INTRODUÇÃOA polipose nasal acomete de 1% a 4% da população em geral (1,2), sendo mais freqüente em pacientes do sexo masculino (3,4) e em maiores de 50 anos (3), mostrando-se rara em crianças e adolescentes. Quando associada à asma, vemos que a ocorrência concomitante dessas duas doenças é mais freqüente em pacientes do sexo feminino (4). Sua etiologia ainda permanece incerta, possivelmente sendo multifatorial ao ser causada por infecções bacterianas ou alterações estruturais como desvios de septo e variações anatômicas do meato médio que levariam a uma condição inflamatória predispondo à formação da polipose nasal (1).
É caracterizada por um processo inflamatório crônico da mucosa respiratória nasal e dos seios paranasais (1). Histologicamente apresenta-se com grande quantidade de células inflamatórias como linfócitos, mastócitos, basófilos com predominância de eosinófilos, e células não inflamatórias como fibroblastos e células epiteliais. Além disso, há presença de mediadores inflamatórios como citosinas e fatores de crescimento atuantes no local (1,5).
A polipose nasal cursa com alta morbidade além de determinar um impacto considerável na qualidade de vida de seus portadores, como já demonstrado por alguns estudos (2, 6, 7, 8). Sua sintomatologia está relacionada à alteração da função sinusal levando a anosmia, obstrução nasal, rinorréia anterior e posterior, espirros e prurido local (8, 9), além de também estar relacionada a distúrbios do sono, cefaléias e irritabilidade (8). A tríade clínica de polipose nasal, asma e sensibilidade à Aspirina
®, são uma condição de alta morbidade, representando a forma mais agressiva da doença (3). Porém, ela não é encontrada em sua forma completa em todos os pacientes com polipose nasal.
A polipose nasal deve ser considerada como uma doença multifatorial (2) já que é freqüentemente associada a condições como indivíduos atópicos, pacientes asmáticos, ocorrência de rinossinusopatia crônica, desordem da motilidade mucociliar, intolerância aos antiinflamatórios não esteroidais e fibrose cística (3,10).
O presente estudo tem por objetivo avaliar a sintomatologia dos pacientes com polipose nasal e suas comorbidades relacionadas, entre elas asma e intolerância a aspirina, além de fazer uma revisão sobre alguns aspectos pertinentes à polipose nasal.
CASUÍSTICA E MÉTODOFoi realizado um estudo prospectivo com 24 pacientes portadores de polipose nasal em acompanhamento no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas do Paraná. Todos eles foram submetidos a um questionário e avaliação complementar por tomografia computadorizada. Tal estudo foi devidamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos na data de 11 de maio de 2007 sob o registro 1343.008/2007-01.
No questionário, as variáveis avaliadas foram idade, sexo, profissão, poluentes no trabalho, tabagismo e intolerância à aspirina, de acordo com a história clínica relatada pelos pacientes. Com relação à sintomatologia, avaliou-se igualmente a presença ou não de sintomas nasais como rinorréia, obstrução nasal, prurido nasal e espirros e conjuntivite, além de queixas de hipo ou anosmia.
Os pacientes que também eram portadores de asma foram classificados de acordo com a intensidade de sua doença. Aqueles com asma leve queixavam-se de sintomas durante menos de duas vezes por semana, os quais eram de curta duração, com sintomas noturnos ausentes ou presentes em menos de duas vezes por mês, sendo assintomáticos entre as exacerbações. Aqueles com asma moderada queixavam-se de sintomas por mais de duas vezes por semana e possuíam sintomas noturnos por mais de duas vezes por mês. Pacientes com asma grave relatavam sintomas diurnos e noturnos freqüentes, ocorrência de crise prévia com ameaça de vida, atividade física limitada e pelo menos uma hospitalização por asma nos últimos doze meses.
A avaliação tomográfica dos pacientes com polipose nasal foi realizada segundo os critérios de KENNEDY et al(3): Grau 1: doença bilateral etmóide. Grau 2: doença bilateral etmóide, envolvendo um seio paranasal. Grau 3: doença bilateral etmóide, envolvendo dois ou mais seios paranasais. Grau 4: polipose rinosinusal difusa.
Para análise estatística das variáveis foi aplicado o teste qui-quadrado. Fixou-se p< 0,05 como nível de rejeição da hipótese de nulidade.
