INTRODUÇÃO
A estapedotomia é uma cirurgia utilizada para melhorar a audição em pacientes com otosclerose estapediana. Consiste na remoção da supra-estrutura do estribo, na perfuração da platina do mesmo e colocação de uma prótese inserida neste orifício e fixada na apófise longa da bigorna. O treinamento no osso temporal nem sempre é possível porque, como não há fixação do estribo, geralmente ocorre fratura da platina ou avulsão de todo o estribo quando tentamos cortar as cruras para remoção da supra-estrutura. Desenvolvemos um método simples de fixação do estribo com cola de secagem rápida, que nos permite realizar o procedimento de maneira semelhante à que ocorre na otosclerose.
MATERIAL E MÉTODOS
Além do material normalmente utilizado para estapedotomia (sugerimos que se use para treinamento um equipamento igual ao que será usado nas cirurgias), usamos também um tubo de cola de secagem rápida, a base de éster de cianoacrilato, e scalps tipo butterfly, número 25, um para cada peça anatômica, pois uma vez usado, a cola seca no seu interior, impossibilitando a reutilização. Foram usados 10 ossos temporais de adultos, 4 ouvidos esquerdos e 6 ouvidos direitos.
A técnica cirúrgica consiste inicialmente em incisão endaural e descolamento timpanomeatal, expondo a orelha média. Na peça anatômica, principalmente em ossos temporais formalizados, este tempo é dificultado pela menor espessura e maior rigidez da pele do meato acústico externo, a qual tem tendência a rasgar com facilidade. Em seguida, o rebordo ósseo do arco timpanal póstero-superior é removido com cureta ou broca, até que estejam visíveis a supra-estrutura e a platina do estribo, o trajeto timpânico do canal do facial e a eminência piramidal, de onde emerge o tendão do músculo estapédio (Foto 1).
Nesse momento, lavamos e aspiramos exaustivamente a orelha média e deixamos o osso temporal em repouso, fora do formol, durante 2 horas, para secagem. O scalp é cortado a poucos milímetros da agulha e fixado na ponta do tubo de cola. As \"asas\" do scalp são cortadas para permitir sua introdução no meato acústico externo (Foto 2). Introduzimos a ponta do scalp na orelha média sob visão microscópica e colocamos uma a duas gotas da cola sobre a platina do estribo. Além de fixar a platina, a camada de cola forma uma película que dificulta a fratura da mesma no momento da perfuração. Após 5 a 10 minutos a peça anatômica está pronta para ser manipulada.
Podemos agora desarticular o estribo da bigorna, cortar o tendão do músculo estapédio, fraturar ou cortar as cruras do estribo e remover sua supra-estrutura. Em seguida fazemos a perfuração na platina do estribo (Foto 3) e colocamos a prótese (Foto 4).
Quando o nicho da janela oval é amplo o suficiente, o que ocorre em 40% dos casos1, podemos usar uma variante técnica que consiste em fazer a perfuração com o estribo ainda em sua posição normal, colocar a prótese e só então remover a supra estrutura do estribo.
A prótese deve ser colocada e retirada inúmeras vezes em cada peça anatômica, para que o treinamento seja o mais proveitoso possível.
Foto 1. Acesso ao ouvido médio, após descolamento do retalho tímpano-meatal e curetagem do rebordo ósseo do arco timpanal póstero-superior. Podemos ver o tímpano rebatido em direção anterior (t), o martelo (m), a bigorna (b), o nervo corda do tímpano (ct), a porção timpânica o canal do nervo facial (nf), o estribo (e) e a eminência piramidal (p) de onde emerge o tendão do músculo estapédio.
Foto 2. Scalp tipo butterfly, com as "asas" cortadas, acoplado a ponta do tubo de cola de éster de cianoacrilato
Foto 3. Aspecto da dissecção após a remoção da supra-estrutura e perfuração da platina do estribo. O nervo corda do tímpano foi removido para facilitar a visão das estruturas, devendo ser preservado no treinamento. Tímpano (t), martelo (m), bigorna (b).
Foto 4. Prótese de teflon e aço inserida no orifício feito na platina e fixada à apófise longa da bigorna. Tímpano (t), martelo (m), bigorna (b).
RESULTADOS
Com o método descrito acima, conseguimos, na primeira tentativa, realizar a estapedotomia em oito das dez peças anatômicas, sendo que em uma delas houve avulsão de todo o estribo mesmo após o uso da cola. Com auxílio de um pequeno gancho reposicionamos o estribo, tornamos a colar e conseguimos finalmente realizar o procedimento. Na outra peça anatômica, deixamos inadvertidamente cair mais gotas de cola que o necessário. Formou-se um bloco de cola sobre o estribo, de tal modo que ao tentarmos retirar este bloco, a cola saiu junto com o estribo ao qual estava firmemente incorporado, não tendo sido possível continuar o procedimento. Portanto, conseguimos realizar o treinamento da estapedotomia em nove das dez peças.
DISCUSSÃO
A estapedotomia é um procedimento cirúrgico bastante delicado, que envolve a abertura da orelha interna e que tem um percentual de morbidade que, embora seja relativamente pequeno em mãos experientes, pode causar conseqüências desastrosas como aumento da perda auditiva que pode chegar à cofose, paralisia facial, subluxação da bigorna, aderências, perfuração timpânica, etc2.
O sucesso da cirurgia do estribo está diretamente relacionado ao treinamento cirúrgico no laboratório de microdissecção e ao número de cirurgias realizadas. Desde 1963 o número de estapedectomias realizadas anualmente tem diminuído3. Além disso, o número de centros que fazem esta cirurgia cresceu consideravelmente, resultando num menor número de operações realizadas em hospitais dedicados ao ensino e também em instituições particulares4-7. A maioria (74%) dos residentes de serviços de otorrinolaringologia nos Estados Unidos realizam entre 0 a 10 estapedectomias em todo o seu período de treinamento5. Este pequeno número de casos operados reflete-se nos resultados obtidos, que tanto com residentes como com cirurgiões que não operam regularmente, ficam abaixo da média. Embora com algumas exceções em que não houve diferenças entre residentes supervisionados e supervisores3, trabalhos de avaliação destes grupos mostram um fechamento do gap aéreo-ósseo abaixo de 10 dB variando de 62,5% a 68%2,4,6,8,9, quando o ideal seria de 90% de fechamento abaixo de 10 dB10. Em um estudo realizado na Inglaterra, o índice de complicações gerais em cirurgiões que não operavam regularmente foi de 30%, com cofose em 2% dos casos7. Costa e col.11 analisaram 86 estapedectomias realizadas por residentes no Hospital das Clínicas de Porto Alegre, com fechamento do gap aéreo ósseo abaixo de 10dB em apenas 15,2% dos casos e cofose em 4,6%. No Brasil os residentes fazem em média 9 estapedectomias durante seu treinamento12.
Alguns serviços nos Estados Unidos já começam a apresentar resultados de estapedectomias a laser realizados por residentes13,14 em que o índice de sucesso é melhor que na técnica convencional. Este método, no entanto, ainda não é uma rotina, pelo alto custo do equipamento.
Nós acreditamos que esta diminuição do número de cirurgias possa ser compensada, em parte, por um treinamento regular em peças anatômicas e que este método simples de fixação do estribo possa contribuir para aprimorar este treinamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1- Mestre em Otorrinolaringologia pela UFRJ.