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Ano: 2000 Vol. 4 Num. 4 - Out/Dez
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Avaliação audiológica do sistema nervoso auditivo central |
AUDIOLOGICAL EVALUATION OF THE AUDITORY CENTRAL NERVOUS SYSTEM |
Como citar este Artigo |
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Author(s): |
1Lilian Cassia Bornia Jacob, 2Kátia de Freitas Alvarenga, 3Bianca Simone Zeigelboim
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Palavras-chave: |
audição, sistema auditivo central, processamento auditivo. |
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Resumo: |
A disfunção auditiva central ou desordem do processamento auditivo central é um distúrbio da audição em que há um impedimento na habilidade de analisar e/ou interpretar padrões sonoros. A avaliação audiológica do sistema nervoso auditivo central (SNAC) é altamente complexa considerando que a anatomia e fisiologia deste sistema ainda não são completamente compreendidas. A criação de novos recursos tecnológicos vem possibilitando a investigação, cada vez mais aprimorada, sobre os testes mais apropriados e efetivos para avaliar as habilidades do processamento auditivo central. A produção científica nesta área deixa evidente que o diagnóstico diferencial da alteração auditiva central, muitas vezes, torna-se um desafio, exigindo procedimentos específicos e conhecimento do profissional atuante neste processo, seja ele médico otorrinolaringologista ou fonoaudiólogo.
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INTRODUÇÃO
A avaliação audiológica do sistema nervoso auditivo central (SNAC) é um procedimento relativamente recente que iniciou-se com os trabalhos de Bocca e seus colaboradores1 na metade dos anos 50. Desde então, inúmeros pesquisadores estudaram o processamento auditivo e houve um crescente interesse em mostrar a eficácia de testes comportamentais e eletrofisiológicos na identificação dos distúrbios do SNAC.
Apesar do interesse e investimento despendido em pesquisas neste campo, os procedimentos para avaliação do SNAC demoraram para adquirir a aceitação da comunidade audiológica em geral devido a alguns fatores que podem ter interferido nesse processo2. O primeiro deles, seria a complexidade do sistema em consideração. A anatomia e fisiologia do SNAC ainda não são completamente compreendidas, e suas várias diferentes funções não foram definidas adequadamente. Além disto, os efeitos dos distúrbios do SNAC muitas vezes são discretos e os resultados dos testes podem ser altamente variáveis, em função dos procedimentos utilizados (dados normativos, calibração do equipamento, qualidade do material empregado, ambiente de testagem) e das condições do próprio indivíduo (presença de perda auditiva periférica, idade, inteligência, conhecimento lingüístico). O último fator seria a confusão e desacordo sobre quais os testes mais apropriados e efetivos para avaliar as habilidades do processamento auditivo central.
REVISÃO DE LITERATURA
Para compreender a maneira pela qual as habilidades envolvidas no processamento auditivo são avaliadas, deve-se ter o domínio do conceito de redundância. A facilidade com a qual uma pessoa é capaz de perceber a fala deve-se, em parte, à redundância intrínseca do sistema auditivo e à redundância extrínseca do sinal de fala3.
A redundância intrínseca do sistema nervoso auditivo central é dada pela representação bilateral de cada orelha em cada hemisfério cerebral, pelos centros nucleares, pelas vias cruzadas, pelas conexões inter e intra hemisféricas e pelas projeções em áreas corticais primárias e secundárias. A redundância extrínseca é dada pelo sinal acústico, que faz parte do sistema lingüístico de comunicação, devido às numerosas pistas existentes que auxiliam o ouvinte a identificar os sinais de fala como a intensidade, tempo e duração das sílabas; as pistas semânticas e sintáticas; a familiaridade e uso do vocabulário e faixa de freqüência dos fonemas em seqüência4.
