Introdução
A tontura é das queixas mais prevalentes na prática da medicina1,2, porém um sintoma pouco compreendido em pacientes idosos3. Definida como uma ilusão de movimento, muitas sensações podem ser referidas pelos pacientes como tontura, tais como irritabilidade, desequilíbrio e flutuação, entre outras. Após os 60 anos, a queixa torna-se freqüente em conseqüência dos distúrbios apresentados com o envelhecimento do organismo4, 5, 6, 7.
Devido à melhoria das condições de saúde e aumento da expectativa de vida no mundo, assim como no Brasil, existe a tendência ao aumento da população de terceira idade e com ela, aumento da incidência de sintomas como a tontura, muito freqüente nesse período da vida. Precisamos estar preparados para lidar com os diferentes tipos de tontura, com a finalidade de diagnosticar e tratar corretamente a sua etiologia e não somente oferecer ao paciente medicamentos sintomáticos. Existem ainda, outros fatores que contribuem para o desequilíbrio além de desordens vestibulares, tais como alterações visuais, doença de Alzheimer, o uso de drogas tricíclicas ou neurolépticas8, anormalidades na pressão senguínea e até fraqueza da musculatura dos membros inferiores7.O tratamento inadequado do paciente, principalmente do idoso, onde o desequilíbrio é queixa prevalente, resultará em outros sintomas importantes como depressão e ansiedade, isolamento social, de suas atividades diárias e até piora da tontura9,10,11.
Preocupados com o melhor atendimento e investigação do paciente idoso portador de tontura, resolvemos analisar retrospectivamente as principais alterações do exame otoneurológico, particularmente a eletronistagmografia, nessa faixa etária.
Materiais e métodos
Foram analisados neste estudo o exame otoneurológico de 35 pacientes do ambulatório de Otoneurologia do Hospital das Clínicas da FMUSP que apresentavam diferentes tipos de tontura. A idade variou entre 60 e 84 anos com média de 69,4 anos, sendo 19 pacientes do sexo feminino (54,3%) e 16 do sexo masculino (45,7%).
O tempo do início dos sintomas de tontura variou de 20 dias a 20 anos com média de 4 anos e 8 meses.
Todos os pacientes foram submetidos a exame otoneurológico completo com especial atenção neste estudo para alterações do exame eletronistagmográfico.
Resultados
O exame eletronistagmográfico mostrou presença de nistagmo espontâneo em 9 (25,7%) pacientes. O nistagmo optocinético mostrou-se incoordenado em 3 (8,5%) pacientes e assimétrico em 8 (22,8%). Foi encontrado nistagmo espontâneo na prova posicional sentada em 12 (34,3%) casos. O rastreio (estímulo visual) apresentou curva tipo I em 15 (42,8%) pacientes, II em 3 (8,6%), III em 13 (37,1%) e IV em 2 (5,7%) casos. Em 10 (29%) dos pacientes obtivemos presença de nistagmo de posição. Foi observado predomínio labiríntico em 13 (37%) casos e preponderância direcional em 7 (20%). As alterações encontradas são observadas nos Gráficos de 1 a 4.
Gráfico 1. Incidência em porcentagem (%) das alterações eletronistagmográficas apresentadas pelos pacientes estudados.
Gráfico 2. Incidência de preponderância direcional na população estudada.
Gráfico 3. Incidência de predomínio labiríntico na população estudada.
Gráfico 4. Incidência de nistagmo posicional na população estudada.
Discussão
Pacientes idosos com tontura costumam apresentar maior número de quedas, além de resistência global ao movimento por medo de cair12. Esta restrição ao movimento pode ser importante ao ponto de induzir a administração de diuréticos, na hipótese diagnóstica de insuficiência cardíaca devido ao edema nos tornozelos, o que agrava o problema vestibular11.
Em relação ao nistagmo que aparece no paciente idoso quando assume a posição sentado, podemos observar que não é um fato incomum. É difícil encontrarmos um idoso que não esteja tomando vários medicamentos e entre eles, antihipertensivos. Esse nistagmo é a expressão do hipofluxo, muitas vezes em decorrência da quantidade exagerada de medicamentos que consomem.