RESULTADOSDos 24 pacientes avaliados, 41,66% eram homens. A faixa etária prevalente estava entre 50 a 59 anos, correspondente a 37,5% dos casos, seguida da faixa etária entre 40 a 49 anos, correspondente a 29,16% de ocorrência (Figura 1). Apenas 12,5% (3/24) dos pacientes apresentaram asma, sendo que dos portadores, 2 pacientes possuíam asma leve e apenas 1 paciente asma moderada sendo que nenhum paciente possuía asma grave (Tabela 1).
Figura 1. Distribuição etária dos pacientes portadores de polipose nasal avaliados.
Em relação à intolerância à Aspirina
®, 8,33%(2/24) dos pacientes com polipose nasal apresentavam tal intolerância, destes, todos eram portadores de asma. Em relação ao tabagismo, 33,33%(8/24) eram tabagistas de 15 maços/mês em média.
As manifestações clínicas mais freqüentes foram rinorréia anterior e posterior e anosmia, ambas presentes em 90% dos pacientes submetidos ao questionário. A obstrução nasal esteve presente em 80% dos avaliados. Espirros foram relatados por 60% dos pacientes estando presente de forma persistente. Prurido nasal foi relatado por 50% dos entrevistados e a presença de conjuntivite relatada por 30% dos avaliados (Figura 2 e Tabela 2).
Figura 2. Sintomas presentes em pacientes portadores de polipose nasal.
Em relação à avaliação tomográfica da doença nasossinusal, 45,83% dos pacientes foram enquadrados no grau 3 (doença etmoidal bilateral com envolvimento de 2 ou mais seios de cada lado), 29,16% encontravam-se no grau 2, e 12,5% estavam no grau 1 e 4 respectivamente (Tabela 3). A correlação entre a severidade da doença pela tomografia computadorizada e a sintomatologia clínica apresentada foi estatisticamente significativa a partir do teste Qui-Quadrado, com p-valor = 0,04. A severidade da asma relacionou-se significativamente com a classe tomográfica, já que todos os portadores de asma estavam enquadrados nos graus 3 ou 4 (p< 0,05).
DISCUSSÃOAs características da população avaliada foram semelhantes às da citada na literatura. A idade prevalente dos pacientes avaliados por meio do presente estudo localizou-se entre 50 a 59 anos (37,5%), sendo que a idade média relatada em BONFILS et al. é de aproximadamente 49 anos, sendo que, para MATSUYAMA, há maior prevalência da doença em maiores de 50 anos.
A associação entre polipose nasal e asma é a mais comumente relatada na literatura, girando em torno de 7% a 20% (2). A prevalência de asma ocorre em 45% dos pacientes com polipose nasal (11,12). No presente estudo encontramos uma prevalência de 12,5%. Tal diferença pode ser explicada pela pequena amostra avaliada em nosso estudo. Já a prevalência de polipose nasal em pacientes com asma é relatada entre 5,2 a 13%. (11,12). Em pacientes asmáticos a patologia é geralmente mais severa e refratária ao tratamento quando comparada aos não asmáticos.
KLOSSEK et al (13), em uma avaliação pré-operatória de pacientes portadores de polipose nasal, observaram uma prevalência de 25,5% de asma e de 29,7% de ASA, síndrome clínica caracterizada por asma e sensibilidade à aspirina. É descrita a relação entre ASA e polipose nasal (14), sendo que na maioria dos pacientes com ASA, a rinoscopia anterior e o estudo tomográfico revelam a presença de pólipos nasais (10). A elevada ocorrência de polipose nasal em pacientes com ASA estaria relacionada a alterações nos genes HLA (2).
Dentre os sintomas mais citados em KLOSSEK et al, observaram-se obstrução nasal bilateral e anosmia há pelo menos 6 meses em 100% dos pacientes. No presente estudo, rinorréia anterior e posterior e anosmia foram observadas em 90% dos pacientes.
Em relação aos 8,33% dos pacientes intolerantes à aspirina, observamos que tais valores estão de acordo com os resultados obtidos por BATEMAN et al, em que 5% a 10% dos pacientes com polipose nasal são intolerantes ao uso do Ácido Acetil Salicílico.
Os pólipos nasais são evaginações da mucosa nasal que se formam geralmente a partir dos seios etmoidais, corneto médio ou seios maxilares (10). Pela localização freqüente dos pólipos no complexo osteomeatal, a drenagem e a aeração tornam-se deficientes, muitas vezes levando a quadros agudos de infecção com presença de rinorréia purulenta, febre e tosse noturna, dentre outros sintomas (3).
