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Ano: 2006  Vol. 10   Num. 3  - Jul/Set Print:
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Avaliação Vestibular em Pacientes Portadores de Hipertensão Arterial Sistêmica: Estudo Preliminar
Vestibular Evaluation in Patients with Systemic Arterial Hypertension: A Preliminary Study
Author(s):
Bianca Simone Zeigelboim1, Ari Leon Jurkiewicz2, Karlin Fabianne Klagenberg3, Andreia Alberti4, Aline Palmonari4
Palavras-chave:
Tontura. Eletronistagmografia. Vertigem. Doenças do labirinto. Hipertensão.
Resumo:

Introdução: A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é um dos principais males circulatórios que podem causar comprometimento periférico e/ou central dos sistemas auditivo e/ou vestibular. Objetivo: Avaliar o comportamento vestibular em pacientes portadores de hipertensão arterial sistêmica. Casuística e Método: Avaliaram-se 17 pacientes (11 do sexo feminino e seis do sexo masculino), na faixa etária de 22 a 76 anos, encaminhados da Unidade de Saúde Ouvidor Pardinho e da comunidade em geral da cidade de Curitiba para o Laboratório de Otoneurologia da Universidade Tuiuti do Paraná. Realizaram-se os seguintes procedimentos: anamnese, inspeção otológica e avaliação vestibular por meio da vectoeletronistagmografia (VENG). Resultados: a) Os sintomas mais evidenciados foram: zumbido (47,0%), tontura rotatória (35,2%) e cefaléia (23,5%); b) O exame vestibular esteve alterado na prova calórica em seis pacientes (35,0%); c) Houve prevalência de alteração no sistema vestibular periférico e, d) Houve similaridade de ocorrência das síndromes vestibulares periféricas deficitárias e irritativas. Conclusão: Ressaltamos a importância de se estudar a relação do sistema vestibular em pacientes com hipertensão arterial sistêmica, pois é uma doença freqüente e seu diagnóstico está aumentando na população jovem.

INTRODUÇÃO

Devido ao elevado número de indivíduos portadores de hipertensão arterial sistêmica (HAS) na população brasileira, há uma crescente preocupação por parte dos profissionais da área da saúde em pesquisar implicações desta doença e evitar seus transtornos secundários que podem reduzir a qualidade de vida.
A HAS é um dos principais males circulatórios que podem causar comprometimento periférico e/ou central dos sistemas auditivo e/ou vestibular (1).
Aceita-se como normal para indivíduos adultos, com mais de 18 anos de idade, cifras inferiores a 90mmHg de pressão diastólica e inferiores a 140 mmHg de pressão sistólica (2).
A HAS pode causar lesões secundárias que levam à hipertrofia muscular arterial com diminuição gradual da oxigenação e aumento da probabilidade de vasoespasmo, isquemia transiente, edema e necrose focais e desenvolvimento de microaneurisma. Estas complicações podem resultar numa redução da oxigenação da orelha interna. A hipertensão afeta cerca de 20% dos indivíduos adultos no Brasil (3).
Tontura é a sensação de alteração do equilíbrio corporal. Pode ser de caráter rotatório (vertigem) ou não-rotatório (instabilidade, oscilação, titubeios, etc.). Ambos os tipos podem ser ocasionados por desordens vestibulares primárias ou secundárias, o que é possível comprovar pelo exame vestibular (4).
A vertigem é o principal tipo de tontura de origem vestibular. Pode ser objetiva (egocêntrica), quando o paciente nota os objetos rodarem em torno de si ou subjetiva (excêntrica), quando o paciente tem a impressão de estar girando no ambiente. A vertigem é o sintoma mais freqüente, cinco a 10% da população mundial o apresenta, e mais de um terço das pessoas poderão sentir tontura em alguma época da vida (5).
Nem sempre quem tem pressão arterial elevada apresenta sintomatologia, entretanto, sintomas como cefaléia, taquicardia, tontura, nistagmo, vertigem e vômito podem surgir principalmente nas crises hipertensivas (1,2,5).
Os sintomas otoneurológicos das vestibulopatias de origem vascular podem ser leves, moderados ou severos, mesmo em pacientes compensados do ponto de vista cardio¬vascular. Com relação aos antecedentes pessoais e familiares, pode haver relação com a predisposição familiar (1).
Estudos referentes ao tratamento anti-hipertensivo relatam a vertigem entre as reações adversas mais freqüentes (6).
Apesar da evolução do diagnóstico por imagem ter substituído muitos testes funcionais, o mesmo não ocorreu com o exame otoneurológico que continua ocupando um lugar de destaque na avaliação clínica de pacientes com distúrbios funcionais da audição e do equilíbrio corporal (5).
Este estudo tem como objetivo descrever os achados vestibulares em pacientes portadores de HAS.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Avaliaram-se 17 pacientes com HAS, em tratamento medicamentoso, sendo 11 do sexo feminino e seis do sexo masculino, na faixa etária de 22 a 76 anos, encaminhados da Unidade de Saúde Ouvidor Pardinho e da comunidade em geral ao Laboratório de Otoneurologia da Universidade Tuiuti do Paraná.
Após autorização do Comitê de Ética Institucional e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os pacientes foram submetidos aos seguintes procedimentos:

Anamnese

Aplicou-se um questionário com ênfase aos sinais e sintomas otoneurológicos, antecedentes pessoais e familiares.

Avaliação Otorrinolaringológica

Realizada com o objetivo de excluir qualquer alteração que pudesse interferir no exame vestibular.

Exame Vestibular

Os pacientes foram submetidos às seguintes provas que compõem o exame vestibular:

Sem registro

- Pesquisaram-se o nistagmo e a vertigem de posição/posicionamento através da manobra de Brandt e Daroff (7).
- Pesquisaram-se os nistagmos espontâneo e semi-espontâneo com os olhos abertos, no olhar frontal e a 30o de desvio do olhar para a direita, esquerda, para cima e para baixo.

Com registro

Para a realização da vectoeletronistagmografia (VENG) utilizou-se um aparelho termossensível, com três canais de registro, da marca Berger, modelo VN316. Após a limpeza da pele das regiões periorbitárias com álcool, colocaram-se, fixados com pasta eletrolítica, um eletródio ativo no ângulo lateral de cada olho e na linha média frontal, formando um triângulo isósceles, que permitiu a identificação dos movimentos oculares horizontais, verticais e oblíquos. Este tipo de VENG possibilitou obter medidas mais precisas da velocidade da componente lenta (correção vestibular) do nistagmo.
Utilizou-se uma cadeira rotatória pendular decrescente da marca Ferrante, de um estimulador visual marca Neurograff, modelo EV VEC, e de um otocalorímetro a ar, da marca Neurograff, modelo NGR 05.
Realizaram-se as seguintes provas oculares e labirínticas à VENG, segundo os critérios de PADOVAN e PANSINI (8) e MANGABEIRA-ALBERNAZ et al.(9).
- Calibração dos movimentos oculares para se obter a regularidade do traçado, tornando as pesquisas comparáveis entre si.
- Pesquisa dos nistagmos espontâneo (olhos abertos e fechados) e semi-espontâneo (olhos abertos), para avaliar a ocorrência, direção, efeito inibidor da fixação ocular (EIFO) e o valor da velocidade angular da componente lenta (VACL) máxima do nistagmo.
- Pesquisa do rastreio pendular para a avaliação da ocorrência e do tipo de curva.
- Pesquisa do nistagmo optocinético, à velocidade de 60 por segundo, nos sentidos anti-horário e horário, na direção horizontal. Avaliaram-se a ocorrência, direção, VACL máxima às movimentações anti-horária e horária do nistagmo.
- Pesquisa dos nistagmos pré e pós-rotatórios à prova rotatória pendular decrescente, estimulando-se os ductos semicirculares laterais, anteriores e posteriores. Para a estimulação dos ductos semicirculares laterais (horizontais) a cabeça foi fletida 30o para frente. Na etapa seguinte, para a sensibilização dos ductos semicirculares anteriores e posteriores (verticais) o posicionamento da cabeça foi de 60o para trás e 45o à direita e, a seguir, 60o para trás e 45o à esquerda, respectivamente. Observaram-se a ocorrência, direção, freqüência às rotações anti-horária e horária do nistagmo.
- Pesquisa dos nistagmos pré e pós-calóricos, realizada com o paciente posicionado de forma que a cabeça e o tronco estivessem inclinados 60o para trás, para estimulação adequada dos ductos semicirculares laterais. O tempo de irrigação de cada orelha com ar a 42oC, 20oC e 10oC durou 80s para cada temperatura e as respostas foram registradas com os olhos fechados e, a seguir, com os olhos abertos para a observação do EIFO. Nesta avaliação observaram-se a direção, os valores absolutos da VACL e o cálculo das relações da preponderância direcional e predomínio labiríntico do nistagmo pós-calórico.