O ouvinte não necessita constantemente de todas as pistas para entender a mensagem, porém quando a mensagem está sendo dita em ambiente desfavorável de escuta (presença de ruído e/ou reverberação), estas redundâncias passam a ter grande importância na inteligibilidade da fala5. É a nossa capacidade de contar com a redundância intrínseca ou extrínseca do sinal que nos permite compreender a mensagem inteira e ter uma conversação coerente.
Um indivíduo diante de uma tarefa sem dificuldades e contando com um sistema auditivo íntegro, terá uma boa inteligibilidade. O reconhecimento da maior parte dos estímulos também pode ser observada no indivíduo com sistema nervoso intacto, mesmo quando os sinais de fala são apresentados com reduzido número de pistas (redundância reduzida)6. Entretanto, se houver redução intrínseca (SNAC) combinada com a diminuição das pistas redundantes extrínsecas, a inteligibilidade será prejudicada.
Desta forma, é possível a avaliação das habilidades auditivas, quando a aplicação de um teste consegue reduzir a redundância extrínseca do sinal de fala3,7.
Os testes de reconhecimento de fala na presença de escuta difícil, possibilitam avaliar as habilidades perceptuais auditivas e identificar uma disfunção auditiva central. A disfunção auditiva central ou desordem do processamento auditivo central é um distúrbio da audição em que há um impedimento na habilidade de analisar e/ou interpretar padrões sonoros8.
Outro dado constatado na literatura especializada é a diferença na utilização, pelos autores, das terminologias percepção auditiva, processamento auditivo central e percepção da fala. Como exemplos de diferentes conceituações sobre o tema, Lasky e Katz9 utilizam o termo processamento auditivo central com o mesmo significado de percepção auditiva e de fala. Entretanto, para Boothroyd10, Sloan11, Pereira12,13, Schochat5 e Bellis14 o processamento auditivo central refere-se aos estágios que ocorrem desde a entrada do estímulo acústico na orelha externa até o córtex auditivo, e, à percepção auditiva e de fala como o resultado do processamento auditivo central, não sendo uma réplica direta do sinal acústico, mas sua representação construída pelo processamento do sinal pelas vias auditivas. O processamento auditivo é um processo inconsciente e a percepção requer a experiência consciente do estímulo, realizando, assim, a sua representação10, 11, 14.
A percepção de fala envolve as experiências do indivíduo durante a sua vida e a importância que o mesmo atribui ao estímulo auditivo, e que, todos estes aspectos envolvidos neste processo não são dependentes somente do sistema auditivo periférico e central. O termo processamento auditivo central, se utilizado como sinônimo de percepção auditiva e da fala, poderá trazer construções errôneas sobre a compreensão e complexidade desta área de atuação15.
Na prática de avaliação e diagnóstico de alterações do processamento auditivo central, este termo é utilizado para referir-se as atividades do córtex auditivo e também das áreas inter e intra-hemisféricas. Além disso, a ênfase sobre o sistema auditivo, poderá trazer aos profissionais e familiares envolvidos no processo de avaliação, diagnóstico e reabilitação, a idéia errônea de que o canal auditivo é o único a exercer este papel, quando na realidade ele é principal, porém integrado a outros15.
AS HABILIDADES AUDITIVAS
A habilidade para compreender a fala deve ser considerada como o mais importante dos aspectos mensuráveis da função auditiva humana. Ela é fundamental para a maioria das atividades de vida e um pré-requisito para a participação completa e ativa no nosso complexo mundo sonoro. A habilidade para se comunicar, além de ter uma importância vital, está relacionada à capacidade de trabalho e equilíbrio psicológico do homem. A compreensão da fala é essencial para uma comunicação normal e é dependente das habilidades auditivas.
