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Ano: 2005  Vol. 9   Num. 2  - Abr/Jun Print:
Case Report
Reabilitação Vestibular no Tratamento da Cinetose
Vestibular Rehabilitation in the Treatment of Motion Sickness
Author(s):
Erika Barioni Mantello*, Ana Paula do Rego André**, José Fernando Colafêmina***.
Palavras-chave:
reabilitação vestibular, vertigem, cinetose.
Resumo:

Introdução: A cinetose é uma sensação de enjôo e/ou desconforto provocado pelo movimento, podendo ocorrer em meios de transporte e acometer tanto crianças como adultos. Objetivo: O estudo descreve os benefícios da Reabilitação Vestibular (RV) no desaparecimento dos sintomas da cinetose em uma criança. Método: Foram realizadas anamnese dirigida, avaliação audiológica, otorrinolaringológica e otoneurológica computadorizada pré e pós RV. Resultados: Na RV foram trabalhados os reflexos vestíbulo-ocular e optocinético, o que levou ao desaparecimento dos sintomas sem o uso de medicamentos, sem desconsiderar a contribuição da maturação do sistema nervoso central. Conclusão: A Reabilitação vestibular foi eficiente no tratamento da cinetose.

INTRODUÇÃO

A posição do corpo, o movimento dos olhos e a percepção espacial são controlados pelo sistema vestibular com o objetivo de manter o equilíbrio corporal. Desta forma, o equilíbrio corporal é mantido por meio da integração dos sistemas visual, proprioceptivo e vestibular.

Qualquer alteração nesta integração é compreendida pelo corpo como desequilíbrio e/ou tontura (1). Um dos tipos de desequilíbrio é a sensação de enjôo e/ou desconforto provocado pelo movimento. A esta sensação denomina-se cinetose que pode ocorrer em automóveis, aviões, naves espaciais, barcos ou montando camelos e elefantes (2).

Pesquisadores admitem que a cinetose ocorre devido a um conflito entre o que é visto e o que é sentido, podendo haver uma predisposição individual. O melhor tratamento para a cinetose é a RV, pois os resultados são animadores (3).

Trata-se de um conjunto de exercícios físicos repetitivos associados a mudanças de hábitos cuja base terapêutica está ligada à plasticidade vestibular (4). O objetivo deste estudo de caso é relatar os benef ícios da reabilitação vestibular no desaparecimento dos sintomas da cinetose e o incremento resultante desta melhora na qualidade de vida e no desempenho escolar.

REVISÃO DE LITERATURA

Atualmente o enjôo ao movimento é entendido como imaturidade do sistema vestíbulo-visual (3). Pode acometer tanto adultos como crianças, porém sua prevalência ocorre em crianças do sexo feminino e mulheres com idade entre 2 e 50 anos, sendo que não é observada em idosos. A hiperatividade vestibular e vestíbulo-visual constituem o substrato fisiopatológico da cinetose (5). A hipótese do conflito neurossensorial da cinetose foi postulada em 1800, porém, somente em 1970 que a teoria vestibular sensório-visual ganhou aceitação entre os cientistas e investigadores no campo do movimento e espaço da tontura (6).

O conflito é detectado pelos otólitos, canais semicirculares, olhos e receptores somatossensoriais (7). A cinetose pode ser subdividida em 2 grandes grupos: provocada pelo deslocamento (elevadores, transportes, brinquedos) e provocada pelo estímulo visual (supermercados, computador) (3). Inicialmente, a cinetose pode se manifestar na criança por meio da depressão e medo.

A seguir apresentase com palidez, sudorese fria, aumento da salivação, náusea e, caso se mantenha a exposição ao movimento, culmina com náuseas intensas (8,9).

Estes sintomas podem ser complementados por um conjunto de alterações físicas cardiovasculares, respiratórias e gastrointestinais.

Há uma grande diferença de susceptibilidade individual a este mal dos transportes, sendo que as crianças com menos de 2 anos de idade são aparentemente mais resistentes que as mais velhas, que geralmente são mais sensíveis (10).

