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Ano: 2005  Vol. 9   Num. 3  - Jul/Set Print:
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Evolução do Zumbido e da Audição em Pacientes com Audiometria Tonal Normal
Tinnitus and Hearing Evolution in Normal Hearing Patients
Author(s):
Tanit Ganz Sanchez*, Milena Perez Mak**, Maria Elisabete Bovino Pedalini***, Cristiane Passos Dias Levy****, Ricardo Ferreira Bento*.
Palavras-chave:
zumbido, audiometria tonal normal, limiares tonais normais.
Resumo:

Introdução: Pacientes com zumbido e audiometria normal constituem um grupo importante, pois seus achados não sofrem influência da perda auditiva. Apesar disso, são pouco estudados e não há estudos longitudinais sobre a evolução destes pacientes. Objetivos: Determinar a evolução temporal do zumbido e da audição em portadores de zumbido e audiometria tonal normal. Métodos: Foram selecionados 36 pacientes do Grupo de Pesquisa em Zumbido do HCFMUSP de 1995 a 2003 que apresentavam audiometria normal à época da admissão para acompanhamento longitudinal. Estes foram convocados e submetidos a nova audiometria tonal e a um questionário sobre as características do zumbido. Realizou-se a comparação entre as avaliações inicial e final em todos os pacientes, assim como no subgrupo que evoluiu com perda auditiva e no que manteve a audiometria normal. Resultados: Após um intervalo médio de 3,5 anos, 44,6% dos pacientes evoluíram com perda auditiva predominantemente moderada, bilateral e em freqüências agudas. O zumbido evoluiu de constante em 75% na avaliação inicial para intermitente em 53,8% na avaliação final, sem alteração significativa dos demais parâmetros avaliados. Além disso, 46,1% dos pacientes apresentaram abolição ou melhora do zumbido. O grupo que evoluiu com perda auditiva mostrou diminuição significante do incômodo com o zumbido. Conclusões: Embora não haja piora do zumbido com o tempo, nem alterações significativas de suas características, uma parcela considerável dos pacientes com zumbido e audiometria normal evoluiu para perda auditiva, confirmando que o zumbido pode ser o primeiro sintoma de disfunção da via auditiva.

INTRODUÇÃO

O zumbido é uma sensação sonora endógena sem correspondente no meio ambiente, que afeta cerca de 15% da população americana (1,2). No Brasil, ainda não dispomos de dados estatísticos definitivos, mas a extrapolação da incidência americana sugere a existência de cerca de 25 milhões de brasileiros com zumbido (3,4).

É um sintoma que pode ser causado por inúmeras afecções otológicas, metabólicas, neurológicas, cardiovasculares, farmacológicas, odontológicas e psicológicas que, por sua vez, podem estar presentes conco¬mitantemente no mesmo indivíduo (3,4). A presença do zumbido pode ser um fator de grande repercussão negativa na vida do indivíduo, dificultando o sono, a concentração nas atividades diárias e profissionais, assim como a vida social. Muitas vezes altera o equilíbrio emocional do paciente, desencadeando ou agravando estados de ansiedade e depressão. Apesar de toda esta repercussão e dos recentes avanços na literatura, a fisiopatologia do zumbido ainda não foi completamente elucidada, o que compromete o avanço do seu tratamento.

A associação entre o zumbido e a perda auditiva já foi bem descrita. Segundo os diferentes relatos, 85% a 96% dos pacientes com zumbido apresentam algum grau de perda auditiva (3,5-8). Alguns autores consideram a teoria de que o zumbido é o resultado de mecanismos compensatórios para minimizar a disfunção da via auditiva periférica (9), ou seja, que o zumbido é uma conseqüência da existência da perda auditiva (10).

Apenas 8 a 10% dos pacientes com zumbido apresentam audiometria normal (11) e não podem ser explicados pela mesma teoria. Nestes indivíduos, a presença isolada do zumbido sugere que o mesmo pode ser o primeiro sintoma de doenças que são geralmente diagnosticadas pela presença de perda auditiva. Portanto, apesar de raros, esses pacientes constituem uma amostra muito interessante, pois seus dados podem ser atribuídos exclusivamente ao zumbido, e não à perda auditiva que acompanha a maioria dos casos.