Pesquisadores como Musiek e Geurkink16, Boothroyd10, Kelly et al17 e Philips18 afirmaram que o processo de recepção e integração do sinal acústico é possível porque o sistema auditivo desempenha as seguintes habilidades:
a) detecção do som: habilidade de identificar a presença do som;
b) localização: determinar o local de origem da fonte sonora;
c) atenção: habilidade para deter-se num determinado estímulo durante um período de tempo;
d) atenção seletiva: monitorar determinado estímulo auditivo significativo, mesmo que a atenção primária esteja voltada a outra modalidade sensorial ou que exista a presença de um ruído de fundo;
e) figura-fundo: habilidade de identificar o sinal de fala em presença de outros sons competitivos;
f) síntese ou integração binaural: habilidade para reconhecer estímulos apresentados simultânea ou alternadamente em ambas as orelhas;
g) separação binaural: habilidade para atender e integrar informações auditivas diferentes apresentadas nas duas orelhas simultaneamente;
h) fechamento: habilidade para reconhecer o sinal acústico quando partes dele são omitidas;
i) reconhecimento: identificação correta de um estímulo sensorial por meio de conhecimento previamente adquirido;
j) discriminação: capacidade de detectar diferenças entre os padrões de estímulo sonoro (freqüência, intensidade, duração - sons da fala);
k) combinação: habilidade para formar palavras a partir de fonemas articulados separadamente;
l) associação: habilidade para estabelecer relações não-lingüísticas e a sua fonte sonora;
m) compreensão ou cognição: habilidade para estabelecer relações entre o estímulo lingüístico e o seu significado para adequada interpretação do mesmo;
n) memória: habilidade para armazenar e reter o estímulo auditivo. Processo que permite arquivar as informações para poder recuperá-las quando necessário.
Bellis14 descreveu as habilidades auditivas e denominou-as de processos do sistema auditivo central:
a) Fechamento auditivo
Fechamento auditivo refere-se à capacidade do ouvinte normal em utilizar redundâncias intrínsecas ou extrínsecas para preencher as partes ausentes ou distorcidas do sinal auditivo e reconhecer a mensagem completa. O termo decodificação auditiva refere-se à identificação dos componentes de uma mensagem auditiva. A autora acrescenta que o fechamento e a decodificação auditiva capacitam o ouvinte a extrapolar a mensagem completa por meio dos componentes individuais.
Desta forma, o fechamento auditivo desempenha um importante papel nas atividades cotidianas do ouvinte, pois raramente nosso ambiente auditivo cotidiano pode ser considerado ideal. Ao invés disto, temos que lutar continuamente contra ruídos de fundo, dialetos regionais, interlocutores que falam baixo ou com articulação imperfeita e outros fatores que dificultam a compreensão de mensagens auditivas.
Os fatores extrínsecos que auxiliam o fechamento auditivo incluem o conhecimento do assunto, a familiaridade com o vocabulário utilizado, o conhecimento dos aspectos fonêmicos da fala e a familiaridade com as regras do idioma, entre outros. Portanto, se estivermos em uma situação na qual o assunto da conversação seja conhecido, o falante esteja usando vocabulário, sintaxe e semântica familiares, e o ambiente seja acusticamente adequado, precisaremos de pouquíssimo esforço para acompanhar a conversação. Por outro lado, se um ou mais desses fatores estiverem ausentes, precisaremos contar com a presença dos outros fatores e com a representação repetida do sinal auditivo dada pelo SNAC (redundância intrínseca), a fim de conseguir o fechamento auditivo.
Um indivíduo com deficiência de processamento do fechamento auditivo exibe uma falha na redundância intrínseca do SNAC, reduzindo ou eliminando a representação repetida do sinal que chega pelas vias auditivas. Portanto, qualquer intercorrência que reduza a redundância extrínseca do sinal auditivo pode interferir na capacidade do indivíduo em conseguir o fechamento auditivo. Em seu nível mais básico, uma deficiência do fechamento auditivo pode interferir na capacidade de decodificar os aspectos fonêmicos de um sinal de fala. De maneira contrária, o ouvinte com uma deficiência na habilidade de fechamento auditivo, talvez não tenha dificuldade de entendimento da fala em um ambiente acústico ideal, contudo, ele pode apresentar maior dificuldade com ruídos de fundo ou com falantes desconhecidos.
b) Separação e integração binaural
Separação binaural refere-se à capacidade de um ouvinte em processar a mensagem auditiva que entra por uma orelha, enquanto ignora uma mensagem distinta, apresentada simultaneamente à outra. A integração binaural é a habilidade do ouvinte em processar informações diferentes apresentadas simultaneamente às duas orelhas. A autora acrescenta que a separação e a integração binaural são habilidades avaliadas especificamente por meio de testes de fala dicóticos.