Histologicamente, os pólipos nasais são constituídos por infiltrados de células inflamatórias como linfócitos, mastócitos, basófilos - sendo que os eosinófilos compreendem mais de 60% das células - além de células não inflamatórias como fibroblastos e células epiteliais (2). Há produção de grande quantidade de citosinas e fatores de crescimento, os quais contribuem para a inflamação eosinofílica crônica regulando a migração, sobrevivência e ativação de eosinófilos (15). As citosinas e fatores de crescimento como interleucinas 3, 4 e 5, e Interferon-gama e TGF-
b1 (Fatores
b1 de crescimento transgênico) são sintetizados por linfócitos T, fibroblastos, células epiteliais e eosinófilos. Tais fatores são expressos em maior ou menor quantidade de acordo com a atopia individual (17,18) e devem ser responsáveis por diferentes fases no processo de formação do pólipo (1), caracterizando diferentes fases da polipose nasal. Essas interleucinas promovem depósito de colágeno tipo I, II e V, contribuindo para o espessamento da membrana basal local, fibrose estromal e hiperplasia epitelial promovendo remodelamento subepitelial (1, 17,18).
Diferentes padrões histológicos de polipose nasal podem ser encontrados (2). Os pólipos nasais podem ser compostos por epitélio respiratório normal ou atípico, constituídos por mucosa respiratória e áreas de epitélio de transição contendo células escamosas, podendo estar presentes glândulas submucosas em quantidade igual ou menor quando comparada à mucosa nasal. Padrões histológicos metaplásicos também podem ser encontrados (1,17,18).
Este padrão inflamatório descrito na polipose nasal é semelhante ao demonstrado na fisiopatologia da asma, comprovando-se a correlação entre as duas patologias (4), sendo que quanto maior for o remodelamento devido à fibrose, maior a severidade da doença (13,17). Comprovou-se tal afirmativa neste estudo pela co-relação de gravidade tomográfica da doença e a presença de asma, já que todos os pacientes portadores de asma apresentavam-se nos graus 3 ou 4 da classificação tomográfica de KENNEDY et al.
A polipose nasal também está relacionada ao metabolismo dos prostanóides (2,10). Já foi demonstrado que há um retardo na ativação da Ciclooxigenase-2 (COX-2) nos pólipos nasais se comparados à mucosa nasal. Isso gera uma deficiência na produção de Prostaglandinas, as quais estão envolvidas com a modulação da inflamação na mucosa nasal. A deficiência na sua produção seria uma das razões para a formação dos pólipos (2).
Em pacientes com ASA, demonstrou-se que os níveis de COX-2 produzidos pelos pólipos nasais estão ainda menores que em pólipos nasais de pacientes tolerantes à aspirina, demonstrando que a falta de prostaglandinas nesses pacientes torna-os mais suscetíveis aos efeitos das drogas antiinflamatórias não esteroidais (2).
A avaliação complementar por tomografia computadorizada é praticamente obrigatória (3) para todos os pacientes com polipose nasal, permitindo inferir, a partir da classificação utilizada, além do grau de extensão, o grau de morbidade e a severidade da doença.
KEREM et al relatam que os pacientes portadores de polipose nasal em seu estudo pré-operatório de cirurgia endoscópica ficaram 94,2% agrupados no estadio 3 ou 4 de severidade de doença sinusal tomográfica (15). No presente estudo, 58,3% dos pacientes pertenciam aos grupos 3 ou 4 de acordo com a avaliação tomográfica.
CONCLUSÃOApesar da polipose nasal ser uma doença freqüente, sua etiologia ainda permanece incerta. A presença de eosinofilia, degranulação de mastócitos e altos níveis de IgE em sua avaliação histopatológica sugerem um componente alérgico em sua etiologia. Já se reconhece a associação entre polipose e asma e intolerância à aspirina. O presente estudo sugere a correlação entre a gravidade da polipose e a sua associação com asma, já que todos os pacientes portadores de asma apresentavam-se no grau 3 ou 4 da classificação tomográfica de KENNEDY et al., porém, devido ao pequeno tamanho da amostra utilizada, são necessários outros estudos que possivelmente confirmem tais achados.
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1. Professor Doutor do Departamento de Anatomia da Universidade Federal do Paraná e Médico do Serviço de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Paraná.
2. Médica Residente do Serviço de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Paraná.
3. Acadêmica do 6º ano do Curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná.
4. Professor Doutor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da UFPR. Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná.
Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná
Endereço para correspondência: Andrea Thomaz Soccol
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Telefone: (41) 3360-1800 - E-mail: andreasoccol@yahoo.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 20 de outubro de 2006. Cód. 174. Artigo aceito em 18 de julho de 2007.