Entretanto, na escassa literatura sobre zumbido na vigência de audiometria normal não há, até o momento, nenhum estudo longitudinal avaliando a evolução destes pacientes a médio ou longo prazo para comprovar o aparecimento da perda auditiva. Portanto, realçando a importância de avaliar melhor estes indivíduos, o objetivo do estudo é analisar a evolução temporal do zumbido e da audição em pacientes que apresentam zumbido e audiometria normal. Se esta impressão estiver correta, o estudo do zumbido pode ganhar importância na especialidade por justificar a atenção dos profissionais a esta queixa.

CASUÍSTICA E MÉTODO

O presente estudo e seu termo de consentimento livre esclarecido foram aprovados pela Comissão para Análise de Projetos de Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CAPPesq), sob o protocolo número 630/04.

Seleção da amostra

Este estudo foi delineado como uma coorte longitudinal. Dentre todos os pacientes previamente matriculados no Grupo de Pesquisa em Zumbido do HCFMUSP de 1995 a 2003, foram selecionados os pacientes com os seguintes critérios de inclusão:
1. portadores de zumbido de qualquer sexo e com idade superior a 18 anos;
2. presença de audiometria tonal normal na época da primeira consulta (limiares ≤ 25 dB NA de 250 a 8000 Hz em ambas as orelhas), denominada de avaliação 1.

Dos 68 pacientes inicialmente elegíveis para o estudo, 32 foram excluídos por falta de dados completos ou por não terem comparecido para realizarem os procedimentos nos dias combinados, mesmo após a terceira convocação. Assim, a amostra final constou de 36 pacientes com zumbido e audiometria normal, sendo 23 (63,8%) do sexo feminino e 13 (36,2%) do masculino. A idade média na época da avaliação 1 foi de 43,9 anos (DP=11,7 anos) e, na época da convocação para a avaliação final, foi de 48,9 anos (DP= 11,4 anos).

Procedimentos

Todos os pacientes incluídos já apresentavam dados referentes às características clínicas do zumbido e uma audiometria tonal liminar da época da consulta inicial no Grupo de Pesquisa em Zumbido (avaliação 1), como parte do protocolo médico e audiológico utilizado rotineiramente no serviço.



Depois de serem informados sobre a pesquisa e assinarem o termo de consentimento livre esclarecido, foram novamente submetidos aos seguintes procedimentos (avaliação 2):

1. audiometria tonal liminar nas freqüências de 250 a
8000 Hz, realizada pela mesma fonoaudióloga, utilizando-se cabine acústica e audiômetro Midmate 622 da Madsen Eletronics devidamente calibrado.

2. questionário simplificado sobre as características clínicas atuais do zumbido que poderiam sofrer influência da evolução temporal (localização, tipo, tempo de percepção, interferência nas atividades diárias, incômodo e sintomas concomitantes).

3. avaliação qualitativa sobre a evolução do zumbido por meio da pergunta fechada "O que aconteceu com o seu zumbido desde a época que você começou o acompanhamento aqui?", dando-se as opções "aboliu", "melhorou", "permaneceu inalterado" e "piorou".

O intervalo médio de tempo entre ambas as avaliações 1 e 2 foi de 3,6 anos (variação de 6 meses a 8,5 anos; desvio padrão de 2,3 anos). Em relação à evolução da audição, os pacientes foram divididos em 2 grupos:

- GN (grupo que evoluiu com audiometria normal): pacientes cuja audiometria da avaliação 2 manteve-se normal em todas as freqüências (limiares < 25dBNA)

- GA (grupo que evoluiu com audiometria alterada): pacientes cuja audiometria tonal da avaliação 2 mostrou elevação dos limiares tonais (testados e retestados) em pelo menos uma das freqüências de 250 a 8000 Hz.

Forma de análise dos resultados

Após digitação e checagem da consistência dos dados, foi feita uma análise descritiva, com cálculo de freqüências para as variáveis categóricas e de medidas de tendência central (média e/ou mediana) e de dispersão para as variáveis quantitativas.