A cinetose apresenta o fenômeno da adaptação e pode diminuir ou desaparecer com a idade (11). O sistema vestibular é um sistema neurossensorial e possui características de modificar seu comportamento por meio da habituação, que é compreendida pela supressão aprendida a estímulos repetitivos (7).

Outro mecanismo responsável pela compensação vestibular é a compensa- ção central que se define pelo resultado final das mudanças que ocorreram no Sistema Nervoso Central através da plasticidade neuronal (4). Por meio destes mecanismos sustenta-se a RV. Este trabalho foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da FMRP-USP de acordo como o processo HCRP número 1736/2002.

RELATO DO CASO

L.B.R., de 9 anos de idade, referiu na avaliação otoneurológica em 19/07/99 tonturas rotatórias, cefaléia do tipo tensional, náuseas e vômitos há oito meses quando utiliza o meio de transporte automotor (carro e ônibus). Apresentava hipercinesia na escola e dificuldade de atenção e concentração. Foi realizada a Avaliação Otoneurológica pré e pós RV com intervalo de 8 meses.

Nenhum medicamento foi administrado durante o tratamento. Na avaliação Otoneurológica pré RV, no aspecto da avaliação computadorizada, por meio da pesquisa do nistagmo espontâneo de olho aberto, o resultado foi a presença de discretos batimentos nistágmicos para a esquerda e com os olhos fechados houve a interferência da musculatura palpebral dificultando a visualização.

No nistagmo semi-espontâneo, houve ausência do mesmo nas quatro posições do olhar. A pesquisa do nistagmo posicional não apresentou alterações. No rastreio horizontal e vertical, observou-se presença de ganho dentro dos parâmetros de normalidade.

O sacádico fixo não apresentou alterações, assim como o sacádico randomizado horizontal e vertical nos três parâmetros avaliados (latência, acurácia e veloci dade de pico de olho).

A avaliação do optocinético horizontal a 0,05Hz pesquisado com 30o fixo foi normal. A auto rotação cefálica ativa na horizontal na freqüência de 1Hz de olho fechado apresentou ganho aumentado (1,32), fase sem alterações e não houve assimetria de respostas (1,3). Na pesquisa nas freqüências 1-3 Hz com olho aberto, houve alteração de ganho em 1 Hz (0,56) e 2 Hz (0,46), assim como houve alteração de fase a 1 Hz (16) e a 2 Hz (12), porém sem assimetria aparente.

Na auto-rotação cefálica com os olhos fechados nas freqüências 1-3 Hz e 1-5 Hz, os padrões encontraram-se dentro da normalidade, o que demonstra a importância da interação visuo-vestibular na presença dos olhos abertos.

A auto-rotação cefálica ativa na vertical apresentou padrões normais nas freqüências de 1 Hz e 1-3 Hz, mostrando que não houve alteração na verticalização do olhar. Após avaliação otoneurológica, a criança foi encaminhada para RV para o tratamento da cinetose. A RV foi iniciada por meio da realização de uma anamnese dirigida, a qual caracterizou as queixas e a história pregressa das mesmas por meio de um protocolo e esclarecimentos aos pais e à criança quanto aos benefícios dos exercícios que seriam executados.

Os mesmos foram orientados quanto à necessidade da realização sistemática dos exercícios e para não suspendê-los mesmo com o aparecimento de tontura, assim como cuidados com a dieta (café, bebidas derivadas de cola e chá mate ou preto) que deveriam ser evitados. Como coadjuvante ao tratamento foram indicadas atividades esportivas como natação, caminhada e brinquedos de parque infantil (gira-gira, balanço e gangorra), atividades estas não realizadas pela paciente.

Vale ressaltar que a paciente mostrou-se colaboradora durante o processo terapêutico. Os exercícios foram realizados em terapia e orientados para serem executados em casa três vezes ao dia, com vinte repetições de cada exercício.