Ambas são habilidades cruciais ao ouvinte normal, particularmente em um ambiente escolar, no qual surgem continuamente situações que exigem que o ouvinte ignore informações lingüísticas de uma fonte para concentrar a atenção em uma mensagem principal.
A disfunção nos processos de separação e integração binaural pode se expressar em dificuldades auditivas na ocorrência de ruído de fundo ou na presença de mais de uma pessoa falando ao mesmo tempo.
A autora ressalta que a dificuldade auditiva na presença de ruído foi mencionada anteriormente como uma manifestação comportamental de uma deficiência no processo de fechamento auditivo, sendo mencionada, novamente, como um sintoma de uma deficiência na habilidade de integração binaural. Conclui também que dificuldades auditivas na presença de ruído são uma das queixas mais comuns entre indivíduos com alteração no funcionamento do sistema nervoso auditivo central e, portanto, o profissional não pode supor, automaticamente, a causa de tal queixa, uma vez que dois indivíduos com manifestação comportamental idêntica talvez exibam disfunção em processos básicos distintos.
c) Padrão temporal
O termo padrão temporal refere-se especificamente à habilidade de um ouvinte em reconhecer contornos acústicos de um sinal. Esta capacidade permite ao ouvinte extrair e utilizar aspectos prosódicos da fala como ritmo, tonicidade e entonação. As diferenças de tonicidade dentro de uma sentença capacitam o ouvinte a identificar as palavras chaves. A entonação fornece as pistas quanto à intenção da mensagem e às condições emocionais do falante (surpresa, alegria, ira, tristeza). O ritmo da fala também pode alterar o significado da sentença. Em suma, a prosódia traz muitas informações que não podem ser obtidas apenas com as palavras de uma mensagem.
d) Interação binaural
As funções auditivas que dependem da interação binaural incluem a localização e a lateralização dos estímulos auditivos, detecção de sinais na presença do ruído e fusão binaural. Destas funções, a localização dos estímulos auditivos e a detecção dos sinais na presença do ruído são particularmente importantes em situações auditivas do dia-a-dia.
Como foi relatado anteriormente, a capacidade de entender a fala na presença de ruído, está relacionada às habilidades de fechamento e separação binaural. Contudo, a compreensão de um sinal na presença de ruído depende da habilidade de detecção. Para tal, o ouvinte deve ser capaz de, em um estágio pré-consciente, localizar as fontes dos sinais alvo e concorrente. Quanto mais distantes entre si estiverem os sinais (alvo e concorrente), mais fácil será a tarefa. À medida que os dois sinais se aproximam, torna-se mais difícil a localização das fontes dos estímulos e, portanto, a detecção do sinal alvo também se torna mais difícil.
A localização e a lateralização de um estímulo auditivo dependem da habilidade de interação binaural, ou seja, da forma como as duas orelhas trabalham juntas. Tais capacidades, podem ser significativamente afetadas pela perda auditiva periférica, especialmente pelas assimétricas.
OS TESTES
Na literatura especializada pode-se encontrar uma diversidade de testes comportamentais utilizados para avaliar o processamento auditivo central. Optamos por abordar nesta revisão de literatura, alguns dos testes disponíveis na Língua Portuguesa, mais comumente utilizados por nós na avaliação comportamental do sistema nervoso auditivo central.