Os dados das avaliações 1 e 2 foram analisados sem considerar o tipo de tratamento realizado no período entre as avaliações. Como o intervalo de tempo entre as mesmas é variável, a interpretação dos dados levou em conta o número de pessoas/ano para definir a evolução temporal de ambos os sintomas.

Para avaliar a evolução da audição, foi calculada a média dos limiares tonais das freqüências graves (250 e 500 Hz), médias (1000 e 2000 Hz) e agudas (3000 a 8000 Hz) de cada orelha de cada paciente (teste t de STUDENT pareado). As médias das freqüências na avaliação 1 entre o GN e o GA foram comparadas pelo teste t de variáveis independentes.

Para avaliar a evolução do zumbido de todos os pacientes estudados e dentro de cada grupo (GA e GN) foi utilizado o teste t de Student pareado para comparar as características não binárias nas avaliações 1 e 2 (idade, localização e escala numérica). As características binárias foram comparadas utilizando-se o teste de McNemar e cada paciente foi o seu próprio controle. As características não dicotômicas da avaliação 1 também foram comparadas pelo teste de U de Mann-Whitney entre o GN e o GA e as dicotômicas pelo teste Chi-quadrado corrigido em busca de características prognósticas da perda auditiva. Os dados foram analisados com o auxílio do programa estatístico SPSS, versão 13.0, adotando-se o nível de significância estatística de a= 0,05.

RESULTADOS

I. Em relação à evolução da audição

As médias das freqüências graves (250 e 500Hz), médias (1000 e 2000Hz) e agudas (3000, 4000, 6000 e 8000Hz) em cada orelha, na via óssea e na via aérea estão apresentadas nas Tabelas 1 e 2.





Dos 36 pacientes avaliados no estudo, 16 evoluíram com perda auditiva em pelo menos uma freqüência e compuseram o GA (grupo que evoluiu com audiometria alterada). Os 20 pacientes restantes mantiveram suas audiometrias normais e compuseram o GN. Assim, a incidência acumulada de perda auditiva foi de 44,5% e a densidade de incidência de perda auditiva foi de 38,6 por 1000 pessoas-ano, ou seja, se 1000 pessoas com zumbido e audiometria normal fossem observadas em um ano, aproximadamente 38 evoluiriam com perda auditiva.



Em relação ao grau, a perda auditiva foi predominantemente moderada em 11 pacientes (68,8% do GA ou 30,6% do total de indivíduos). Os outros 5 pacientes do GA apresentaram perda auditiva de grau leve (31,2% do GA ou 13,9% do total de indivíduos). Quanto ao tipo de perda auditiva, apenas um paciente apresentou hipoacusia condutiva, sendo as demais do tipo neurossensorial.

Em relação às freqüências acometidas, um paciente (6,3%) apresentou alteração somente em freqüências graves e 8 (50%) apresentaram alteração somente em freqüências agudas. Outros 2 pacientes (12,5%) apresentaram perda em freqüências graves e agudas e 2 em médias e agudas (12,5%). Os três pacientes restantes (18,8%) apresentaram alterações em todas as freqüências.

Quanto à lateralidade, a perda auditiva foi predominantemente bilateral, ocorrendo em 10 pacientes (62,5% do GA). O comprometimento isolado da orelha direita ocorreu em 3 pacientes (18,8%) e da esquerda, em outros 3 pacientes (18,8%). A via aérea e óssea foram mais afetadas nas freqüências agudas e na orelha esquerda, o que ocorreu em 33,3% dos pacientes observados ou 75% dos pacientes do grupo alterado (Tabela 3).

A comparação das audiometrias entre as avaliações 1 e 2 (teste t pareado) mostrou uma diferença significativa entre as médias das freqüências agudas (3000 a 8000 Hz) em ambas as vias, em ambas as orelhas, e nas médias das freqüências médias (1000 e 2000 Hz) na via aérea e óssea à direita, indicando que os limiares tonais são, de fato, mais elevados na avaliação 2 do que na avaliação 1. Nas freqüências agudas, a média do incremento entre as audiometrias foi de 3,3 dB para a orelha direita (p=0,02) e de 4,8 dB para a orelha esquerda (p=0,01), como pode ser visto na Tabela 4.

