INTRODUÇÃODiversas doenças podem afetar o canal auditivo externo (CAE), provocando hipoacusia condutiva. Muitas vezes, apresentam-se associadas a manifestações de otalgia, otorréia e acúfenos. As causas mais comuns são presença de cerúmen, eczema, otite externa e otomicose. Tumores benignos nesta localização são menos freqüentes, sendo importante seu diagnóstico etiológico (1), uma vez que o achado otoscópico não diferencia lesões benignas ou malignas.
Entre os tumores benignos do CAE, a exostose é a forma mais encontrada (6,3 casos a cada 1000 pacientes examinados por queixas ORL) (2). Lesões vasculares são mais raras e, destas, o hemangioma é o mais prevalente. É importante o diagnóstico diferencial para determinar a correta investigação e o tratamento adequado (3).
Hemangioma é uma lesão vascular que geralmente localiza-se na derme. É comum em crianças pequenas, desaparecendo por volta dos 5-6 anos de idade, ocorrendo duas fases de evolução (1). Uma fase de crescimento rápido (fase proliferativa), seguido por uma fase de involução. Histologicamente observa-se na fase proliferativa uma hiperplasia endotelial e aumento do número de mastócitos. Na fase involutiva, observa-se fibrose, infiltração gordurosa, diminuição da celularidade e normalização do número de mastócitos (2). Pode ser capilar, quando os vasos organizam-se em estruturas tipo capilares, ou cavernoso, quando apresenta grandes espaços vasculares, forma mais comum em pele e mucosas. Durante a fase proliferativa, em crianças, observa-se o aumento dos níveis sérico e urinário do fator de crescimento básico de fibroblastos (bFGF) (1).
RELATO DE CASOJ.S., masculino, 41 anos, branco, procurou atendimento otorrinolaringológico devido a hipoacusia progressiva na orelha esquerda nos últimos 2 meses. Não havia queixa de otalgia ou otorréia. Não referia história prévia de doença otológica. Há aproximadamente 45 dias havia consultado em outro local com queixas de abafamento auditivo na orelha esquerda, tendo recebido o diagnóstico de disfunção tubária, que fora tratado com loratadina e pseudo-efedrina sem sucesso. Como o incômodo era progressivo, veio à consulta. A otoscopia visualizava-se massa pediculada, originando-se na parede ântero-inferior do terço interno do canal auditivo externo (CAE) esquerdo (Figura 1). A lesão ocupava virtualmente todo diâmetro do CAE, mas era possível comprimir a massa e observar a membrana timpânica (MT). Ao comprimi-la, ocorria melhora auditiva transitória, mas com o intumescimento da lesão a audição voltava a piorar. Foi realizada tomografia computadorizada (TC) de osso temporal, que confirmou a localização da lesão, a ausência de comprometimento da MT e a ausência de extensão para as adjacências, além de leve impregnação pelo contraste na periferia da lesão (Figuras 2 e 3).
Figura 1. Massa pediculada no canal auditivo externo esquerdo. (A: anterior; S: superior)
Figura 2. Tomografia computadorizada localiza a lesão (seta), evidenciando ausência de comprometimento da membrana timpânica e ausência de extensão para estruturas adjacentes.
Figura 3. Tomografia computadorizada demonstra leve impregnação pelo contraste na periferia da lesão (seta).
O paciente foi submetido a procedimento cirúrgico transcanal, com descolamento da pele do CAE até a lesão. Nesse momento, houve intenso sangramento, controlado parcialmente com algodões embebidos em vasoconstritor e cauterização do pedículo da lesão que transfixava o osso timpânico, sem erosá-lo. Tentou-se, sem sucesso, dissecar a pele aderente à lesão. Procedeu-se, então, a incisão medial à massa, para evitar-se descolamento e lesões inadvertidas na pele mais medial do CAE e do ânulo timpânico. Nessa etapa, fez-se a exérese da lesão, com posterior broqueamento, utilizando broca diamantada da parede anterior do CAE, para melhor hemostasia. Foi realizado preenchimento da área desnuda com enxerto de pele retirada da face medial do braço esquerdo. O exame anátomo-patológico diagnosticou hemangioma microvascular (Figura 4). O paciente apresentou boa evolução, estando assintomático na última revisão (6 meses após a cirurgia) com cicatrização completa do CAE e ausência de recidiva da lesão.