TESTE DICÓTICO DE DÍGITOS
Kimura19 foi uma das pioneiras na aplicação do Teste Dicótico de Dígitos em indivíduos com lesão confirmada do lobo temporal. Esse teste, na tarefa de integração binaural, tem como objetivo avaliar a habilidade para agrupar componentes do sinal acústico em figura-fundo e identificá-los, ou seja, denominá-los em termos verbais. Na tarefa de Separação Binaural, o objetivo é avaliar a escuta direcionada para cada orelha separadamente20.
O teste dicótico de dígitos exige que o ouvinte relate as informações apresentadas às duas orelhas ao mesmo tempo, abrangendo, desta forma, o processo de integração binaural14.
O teste é apresentado numa intensidade de 50 dB NS, tendo como referência a média dos limiares tonais nas freqüências de 0.5, 1 e 2 kHz. A lista dos dígitos utilizada para este teste foi elaborada por Santos e Pereira21, sendo constituída pelos dígitos 4, 5, 7, 8 e 9 selecionados entre os dígitos de 1 a 9, os quais formam palavras dissílabas na língua portuguesa.
Estes números foram combinados dois a dois, eliminando-se os iguais. A ordenação dos pares foi aleatória e constituiu-se a lista um, formada por 20 pares de dígitos. Essa lista é apresentada a uma das orelhas. A lista dois, que é apresentada à outra orelha simultaneamente à lista um, ou seja, dicoticamente, foi elaborada a partir de combinações dos mesmos pares de dígitos, porém de modo que cada par fosse combinado com um par diferente da lista um. Dessa forma, dois pares de dígitos são apresentados de cada vez, sendo um em cada orelha. Cada dígito identificado incorretamente eqüivale a 1,25% de erros. O número de erros é computado separadamente para orelha direita e orelha esquerda.
Este teste avalia a habilidade auditiva de figura-fundo para sons verbais.
TESTE DE ESCUTA DICÓTICA DE DISSÍLABOS - SSW
O teste de palavras espondaicas alternadas foi um dos primeiros procedimentos empregados para a avaliação da função auditiva central e tem sido um dos testes mais utilizados pelos audiologistas nos últimos trinta anos22. O SSW foi criado por Katz23 e várias versões do teste foram realizadas em outros idiomas. No Brasil, duas versões foram adaptadas para o português brasileiro, sendo uma delas elaborada por Borges24 em 1986, que utilizou vocábulos dissílabos, e a outra, por Machado6 em 1993, que confeccionou uma lista composta por palavras espondaicas.
O teste de escuta dicótica de dissílabos (SSW) avalia as habilidades auditivas de memória para sons em seqüência e figura-fundo para sons verbais24. As modalidades envolvidas são a auditiva e produção motora da fala25.
O procedimento descrito a seguir é proposto por Borges26. O teste é composto por 40 itens e cada item formado por quatro dissílabos paroxítonos, totalizando 160 vocábulos. Em cada item, há a apresentação de duas palavras em cada orelha, sendo que ocorre uma sobreposição parcial, ou seja, a segunda sílaba da segunda palavra e a primeira sílaba da terceira palavra são enviadas simultaneamente a orelhas opostas. Desta forma, verifica-se as seguintes situações para cada item:
a) DNC - Direita Não Competitiva: palavra apresentada na orelha direita sem mensagem competitiva contralateral;
b) DC - Direita Competitiva: palavra apresentada na orelha direita com simultânea competição na orelha esquerda;
c) EC - Esquerda Competitiva: palavra apresentada na orelha esquerda com simultânea competição na orelha direita;
d) ENC - Esquerda Não Competitiva: palavra apresentada na orelha esquerda sem mensagem competitiva na orelha contralateral.
Ocorre a alternância do início na apresentação dos itens entre as orelhas. Quando o estímulo é iniciado pela orelha direita, obedece-se a ordem de apresentação DNC, DC, EC, ENC e, quando iniciado pela orelha esquerda, os estímulos são apresentados na seguinte ordem: ENC, EC, DC, DNC.