A comparação das médias dos limiares tonais na avaliação 1 entre o GN (n=20) e o GA (n=13), por meio do teste t para variáveis independentes, mostrou diferença significante entre a média das freqüências agudas em ambas as orelhas nas vias aérea e óssea no GA. Na orelha direita, a diferença média foi de 5,5 dB para as duas vias (IC 95%: 2,3-8,6; p=0,001) e, na orelha esquerda, de 4,9 dB (IC 95%: 1,2-8,4; p=0,01). O mesmo ocorreu com a média das freqüências médias à esquerda, com uma diferença média de 3,7 dB (via óssea) e 4,1 dB (via aérea), como pode ser visto na Tabela 5.



A evolução da perda auditiva ocorreu em média após 3,5 anos (DP = 2,7 anos), com o mínimo de 6 meses e um máximo de 8,5 anos. A sobrevida média livre de perda auditiva foi de 5,6 anos (DP = 0,6 ano). A Figura 1 representa uma curva de Kaplan-Meyer com o tempo decorrido até o evento, no caso, a perda auditiva.



II. Em relação à evolução do zumbido

IIA. Avaliação das características do zumbido nas avaliações 1 e 2

Dos 36 pacientes incluídos, 4 não tinham no prontuário dados completos sobre o zumbido da avaliação inicial (pois o protocolo médico e audiológico utilizado no serviço foi incrementado ao longo dos anos). Por isso, optou-se por não excluí-los do estudo, mas apenas desta análise parcial. Assim, dos 32 indivíduos analisados, as características do zumbido da avaliação 1 foram (Tabelas 6 e 7):
a) localização: 18 (56,3%) pacientes apresentavam zumbido bilateral.
b) tipo: 16 (50%) dos pacientes apresentavam zumbido único e constante.
c) tempo de percepção: 15 (46,9%) pacientes já apresentavam zumbido há mais de 5 anos quando foram admitidos no Grupo de Pesquisa em Zumbido.
d) interferência nas atividades diárias: a principal esfera de interferência foi a qualidade do sono (62,5%).
e) incômodo: a pontuação na escala numérica de 0 a 10 pontos variou de 3 a 10, com média de 6,6 e DP de 2,4 pontos.
f) sintomas concomitantes: um número expressivo de pacien-tes (40,6%) apresentou tontura associada ao zumbido.

Na avaliação 2, realizada com intervalo médio de 3,6 anos (DP de 2,3 anos) após a avaliação 1, as características predominantes do zumbido dos 26 pacientes que responderam ao questionário foram:
a) localização: 13 (50,0%) pacientes apresentavam zumbido bilateral, não havendo diferença significante em relação à avaliação 1.
b) tipo: 17 (65,4%) pacientes apresentavam zumbido único, mas o mesmo passou a ser predominantemente intermitente (53,8%), com diferença estatisticamente significante em relação à avaliação 1 (p=0,02) (teste de McNemar). Os casos de zumbido pulsátil aumentaram de 12,5% na avaliação 1 para 26,9% na avaliação 2.
c) interferência nas atividades diárias: 14 pacientes (53,8%) relatavam interferência no sono, não havendo diferença significante em relação à avaliação 1.
d) incômodo: a pontuação na escala numérica variou de 0 a 10 pontos, com média de 6,2 e DP de 2,8 pontos, sem diferença estatisticamente significante da avaliação 1.
e) sintomas concomitantes: 6 (23,1%) pacientes passaram a relatar hipoacusia. Entretanto, apesar desta queixa, 4 deles pertenciam ao grupo que manteve a audiometria normal (GN).

IIB. Avaliação qualitativa sobre a evolução do zumbido

Considerando-se a avaliação qualitativa da evolução do zumbido (abolição, melhora, inalterado ou piora), 12 pacientes (46,1%) apresentaram abolição ou melhora do zumbido e apenas 1 (3,8%) relatou piora (Figura 2).