Os exercícios indicados foram de estimulação do reflexo vestíbulo-ocular como os de CAWTHORNE (1944) e COOKSEY (1946), para incrementar a adaptação vestibular de HERDMAN (1990 e 1996) e também estimulação optocinética proposta por GANANÇA em 1989 (12). Na avaliação pós RV, no aspecto da avaliação computadorizada, por meio da avaliação do nistagmo espontâneo, observou-se ausência do mesmo tanto de olho aberto como fechado, assim como o nistagmo semiespontâneo.

O sacádico randomizado fixo a 10o, o sacádico vertical fixo e randomizado, o rastreio horizontal e vertical, o optocinético 0,05 Hz horizontal a 30o, o fixo a 30o e o optocinético vertical estavam dentro da normalidade. A auto rotação cefálica ativa de olho aberto nas freqüências 1 Hz (0,19), 1-3 Hz (0,25) e 1-5 Hz apresentaram pequena diminuição de ganho, de olho fechado nas freqüências de 1 Hz e 1-3 Hz apresentaram redução de ganho e melhora de fase nas freqüências 1 Hz (12) e 2 Hz (9), demostrando discreta melhora em relação ao exame pré RV, sem assimetria aparente.

Nas freqüências 1-5 Hz de olho aberto, houve melhora das respostas com aumento das freqüências em relação ao ganho, embora tenha ocorrido uma discreta defasagem de fase. Com os olhos abertos, na pesquisa do vertical, padrões dentro da normalidade nos três parâmetros avaliados. Na freqüência de 2 Hz apresentou respostas normais, já nas freqüências 1-3 Hz houve melhora dos três parâmetros, concluindo que em altas freqüências houve melhora nas respostas.

DISCUSSÃO

A RV, como medida terapêutica única é indicada com sucesso nos casos de cinetose, vertigem postural paroxística benigna, síndrome do desequilíbrio no idoso e vestibulopatias não compensadas (3).

Neste caso não houve outra estratégia terapêutica além da RV e como já foi descrito, também obtivemos sucesso. Em estudos, encontrou-se pós RV de pacientes com vestibulopatias periféricas, dentre estas a cinetose, 57% de pacientes assintomáticos, 28% com melhora parcial, 14% inalterado; confirmando assim o benefício na maioria dos pacientes tratados com a RV, como também foi observado em nosso estudo (3). No indivíduo com síndrome vestibular periférica, a prova de auto-rotação cefálica ativa revela aumento ou diminuição de ganho, avanço ou atraso de fase e/ou assimetria do Reflexo Vestíbulo Ocular horizontal e/ou vertical (13).

Neste caso, pudemos observar através da monitoria com a avaliação otoneurológica pré e pós RV, alterações de ganho na auto-rotação cefálica ativa na horizontal com o olho fechado, enquanto com o olho aberto, houve alterações de ganho e fase, condizente com a literatura acima descrita. No indivíduo hígido, à prova de auto rotação cefálica, o reflexo vestíbulo-ocular horizontal/vertical não revelam alterações de ganho, fase e simetria (13). Na auto-rotação cefálica ativa pós RV desta paciente, observamos que os ganhos anteriormente aumentados diminuíram e também houve melhora de fase nas freqüências de 1 e 2 Hz.

Esta comparação acrescida da melhora evidente dos sintomas mostra os efeitos benéficos da RV na paciente em questão, comprovado pela monitoria terapêutica mediante a auto-rotação cefálica e também condiz com os resultados em pacientes normais em relação à função vestibular. A monitorização, além de confirmar o diagnóstico e surpreender uma mudança no diagnóstico topográfico da lesão, reavalia o prognóstico, analisa eventos adversos, constitui um critério objetivo de avaliação dos resultados terapêuticos e ajuda a decidir quando o tratamento deve ser terminado.

O acompanhamento clínico informa se o paciente está melhor, inalterado ou pior e quando necess ário, orienta sobre a necessidade adicional de exames subsidiários, consultas a outras áreas médicas ou sobre uma revisão da atitude terapêutica (13). No acompanhamento de um ano, a paciente permanecia assintomática e os pais relataram melhora no rendimento escolar, uma vez que a criança apresentava dificuldade para ir à escola devido à locomoção ser conturbada pela tontura e pelos vômitos.

