-0299.

1- Assistente Doutor do Setor de Otoneurologia.
2- Fonoaudióloga responsável pelo ambulatório de Reabilitação Vestibular.
3- Professor Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
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