A apresentação de cada item é precedida da frase introdutória \"preste atenção\", fornecendo-se, desta forma, a pista por qual orelha se iniciará o teste. Os vocábulos são apresentados em uma intensidade de 50 dB NS, ou seja, 50 decibels acima da média dos limiares audiométricos nas freqüências de 0.5, 1 e 2 kHz.
Os indivíduos recebem previamente a seguinte instrução: \"Você vai ouvir duas palavras em cada orelha. Espere até que todas sejam ditas e, em seguida, repita-as na mesma ordem em que as ouviu\". Anteriormente ao início do teste é realizada a etapa de treinamento com a apresentação dos três primeiros itens para que os indivíduos compreendam de forma correta a tarefa a ser realizada.
Os 160 vocábulos são analisados separadamente e em conjunto. Cada uma das palavras é considerada individualmente como certa ou errada. Como erro, são considerados: omissão, substituição ou distorção das palavras.
Na análise dos resultados são avaliados os Números de Erros, bem como as Tendências de Erros (Efeito Auditivo, Efeito de Ordem, Inversões e Padrão de Resposta Tipo A), denominados de aspectos quantitativos e qualitativos, respectivamente.
TESTE DE IDENTIFICAÇÃO DE SENTENÇAS SINTÉTICAS - SSI
Speaks e Jerger27 desenvolveram o teste de identificação de sentenças sintéticas, o qual constituiu sentenças artificiais construídas com o máximo de aproximação de sentenças reais. Este teste foi adaptado para a língua portuguesa por Almeida e Caetano28 em 1988, o que possibilitou, desde então, sua utilização na bateria de testes para a avaliação central.
O SSI avalia a habilidade de figura-fundo, sendo um teste que envolve as habilidades auditiva e visual (apontar palavras escritas)13.
Sentenças concorrentes (competitivas) exigem que o ouvinte ignore as informações apresentadas em uma orelha enquanto identifica a sentença apresentada à orelha alvo, avaliando, desta forma, a capacidade de separação binaural14.
Os estímulos verbais utilizados constituem-se de sentenças sintéticas de terceira ordem. Como mensagem competitiva utiliza-se um texto da História do Brasil28.
O teste é realizado apresentando-se as sentenças em um nível fixo de pressão sonora de 40 dB NS, tendo-se como referência a média dos limiares tonais nas freqüências de 0,5, 1 e 2 kHz de cada ouvido testado. Varia-se o nível de pressão sonora de apresentação da mensagem competitiva (história), de modo que podem ser estabelecidas diferentes relações sinal/mensagem (S/M).
TESTE DE FALA FILTRADA
A fala pode ser distorcida pela eliminação de uma porção do espectro de freqüência via filtragem eletrônica (corte de freqüência)4. A fala filtrada passa-baixa foi um dos primeiros métodos utilizados para criar um teste de baixa redundância e Bocca et al1 foram os primeiros estudiosos a aplicar este teste na avaliação do SNAC. Estes pesquisadores, desenvolveram o teste monoaural de baixa redundância e o aplicaram em indivíduos com lesão do lobo temporal.
Neste teste são utilizados 25 monossílabos propostos por Pen e Mangabeira-Albernaz29, cuja distorção de freqüência acústica baseou-se na faixa de freqüência da voz do locutor das palavras, a qual apresentava uma freqüência fundamental de voz de 178 Hz. Desta forma, o corte foi feito na freqüência de 400 Hz para a condição de passa-baixa, com uma atenuação progressiva de 400 a 800 Hz de até 24 dB, quando então, todas as freqüências sonoras tiveram a atenuação de 24 dB.
As listas são apresentadas em uma orelha de cada vez, de forma monótica, numa intensidade de 50 dB NS, tomando por base, a referência à média dos limiares tonais nas freqüências de 0,5, 1 e 2 kHz.