IIC. Comparação das características do zumbido entre os pacientes do GN e do GA

Depois de conhecer o resultado audiométrico da avaliação 2 e classificar os indivíduos nos grupos GN e GA, foi realizada a comparação das características do zumbido nas seguintes situações:
a) entre os grupos GN e GA na avaliação 1 e 2 (teste de Mann-Whitney para idade, localização e escala numérica; Chi-quadrado para os demais parâmetros): não houve diferença estatisticamente significante entre a idade média dos pacientes do GN (46,3 anos; DP de 11,1 anos) e do GA (52,2 anos ; DP de 11,2 anos) nem entre as características do zumbido avaliadas.
b) dentro de cada grupo na avaliação 1 e 2: no GN, não houve diferença significante dos parâmetros observados (teste t pareado para idade, localização e gravidade; teste de McNemar para as demais variáveis). Na avaliação quantitativa do GA, houve diferença significante (p=0,018) entre a média de incômodo do zumbido na avaliação 1 (7,2; DP=2,0) e na avaliação 2 (6,2; DP=2,8). Na avaliação qualitativa, 60% dos pacientes referiu melhora do zumbido e os demais mantiveram-se inalterados.

DISCUSSÃO

O Grupo de Pesquisa em Zumbido do Ambulatório de Otorrinolaringologia do HCFMUSP espelha um serviço de referência e seus pacientes são rotineiramente submetidos a um protocolo médico e audiológico. Isso permite a avaliação das características clínicas do zumbido e sintomas correlatos, assim como de suas repercussões na vida do paciente, facilitando as principais suspeitas diagnósticas e o direcionamento inicial de cada caso. Em trabalho anterior, estudamos as características clínicas e epidemiológicas dos 150 primeiros pacientes atendidos em nosso Grupo (12), independente dos resultados audiométricos. Naquela ocasião, observamos o predomínio de zumbido bilateral, único e com longo tempo de evolução, o que concorda com nossos achados atuais referentes aos pacientes com audiometria tonal normal.

Nos últimos anos, temos atendido maior contingente de pacientes com zumbido e audiometria normal e nos questionamos como seria a evolução a médio e longo prazo destes indivíduos. Assim, o presente estudo possibilitou a construção de um perfil descritivo da evolução temporal da audição e do zumbido nestes pacientes que foram admitidos com audiometria normal à época da primeira consulta.

Em nosso serviço, a prevalência de pacientes com zumbido com audiometria normal é de apenas 7,4% do total de pacientes atendidos (13). Este resultado é compatível com os achados de Barnea et al (11), confirmando que esta associação é rara.

No período entre as avaliações 1 e 2, nem todos os pacientes inicialmente matriculados mantiveram um acompanhamento regular. Alguns estavam em uso de medicamentos ou na vigência de TRT (Tinnitus Retraining Therapy), outros já haviam recebido alta por estabilização do quadro e outros haviam abandonado o serviço. Entretanto, optamos por avaliar a evolução dos sintomas independentemente do tipo de tratamento a que o paciente havia sido submetido.

Na avaliação 1, a maioria dos pacientes apresentava uma queixa de zumbido há mais de 5 anos, demonstrando a demora para conseguir tratamento especializado. Esse dado se reveste de importância ao analisarmos que a maioria dos pacientes não procurou um otorrinola¬ringologista pela primeira vez. Muitos já haviam sido atendidos em outros serviços e orientados a tentar se acostumar com o zumbido.

Ao longo do tempo, as características do zumbido como localização, tipo e áreas de interferência persistem as mesmas, mas a ocorrência passa a ser predominantemente intermitente. Não temos como comparar esta evolução com a literatura, uma vez que não encontramos estudos longitudinais dos pacientes com zumbido e audiometria normal.

A anamnese otorrinolaringológica rotineira geralmente limita-se a investigar a presença ou ausência do zumbido, não detalhando o quanto provoca de incômodo ou interferência na vida do paciente. Nos retornos, costumeiramente se faz uma avaliação qualitativa dos sintomas (abolição, melhora, inalterado ou piora). Desde a criação do Grupo de Pesquisa em Zumbido, o protocolo de avaliação médica e audiológica inclui sistematicamente a investigação do grau de incômodo pela escala numérica de 0 a 10. Esta avaliação quantitativa tornou-se uma ferramenta coadjuvante interessante para a escolha da estratégia terapêutica e para monitorar a evolução dos resultados. Por exemplo: dois pacientes que referem melhora do zumbido podem ter graus de melhora diferentes, ou seja, o primeiro pode melhorar de 9 para 7 e o segundo, de 9 para 3. Entretanto, pode haver dissociação dos resultados obtidos pela avaliação qualitativa e quantitativa, justificando nossa escolha por ambas. Neste estudo, houve melhora da avaliação qualitativa em boa parte dos indivíduos, porém não houve diminuição quantitativa do incômodo do zumbido pela escala numérica (6,6 para 6,1, teste t pareado).