Já o nistagmo provocado pelo estímulo pendular está entre o tipo II e III na grande maioria dos pacientes idosos. O envelhecimento do organismo compromete a força muscular do corpo, e em especial da musculatura extrínseca do olho, dificultando assim a perseguição ocular, que apresenta-se com entalhes. Esses entalhes podem refletir então não apenas comprometimento das vias oculares, mas também da musculatura extrínseca do globo ocular.
O nistagmo optocinético apresenta uma limitada resposta em relação ao aumento do estímulo13. No nosso estudo, além desta alteração, também observamos nistagmo optocinético incoordenado em 8,5% dos pacientes e assimétrico em 22,8%.
São poucos os estudos que se propõem a elucidar e correlacionar as principais alterações do exame eletronistagmográfico em pacientes idosos14,15. Dos estudos existentes, várias são as divergências, principalmente no que tange hiper e hiporreflexia9. Alguns estudos clínicos apontam para o fato do sistema vestibular que entre 50 e 60 anos haveria hiperreatividade, passando acima dos 60 anos de idade à hiporreatividade6,16. Baloh13 realizou estudos sobre o efeito da idade no padrão vestibular utilizando testes calóricos e observou hiperreflexia com pico entre 50 e 70 anos para então constatar um declínio apenas discreto da resposta. Já outros autores não observaram esses mesmos achados 17,18. Esta controvérsia de dados pode ser justificada pelo fato do estímulo calórico não ser fisiológico e ainda dependente de múltiplas variáveis não associadas à função vestibular, como volume do meato acústico externo, espessamento do osso temporal e seu suprimento sangüíneo, fatores que interferem na magnitude da resposta ao estímulo calórico e estão presentes no envelhecimento normal.
Em nosso estudo, todos os pacientes apresentavam idade superior a 60 anos (com média de 69,4 anos). As alterações da eletronistagmografia encontradas em 22 (62,8%) pacientes foram de 27% de hiperreflexia e também 27% de hiporreflexia.
Fisiologicamente, a hiperreatividade é devida à menor atuação dos mecanismos de inibição do sistema vestibular de provável origem cerebelar, em conseqüencia à perda das células inibitórias de Purkinge. Segundo Gulya14 e Belal19 ocorre perda de células ciliadas de cristas e máculas com a idade, além de haver declínio no número de células nervosas do gânglio de Scarpa e degeneração de otocônias, que se fragmentam e desaparecem. A somatória de todas essas modificações resultam em diminuição do input das células ciliadas. Outro fator a ser considerado é a diminuição do fluxo sangüíneo labiríntico e a progressiva depressão da estabilidade neural com o aumento da idade, contribuindo para a hiporreatividade do sistema vestibular.
A diminuição da informação periférica, induz à liberação dos mecanismos centrais de inibição, justificando a hiperreflexia20.Os resultados encontrados mostram que realmente o paciente idoso apresenta índices tanto de hipo (27%) como de hiperreatividade (27%).
A microescritura encontrada em 9% dos casos é caracterizada por grande aumento da freqüência dos batimentos nistágmicos pós-calóricos21. Sua presença sugere o sofrimento difuso do tronco cerebral, em especial das estruturas participantes do complexo sistema de equilíbrio do ser humano.
Podemos ainda, dentro de nossa casuística, conciliar o achado de 14% de arreflexia vestibular, o que novamente sugere o comprometimento das estrututras periféricas, tal como a hiporreflexia já comentada.
Especial consideração deve ser dada aos 9% de disrritmias documentadas. As alterações do ritmo da prova são conseqüentes ao comprometimento da estrutura cerebelar, também acometida pelo déficit vascular resultante do envelhecimento.
Por fim, as ondas quadráticas encontradas em 14% sugerem,como relatam alguns autores, lesão difusa do tronco cerebral, com alteração de estruturas responsáveis pelo traçado correto do nistagmo4,21.
Conclusão
A tontura é uma queixa prevalente em pacientes idosos, porém ainda pouco compreendida. Em nosso estudo observamos alterações na eletronistagmografia em 62,8% desses pacientes, incluindo 27% de hiper e hiporreflexia.
Referências Bibliográficas
1. ARSLAN, M.; The senescence of the vestibular apparatus. Pract Otorhinolaryng (Basel), 19: 945, 1957.
2. ARSLAN, M.; The renewing of the methodology for the stimulation of the vestibular apparatus. Acta Otolaryng (Stockh) Suppl, 122: (7), 1955.