O teste de fala filtrada avalia a habilidade de fechamento auditivo14,25. O desempenho da orelha direita é freqüentemente pior que o da esquerda14 e os resultados obtidos à segunda orelha testada tendem a ser melhores em relação à primeira25. Cabe ressaltar que o teste de fala filtrada exige que o ouvinte realize tarefas que envolvam a modalidade sensorial auditiva associada à produção fonoarticulatória ou produção motora da fala (o sujeito repete em voz alta o que ele escutou)13.
DISCUSSÃO
Para a análise auditiva de um estímulo, o indivíduo utiliza-se de diferentes áreas corticais, dependendo de cada tipo de análise necessária. Portanto, não se ouve apenas com a orelha externa, média e interna e as vias auditivas até o córtex auditivo central, mas com o funcionamento inter-relacionado de todas as áreas corticais e subcorticais .
Assim, a avaliação do sistema nervoso auditivo central é complexa e pressupõe a utilização de um conjunto eficiente de testes constituído de procedimentos comportamentais e eletrofisiológicos que devem ser interpretados em conjunto para um diagnóstico seguro. Os procedimentos comportamentais investigam aspectos funcionais do processamento auditivo central e os eletrofisiológicos fornecem a localização anatômica da lesão. Estes aspectos funcionais envolvem habilidades auditivas que compreendem os processos de detecção do som, localização, atenção seletiva, síntese ou integração binaural, separação binaural, fechamento, discriminação, compreensão e memória.
Neste contexto, questionamos o papel do audiologista, ou seja, se o mesmo deveria estar voltado para a realização do diagnóstico diferencial em relação às lesões do sistema nervoso central, ou mais propriamente, descrever as habilidades auditivas centrais em adultos com lesão cerebral e em crianças com distúrbios de aprendizagem e de linguagem, com finalidade terapêutica e educacional. Na visão de Keith30, os audiologistas têm uma contribuição importante na atuação em ambas as áreas.
Apesar da produção científica da área exibir diferentes conceituações das terminologias percepção auditiva, processamento auditivo central e percepção da fala9, 10, 11, 12, 13, acreditamos que o mais importante, no entanto, seja descrever e avaliar as habilidades auditivas inerentes ao processamento da informação acústica, e não discutir a terminologia envolvida.
COMENTÁRIOS FINAIS
A tendência futura é de que a avaliação clínica audiológica deverá estar mais fortemente relacionada à habilidade em analisar e fornecer estratégias de reabilitação para indivíduos cujas capacidades de processamento auditivo estão comprometidas de alguma maneira. Isto é particularmente importante quando deficiências de processamento auditivo afetam a aquisição e desenvolvimento educacional, social, psicológico e/ou vocacional. Assim, na abordagem da (re)habilitação, a avaliação da função é essencial, sendo necessário desenvolver testes com o objetivo de identificar habilidades auditivas prejudicadas, fornecendo subsídios para um direcionamento terapêutico adequado.
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Trabalho desenvolvido no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo - Centro de Pesquisas Audiológicas / Bauru. Endereço para correspondência: Lilian C. B. Jacob - Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 1100 - Aptº 703 - Curitiba /PR - CEP: 81200-100 - Telefone: (0xx41) 373-8520 - E-mail: lilianjacob@uol.com.br
1- Doutora em Distúrbios da Comunicação pela Universidade de São Paulo - USP - Bauru. Professora Adjunta do Programa de Estudos Pós-Graduados da Universidade Tuiuti do Paraná / Mestrado em Distúrbios da Comunicação. 2- Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana - Campo Fonoaudiológico pela Universidade Federal de São Paulo - EPM. Professora MS2 do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru - Universidade de São Paulo. 3- Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana - Campo Fonoaudiológico pela Universidade Federal de São Paulo - EPM. Professora adjunta do Programa de Estudos Pós-Graduados da Universidade Tuiuti do Paraná / Mestrado em Distúrbios da Comunicação.
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