Análise Estatística

Aplicou-se o teste de Diferença de Proporções com a finalidade de comparar os resultados da prova calórica (analisando os valores absolutos e relativos) e do resultado do exame vestibular. Fixou-se 0,05 ou 5% o nível de rejeição na hipótese de nulidade.

RESULTADOS

As queixas otoneurológicas mais referidas na anamnese foram zumbido (47,0%), tontura rotatória (35,2%) e cefaléia (23,5%), como demonstra a Tabela 1.
Todos os pacientes relataram antecedentes familiares de HAS.
A pesquisa do nistagmo de posição/posicionamento, calibração dos movimentos oculares, nistagmo espontâneo de olhos abertos e fechados, nistagmo semi-espontâneo de olhos abertos, rastreio pendular e nistagmos optocinético e per-rotatório foram normais. Os achados anormais à VENG foram essencialmente na prova calórica.
Na prova calórica ocorreram 11 casos (65,0%) de normorreflexia, dois casos (11,7%) de hiporreflexia labiríntica unilateral, dois casos (11,7%) de hiperreflexia labiríntica bilateral, um caso (5,8%) de hiporreflexia labiríntica bilateral e um caso (5,8%) de preponderância direcional do nistagmo assimétrica, conforme Tabela 2. De acordo com o teste de Diferença de Proporções, não houve diferença significativa na prova calórica.
Ressaltamos que as alterações evidenciadas no exame vestibular ocorreram no sistema vestibular periférico.



Em relação ao resultado do exame vestibular, 11 pacientes (65,0%) apresentaram exame vestibular normal, três pacientes (17,6%) com síndrome vestibular periférica deficitária e três pacientes (17,6%) com síndrome vestibular periférica irritativa, como demonstra a Tabela 3. De acordo com o teste de Diferença de Proporções, não houve diferença significativa no resultado do exame vestibular.

DISCUSSÃO

A prevalência dos sintomas referidos pelos pacientes foram: zumbido (47,0%), tontura rotatória (35,2%) e cefaléia (23,5%), conforme observa-se na Tabela1. COLAFEMINA e GRELLET (10) estudaram 50 pacientes e evidenciaram a prevalência da vertigem em 88,0% dos pacientes, cefaléia em 74,0%, zumbido em 52,0% e a tontura não rotatória em 26,0%. CAOVILLA et al. (11) avaliaram 542 pacientes portadores de doença cardiovascular, dentre eles, 270 com HAS. A sintomatologia vestibular ocorreu em 186 casos (34,3%). BROHEM et al (12) avaliaram 50 pacientes com HAS e observaram vertigem em 40 casos, tontura não rotatória em 34 casos, cefaléia em 21 casos e o zumbido em 18 casos. PARFENOV (13) avaliou 285 pacientes hipertensos e referiu a vertigem como o sintoma de maior prevalência. Observou-se tanto em nossa casuística como na literatura compulsada que a vertigem foi o sintoma mais expressivo. Segundo COLAFEMINA e GRELLET (10) geralmente a sintomatologia vestibular ocorre quando os níveis de pressão arterial tendem a subir.
Com relação ao exame labiríntico, observamos em nosso estudo alteração em 35,0% dos pacientes somente na prova calórica e no sistema vestibular periférico com similaridade de ocorrência das síndromes vestibulares periféricas deficitárias e irritativas, conforme descrito nas Tabelas 2 e 3.