3. BRUNNER, A.; NORRIS, T.W. Age-related changes in caloric nystagmus. Acta Otolaryngol Suppl (Stockh), 282: 1-24, 1971
4. HIRVONEN, T. P.; AALTO, H.; PYYKKO, I.; JUHOLA, M.; JANTTI, P.; Changes in vestibulo-ocular reflex of elderly people. Acta Otolaryngol (Stockh) Suppl, 529: 108-10, 1997.
5. KERBER, K.A.; ENRIETTO, J.A.; JACOBSON, K.M.; BALOH, R.W. Dysequilibrium in older peolple: a prospective study. Neurology, 51 (2): 574-80, 1998.
6. SCHUKNECHT, H.F. The dysequilibrium of the aging. Cupulolithiasis in Pathology of the ear. Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, pp 403-09, 465-72, 1994.
7. WEINCHUCH, R.; KORPER, S.P.; HADLEY, E. The prevalence of dysequilibrium and related disorders in older persons. Ear Nose Throat J, 68: 925-29, 1989.
8. WEINDRUCH, R.; KORPER, S.; HADLEY, E. The Prevalence of Desequilibrium and Related Disorders in Older Persons. Ear Nose Throat J, 68: 925-929, 1989.
9. PEDALINI, M.E.B.; BITTAR, R.S.M. Reabilitação vestibular. Uma proposta de trabalho, Pró-Fono, 11 (1): 140-44, 1999.
10. BITTAR, R.S.M.; PEDALINI, M.E.B.; FORMIGONI, L.G. Reabilitação vestibular: Uma arma poderosa no auxílio a pacientes portadores de tontura. Rev Bras Otorrinolaringologia, 65 (3): 266-69, 1999.
11. PRUDHAM, D.; EVANS, J. Factors associated whith falls in the Elderly: A Community Study. Age and Ageing, 10: 141-146, 1981.
12. HONRUBIA, V. Dysequilibrium of Aging- Etiology, Diagnosis, and Management. Ear Nose Throat J, 68: 902-904, 1989.
13. BALOH, R.; JACOBSON, K.; SOCOTCH, T. The Effect of Aging on Visual- Vestibuloocular responses. Exp Brain Res, 95:509-516, 1993.
14. GULYA, A. Neuroanatomy and Physiology of the Vestibular System Relavant to Dysequilibrium in the Elderly. Ear Nose Throat J, 68: 915-924, 1989.
15. HONRUBIA, V. Vestibular Function in the Elderly. Ear Nose Throat J, 68: 905-912, 1989.
16. ZELENKA, J.; SLANINOVA, B. Zeneny cinnosti labyrintu doné starnutín. Cesk Otolaryng, 13: 21, 1964.
17. FREG;Y, A.R.; GABRYEL, A. Labyrinthine defects as show by ataxia and caloric testes. Acta Otolaryngol (Stockh), 69: 219, 1970.
18. GRAMOWSKI, K.H.; UNGER, E. Experimentalle vestibular habituation bei jungen und alteren versuchspersonen. J Laryng Rhinol Otol, 48: 207, 1969.
19. BELAL, A.; GLORIG, A. Desequilibrium of aging (presbyastasis). J Laryngol Otol, 100: 1037-1041, 1986.
20. HAGEMAN, P. Gait characteristics on healthy elderly: A literature review. Issues on Aging, 18: 2-14, 1995.
21. CORVERA, B.J.; LOPES-RIOS, G.; BENITZ, L.D. Vestibular and oculomoror abnormalities in vestebro-basilar insufficiency. Ann Otol Rhinol Laryngol, 89: 370-76, 1980.
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP - Serviço do Prof. Aroldo Miniti.
Endereço para correspondência: Rafael Burihan Cahali - Rua Macau, n0232 Ibirapuera, São Paulo / SP - Cep 04032-020 - Telefone (0xx11) 570-1299 - Fax (0xx11) 575-8560
1- Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
2- Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
3- Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
4- Assistente Doutor do Setor de Otoneurologia da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
5- Professor responsável pelo Setor de Otoneurologia da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital da Clínicas da FMUSP.