Isso nos leva a pensar na contribuição para uma melhora da qualidade de vida desta paciente, apesar da literatura relatar que o fenômeno da cinetose poder diminuir ou desaparecer com a idade. Além disso, a RV previne patologias, pois a disfunção vestibular costuma comprometer seriamente a habilidade de comunicação, o comportamento psicológico e o desenvolvimento escolar, o que também pode ser observado neste caso (14).

CONCLUSÃO

A RV mostrou-se eficiente no tratamento da cinetose, não apenas no desaparecimento dos sintomas, mas tamb ém no aspecto social, pois obtivemos a reintegração da criança à sociedade. Não descartamos a contribuição da maturação do sistema nervoso central na melhora dos sintomas. Na avaliação do nistagmo espontâneo pós RV, houve uma depressão dos mesmos em relação ao exame anterior. A partir do aumento das freqüências nos exames pesquisados houve também uma resposta melhorada na auto-rotação cefálica. A partir dos resultados encontrados na avaliação otoneurológica, sugerimos a auto-rotação cefálica ativa como monitorização da terapia de RV.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Caovilla HH. O equilíbrio corporal e os Distúrbios da Comunicação humana. In: Ganança MM, Vieira RM, Caovilla. HH. Princípios de Otoneurologia. São Paulo: Atheneu; 1998.
2. Ganança MM, Vieira RM; Caovilla, HH. Princípios de Otoneurologia. São Paulo: Atheneu; 1998.
3. Bittar, RSM. Tratamentos em otoneurologia: indicações da reabilitação vestibular. São Paulo: Medcultura (Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica do HCFMUSP), 2002.
4. Caovilla HH, Ganança MM, Silva MLG, Munhoz MSL. Entendendo as tonturas: o que você precisa saber sobre os distúrbios do labirinto. São Paulo: Atheneu; 1999.
5. Ganança, MM. Vertigem tem cura? São Paulo: Lemos Editorial; 1998.
6. Hamid, MA. The motion sickness syndrome. In Dizziness and Balance Disorders 1993, 745-750.
7. Pedalini MEB, Bittar RSM. Reabilitação Vestibular: Uma proposta de trabalho. Rev. Pró Fono 1999; 11:140-4.
8. Money KE, Johnson WH, Casrlett BA. Role of semicircular canals in positional alcohol nystagmus. Am J Physiol. 1970;208:1065-70.
9. Money KE, Myles WS. Heavy water nystagmus and effects of alcohol. Nature 1974; 247: 247:404-5.
10. Toupet TM, Toupet F. Le vertige Chez L.enfant. Rev. Prat. 1984, 44: 343-9.
11. Sih T, Vieira JF. Otorrinolaringologia Pediátrica. Rio de Janeiro: Revinter;1998
12. Ganança FF, Ganança CF, Ganança MM, Caovilla HH. Como manejar o paciente com tontura por meio da reabilitação vestibular. São Paulo: Janssen Cilag, 2000.
13. Caovilla HH, Ganança MM, Frazza MM, Cabete CF. Monitorização da terapia otoneurológica integrada nos distúrbios do sistema vestibular. In: Ganança, MM. Estratégias terapêuticas em otoneurologia. São Paulo: Atheneu, 2001.
14. Ganança MM, Caovilla HH. Labirintopatias infantis. Atualização e Terapêutica. Rev Brás Clin Terap 1989, 18:350-69.

* Fonoaudióloga mestranda pelo Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
** Fonoaudióloga Doutoranda pelo Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
*** Professor Assistente Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Instituição: Trabalho realizado nos setores de otoneurologia e fonoaudiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Fga. Erika Barioni Mantello . Rua Vericondo de Gobbi, 99 . Santa Rita do Passa Quatro / SP. 13670-000 . Telefone: (16) 3914-3171 / (19) 3582-1321. Fax: (19) 3582-2152. E-mail: erikafga@yahoo.com.br
Artigo recebido em 12 de fevereiro de 2005. Artigo aceito com modificações em 14 de abril de 2005.
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