Figura 4. Exame histopatológico demonstra hemangioma microvascular.
DISCUSSÃOO primeiro relato da presença de hemangioma na orelha externa foi feito por Freedman em 1972, descrevendo dois homens na sexta década de vida com lesão que se originava na parede posterior do CAE e comprometia a MT (4). Desde então, poucos casos foram relatados. Em 1987, Hawnk e van Nostrand descreveram o primeiro caso de hemangioma do CAE sem comprometimento da MT (5). Até o momento, há 3 relatos com esta característica (1). No caso relatado, a lesão iniciava na parede anterior do CAE e ao ser comprimida não parecia haver comprometimento da MT.
O diagnóstico diferencial das lesões vasculares da orelha inclui glômus jugular, glômus timpânico, bulbo da jugular alto, artéria carótida interna aberrante, malformações artério-venosas, entre outras (1). A otoscopia, a lesão não era pulsátil e não havia alteração na coloração da pele. Mesmo assim, é fundamental a realização de tomografia computadorizada (TC) do osso temporal com contraste para o diagnóstico diferencial, delimitando a extensão da lesão e avaliando sua vascularização (6). A TC não demonstrava comprometimento da MT nem extensão para estruturas adjacentes, além de demonstrar leve impregnação pelo contraste na periferia da lesão.
O tratamento do hemangioma é cirúrgico e consiste na exérese da lesão. Quando realizamos a remoção da lesão, devido à extensão da área cruenta, optamos pela confecção de enxerto de pele no local. O diagnóstico definitivo é realizado através do exame anátomo-patológico (8). O prognóstico é favorável na maioria dos casos e recorrência é rara (7). O paciente evoluiu bem, com adequada cicatrização do CAE e não houve recorrência da lesão.
CONCLUSÃOA presença de massa tumoral no CAE abre um leque de hipóteses diagnósticas, dentre as quais, hemangioma, principalmente se a lesão é amolecida e compressível, como no caso, independentemente da coloração da pele. É importante a delimitação da lesão, quanto à localização, comprometimento da membrana timpânica e invasão de estruturas adjacentes. Para este fim, a TC é o exame indicado. O tratamento dos hemangiomas é cirúrgico com mínima chance de complicação e bom prognóstico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Reeck JB, Yen TL, Szmit A, Cheung SW. Cavernous hemangioma of the external ear canal. Laryngoscope. 2002 Oct;112(10):1750-2.
2. Newcomer NT, Marple B. Benign Tumors of the External Ear. Emedicine, 2002: http://www.emedicine.com/ent/topic706.htm.
3. Limb CJ, Mabrie DC, Carey JP, Minor LB. Hemangioma of the external auditory canal. Otolaryngol Head Neck Surg. 2002 Jan;126(1):74-5.
4. Freedman SI, Barton S, Goodhill V. Cavernous angiomas of the tympanic membrane. Arch Otolaryngol. 1972 Aug;96(2):158-60.
5. Hawke M, van Nostrand P. Cavernous hemangioma of the external ear canal. J Otolaryngol. 1987 Feb;16(1):40-2.
6. Chakeres DW, Kapila A, LaMasters D. Soft-tissue abnormalities of the external auditory canal: subject review of CT findings. Radiology. 1985 Jul;156(1):105-9.
7. Jackson CG, Levine SC, McKennan KX. Recurrent hemangioma of the external auditory canal. Am J Otol. 1990 Mar;11(2):117-8.
8. Kemink JL, Graham MD, McClatchey KD. Hemangioma of the external auditory canal. Am J Otol. 1983 Oct;5(2):125-6.
1. Doutor em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia da Fundação Federal Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas de Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Otorrinolaringologista do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre.
3. Acadêmica da Fundação Federal Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre (6º Ano).
4. Acadêmica da Fundação Federal Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre (5º Ano).
Instituição: Fundação Federal Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre. Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Endereço para correspondência:
José Faibes Lubianca Neto
Clínica Otorrinos Porto Alegre
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da R@IO em 10 de janeiro de 2007. Cód. 207. Artigo aceito em 29 de junho de 2007.