A avaliação qualitativa indicou que, embora grande parte dos pacientes tenham evoluído com perda auditiva, a piora do zumbido foi exceção. Neste estudo, o único paciente que relatou piora do zumbido não apresentou perda auditiva. Por outro lado, entre os que evoluíram com perda auditiva, a maioria relatou melhora do zumbido qualitativa e quantitativamente. Assim, inferimos que não há relação entre a piora audiométrica e evolução qualitativa do zumbido, diferentemente dos achados de BARNEA et al (11).

Os pacientes do GN e do GA apresentaram médias de idade semelhantes, tornando remota a possibilidade da perda auditiva ser relacionada à idade. Isso reforça a importância do zumbido como primeiro sintoma de uma disfunção auditiva. Isso já foi observado por MCKEE e STEPHENS (1992)(14) e CASTELLO (1997)(15), que relacionaram o zumbido a uma lesão coclear incipiente pela lesão das células ciliadas externas, avaliada por meio das emissões otoacústicas. Como a aplicação de tal teste não foi rotina na época da admissão dos pacientes no Grupo de Pesquisa em Zumbido, não avaliamos estes resultados. Entretanto, concordamos que o teste de emissões otoacústicas em pacientes com zumbido e audiometria tonal normal possa ser uma avaliação precoce para detectar alterações cocleares em relação ao aparecimento da perda auditiva.

A avaliação audiométrica mostrou que os indivíduos que evoluíram com perda auditiva (GA) já apresentavam limiares mais elevados nas freqüências agudas na avaliação inicial, embora dentro da faixa de normalidade. Este dado pode ser interessante se considerarmos que os indivíduos com zumbido e audiometria normal com limiares de freqüências agudas mais próximos ao limite da normalidade tenham pior prognóstico em relação a adquirir uma perda auditiva.

No período de acompanhamento, a perda auditiva foi predominantemente moderada, bilateral e em freqüências agudas. Embora a configuração da curva audiométrica possa auxiliar a elaboração das suspeitas diagnósticas em alguns casos, a disacusia neurossensorial descendente é um achado freqüente no acometimento coclear e pode retratar uma gama de diagnósticos diferenciais.

A perda auditiva acompanha o zumbido na grande maioria dos casos (3,5-8) e freqüentemente gera condições propícias para seu aparecimento. Assim, alguns autores consideram que o zumbido resulta de mecanismos compensatórios para minimizar a disfunção da via auditiva periférica (9), ou seja, que o zumbido é uma conseqüência da existência da perda auditiva (10). Por outro lado, pacientes com zumbido e audiometria normal não podem ser incluídos nesta teoria. Em nossa opinião, independente da estratégia terapêutica escolhida para melhorar o sintoma, estes pacientes devem ter sua audição monitorada, pois o zumbido pode significar um primeiro alerta da disfunção da via auditiva.

CONCLUSÕES

Avaliando a evolução temporal do zumbido e da audição em pacientes com audiometria tonal normal, concluímos que:
1. O zumbido não apresentou piora no decorrer do tempo, nem alterações significativas de suas características principais.
2. Uma parcela considerável dos pacientes (44,5%) evoluiu para perda auditiva em pelo menos uma freqüência, sendo esta predominantemente bilateral, moderada e em freqüências agudas.

Estes achados ressaltam a importância do zumbido como primeiro sintoma de disfunção coclear, antes da instalação da perda auditiva.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer as Dras. Jeanne Ramalho e Renata Marcondes pelo auxílio na convocação dos pacientes e o Dr. Desidério Favarato pela inestimável ajuda na análise estatística.

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