Na literatura pesquisada observaram-se alterações em algumas provas que compõem o exame labiríntico, dentre elas, a vertigem posicional ressaltada nos estudos de COLAFEMINA e GRELLET (10), CAOVILLA et al. (11) e BROHEM et al. (12). A irregularidade da calibração dos movimentos oculares e a supressão do nistagmo optocinético foram somente observados nos estudos de CAOVILLA et al. (11). A pesquisa dos nistagmos espontâneo (olhos abertos e fechados), semi-espontâneo (olhos abertos), rastreio pendular e do nistagmo per-rotatório foram normais estando em conformidade com nossos achados. Referente à prova calórica observou-se em nosso estudo, normorreflexia, hiperreflexia, hiporreflexia labiríntica uni e bilateral e preponderância direcional do nistagmo assimétrica, estando em conformidade com a literatura compulsada (10-12) que, além dessas alterações observaram também arreflexia uni e bilateral.
Na literatura pesquisada somente OHASHI et al. (14) encontraram maior prevalência de achados centrais no grupo de hipertensos não referindo em quais provas labirínticas.

CONCLUSÕES

a) Os sintomas otoneurológicos mais evidenciados foram o zumbido (47,0%), tontura rotatória (35,2%) e a cefaléia (23,5%);
b) O exame vestibular esteve alterado em seis pacientes (35,0%) somente na prova calórica;
c) Houve prevalência de alteração no sistema vestibular periférico;
d) Houve similaridade de ocorrência das síndromes vestibulares periféricas deficitárias e irritativas.
Ressaltamos que apesar de não encontrarmos um número significativo de alteração no exame labiríntico, devemos ficar atentos com esta doença que é silenciosa e tem se manifestado com freqüência na população jovem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Ganança MM, Caovilla HH, Munhoz MSL, Silva MLG, Settanni FAP. Vestibulopatias de origem cardiovascular. In: Silva MLG, Muhoz MSL, Ganança MM, Caovilla HH. Quadros clínicos otoneurológicos mais comuns. São Paulo: Atheneu: 2000. p.55-61.
2. Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial. [Site na Internet] Disponível em: http://www.manuaisdecardiologia.med.br/has/pag1/shtml. Acessado em 22 de fevereiro de 2005.
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4. Ganança MM, Caovilla HH. A múltipla abordagem terapêutica. In: Ganança MM. Vertigem tem cura? São Paulo: Lemos: 1998. p.59-61.
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9. Mangabeira-Albernaz PL, Ganança MM, Pontes PAL. Modelo operacional do aparelho vestibular. In: Mangabeira-Albernaz PL, Ganança MM. Vertigem. 2.ed. São Paulo: Moderna: 1976. p. 29-36.
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11. Caovilla HH, Ganança MM, Mangabeira-Albernaz PL. Vectonystagmographic findings in acute and chronic cardiovascular disturbances. Vertigo, náusea, tinnitus and hearing loss. Vasc Dis., 1986, 43:105-9.
12. Brohem VMA, Caovilla HH, Ganança, MM. Dos sintomas e achados audiológicos e vestibulares em indivíduos com hipertensão arterial. Acta Awho, 1996, 15(1): 4-10.
13. Parfenov VA. Differential diagnosis and treatment of vertigo in hypertensive patients. Ter Arkh., 77(1):56-9, 2005.
14. Ohashi N, Imamura J, Nakagawa H, Mizukoshi K. Blood pressure abnormalities as background roles for vertigo, dizziness and disequilibrium. ORL J Otorhinolaryngol Relat Spec, 1990, 52 (6): 355-9.
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